No provável único debate entre a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, e o ex-presidente Donald Trump, os dois candidatos apostaram em estratégias totalmente diferentes para conquistar os eleitores, sobretudo os indecisos, no duelo desta terça-feira. Para jornalistas do GLOBO que acompanham de perto a política americana, a democrata “venceu de lavada” a disputa enquanto o republicano repetiu a receita de falar para a própria base. Qual será o impacto disso nas intenções de voto, no entanto, ainda é incerto.
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Para o colunista Guga Chacra, tanto republicanos quanto democratas “podem encontrar pontos para dizer que seu candidato venceu o debate”. No primeiro bloco, sobre economia, não houve um grande vencedor, avalia.
— Basicamente, Kamala criticou o histórico da administração Trump e o republicano criticou o governo democrata — afirma Chacra, pontuando um cenário diferente no momento seguinte, em que os direitos reprodutivos das mulheres foram postos em pauta: — No bloco aborto, Kamala teve uma leve vantagem e Trump ficou na defensiva. O republicano tentou amenizar sua posição sobre o aborto. Nos EUA, diferentemente do Brasil, a maioria da população apoia o direito à interrupção da gravidez. Aborto era permitido em todo o território americano por 5 décadas até ser derrubado pela atual Suprema Corte, de viés conservador.
Eduardo Graça, repórter especial que já foi correspondente em Nova York, afirma que a vice se saiu melhor ao se apresentar como novidade, um anseio de parte importante do eleitorado.
— Kamala Harris venceu o debate com o ex-presidente Donald Trump. E com folga. Se há algo que os estrategistas dos dois lados concordam é que essa é uma eleição pautada pelo desejo de mudança dos eleitores, do “novo”. Especialmente, mostram as pesquisas internas, para os ainda indecisos. Kamala, de 59 anos, aproveitou melhor a noite para enfatizar não ser nem o presidente Joe Biden, de 81 , e muito menos Donald Trump, 78 — afirma, apontando o contraste que ficou evidente no duelo com o ex-presidente: — Confuso, repetindo teorias da conspiração como a de imigrantes hatianos comendo animais domésticos de americanos em Ohio, Trump balançou. Casmurro, pareceu velho. Muito velho. Ainda menos “presidencial” do que o habitual, falou, mais uma vez, para a base. Não eram os interlocutores desejados.
Na avaliação de Flávia Barbosa, editora-executiva que já foi correspondente em Washington, Kamala se saiu melhor em um debate que era mais crucial para ela, desconhecida de parte do público, do que para Trump.
— O debate era mais crucial para Kamala Harris do que para Donald Trump. E ela se saiu bem. Preparada, articulou sua visão, ainda que sem profundidade nas propostas, traçou contrastes biográficos e em temas caros nesta campanha (aborto, especialmente, mas também democracia e imigração) e sobretudo conseguiu tirar Trump da zona de conforto e irritá-lo — destaca. — Trump seguiu seu script particular: mentiu, falou grosso, respondeu o que quis e saiu-se com ataques como “marxista”. Desperdiçou a chance nas questões de economia, calcanhar de Aquiles democrata, e teve seu melhor momento neste sentido nas palavras finais, quando a audiência já caiu: por que ela não fez tudo isso nesses três anos e meio?
Os jornalistas, porém, levantam dúvidas sobre qual peso o duelo terá na corrida. Embora há quem diga que debates não tenham mais o mesmo peso que antes, o primeiro duelo da disputa pela Casa Branca, entre Trump e o então candidato, o presidente Joe Biden, foi responsável por enterrar o nome do democrata após o fracasso do seu desempenho. Neste, por outro lado, “não houve momentos definidores”, afirma Barbosa.
— Não houve momentos definidores, brilhantes: como os cortes deste debate serão aproveitados nas redes sociais e no noticiário tradicional será crucial para o impacto final deste provável único embate sobre os eleitores independentes e indecisos nos próximos menos de dois meses.
Graça pontua que, apesar do apelo pelo “novo” ter sido bem-sucedido, ainda paira a incerta sobre um futuro governo de Kamala Harris para eleitores nem-nem.
— Os eleitores indecisos, depois de 1h30min de debate, provavelmente não ficaram mais seguros sobre o que Kamala fará no governo. Mas receberam, olho no olho, um convite para se “virar a página” do caos, do ataque à democracia, da representação da “fraqueza americana no tabuleiro global” — afirma. — Resta saber se o convite será aceito.
Guga Chacra destaca a melhora no desempenho da democrata ao longo do debate. No entanto, é preciso aguardar as pesquisas para saber a visão dos indecisos:
— Kamala foi bem e Trump foi o mesmo de sempre, mentindo e exagerando. A vice-presidente ao longo do debate foi melhorando e, na minha avaliação, foi vitoriosa. Mas não deve ter grande impacto entre os eleitores. Importante ver como indecisos avaliam o debate.