Exercício demais é veneno? – 01/10/2024 – Bruno Gualano

Durante as Guerras Médicas (490 a.C.), dizem que Pheidippides teria sido enviado de Atenas a Esparta para pedir socorro contra os persas na Batalha de Maratona. Teria ele percorrido cerca de 240 km ao longo de dois dias, para ouvir a recusa dos espartanos.

Mais tarde, o coitado seria incumbido de correr outros 40 km –desta vez de Maratona a Atenas– com a missão de entregar as boas-novas. “Nenikékamen!”, (nós vencemos), teria anunciado o mensageiro atleta aos orgulhosos compatriotas atenienses, logo antes do colapso fatal. Assim nascia a modalidade esportiva maratona —e a suspeita de que exercício demais é arriscado.

Mas o que nos conta a ciência é que as chances de eventos cardíacos entre atletas de longa distância são bastante raras –aproximadamente 0,5 a 2 casos a cada 100 mil participantes. Seria o desafortunado Pheidippides uma anomalia estatística?

Proponho começar pelo exame da relação entre a dose do exercício e seus efeitos sobre a mortalidade. Basicamente, quem pratica alguma atividade tem vantagem sobre quem nada faz. Tanto melhor se você, caro leitor, consegue se exercitar 30 a 60 minutos por dia, ao menos cinco vezes por semana.

É desse ponto em diante que o cenário se acinzenta. Em comparação a alguém nem tão ativo, quem acumula altíssimos volumes de atividade –digamos, duas ou três horas diárias, como no caso de um atleta– pode não ter ganhos adicionais de sobrevida ou até mesmo experimentar uma ligeira redução de longevidade.

Por que isso acontece não é claro. Elevado estresse físico e mental, uso de drogas para melhorar o desempenho ou lesões debilitantes que se agravam com o tempo são candidatos a explicar o fenômeno. Também há evidências de que atletas (particularmente homens) apresentam mais cálcio nas artérias coronárias, o que lhes aumentaria o risco de doenças cardiovasculares, como infarto do miocárdio.

Em contrapartida, as placas arteriais de pessoas altamente treinadas tendem a ser mais estáveis e, portanto, menos propensas à ruptura, o que mitigaria as chances de eventos cardíacos agudos.

O que impede conclusões mais definitivas é que esses estudos avaliam os participantes num ponto único no tempo e, portanto, oferecem um retrato estático da realidade, incapaz de capturar sutilezas no dinâmico filme da vida.

Assim, ficamos sem saber se as pessoas sob alto regime de treinamento seriam simplesmente mais fit ou, por outra, estariam preocupadas em compensar riscos cardiovasculares pré-existentes –como a presença de placas nas artérias. Outras limitações das pesquisas sobre o tema incluem o impreciso autorrelato dos níveis de atividade física e o baixo número de atletas analisados.

Mas aqui está o que realmente importa: independentemente da quantidade de cálcio que portam nas artérias, atletas parecem ser mais longevos do que a população geral. Um estudo constatou que medalhistas olímpicos de nove países vivem, em média, 2,8 anos a mais do que seus controles.

E mesmo os ciclistas do Tour de France –sobre-humanos que tornam o feito de Pheidippides um passeio no parque– apresentam riscos 41% menores de mortalidade do que seus conterrâneos não atletas. Disso deduzimos que o veneno não é o exercício em demasia, mas o seu oposto.


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