Ogronegócio põe fogo no pé com queimadas – 27/09/2024 – Marcelo Leite

A Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) estima que queimadas já causaram R$ 14,7 bilhões de prejuízo ao agronegócio. Como afirmar, então, que a culpa pelo fogo é do agro?

Uma coisa é o agronegócio paulista (cana), outra é o ogronegócio na amazônia, no cerrado e no pantanal (grilagem e pecuária). Quando o primeiro ataca pesquisadores como Luciana Gatti e ambientalistas em geral, realimenta a confusão que mais interessa ao segundo.

Embora a presente estiagem seja a mais aguda em 75 anos, não vivemos a pior temporada de fogo. Contados por satélite os focos de calor até 26 de setembro (206 mil), os anos de 2003, 2004, 2005, 2007 e 2010 foram piores.

Nada impede que 2024 termine recordista, pois ainda há três meses para queimar. As curvas de focos na amazônia e no cerrado sobem em trajetória mais vertical que em anos anteriores, a indicar que as queimadas começaram mais cedo e não dão sinal de arrefecer.

O governo federal se engajou no combate a quase mil incêndios e controlou ou extinguiu 80% deles. Muita coisa mudou, porém: o aquecimento global insufla a seca sem precedentes, e na amazônia grileiros estão partindo para queimar floresta em pé, o que antes era quase impossível.

A mata era tão úmida que as chamas só se propagavam pela superfície. Danificavam árvores e empobreciam a vegetação, verdade, tornando-a mais inflamável, um ciclo infernal de perda de resiliência. Com a degradação e a mudança climática, criaram-se as condições para o desastre atual.

Engana-se quem concluir que elas favoreçam a ignição de incêndios naturais, como os iniciados por raios. Descargas elétricas são raras na estação seca e respondem por não mais que 1% das ocorrências ao longo do ano.

Campos cultivados, pastagens e matas queimam porque alguém tocou fogo neles ou nas proximidades. Representantes do agronegócio deram para dizer que é coisa do crime organizado, não de fazendeiros.

Nas redes antissociais houve quem apontasse o dedo para o PCC e o MST. Correu pelas telas até uma fantasiosa operação de drones incendiários do governo federal para prejudicar o agronegócio, lorota desmentida no Jornal Nacional.

Há um componente ideológico nessa disputa sobre quem tem culpa no cartório, vale dizer, nas informações disponíveis sobre localização dos focos de fogo. A maioria (83%) ocorre nas regiões de fronteira agropecuária, cerrado (especialmente Matopiba) e amazônia (com frente alarmante do sul do Amazonas).

São rincões onde o antiambientalismo bolsonarista segue impávido. Outro sintoma de que é o ogronegócio em ação está no ataque às por ele odiadas unidades de conservação (1.700 focos de calor na Floresta Nacional do Jamanxim) e terras indígenas (3.200 na TI Kayapó).

Apenas 20 municípios dessas regiões respondem por 85% das queimadas. Só não vê quem não quer ou está interessado em levantar cortina de fumaça para ocultar que grileiros usam o fogo para plantar pastagens que pecuaristas revenderão com lucro para grandes cultivadores de commodities.

Pensando bem, não deixa de ser um crime bem organizado. Com exceção do estado de São Paulo, claro, onde persiste o enigma de metade da área queimada em agosto ter ardido num Dia de Fogo para chamar de seu.


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