O Brasil ainda quer uma D.R. entre Xuxa e Marlene – 01/10/2024 – Rosana Hermann
São Paulo
Tentei evitar o trocadilho, mas não consegui. A série sobre as Paquitas me “empaquitou” muito. Como já contei algumas vezes, vivi o começo de tudo, quando trabalhava na Band. Maurício Sherman, que me contratou como roteirista, era diretor, e Marlene Mattos era a secretária da produção.
Um dia, Xuxa foi dar uma entrevista num programa do J. Silvestre, Sherman se encantou com ela e, quando o diretor foi para a Manchete, deu um programa infantil para Xuxa e deixou Marlene cuidando dela. Mais tarde, Marlene me contrataria para ser roteirista da Rainha dos Baixinhos na Globo.
Mas não foi o fato de conhecer alguns dos personagens da série que me deixou envolvida com a história e sim porque a série é uma grande D.R., com exposição de mágoas antigas, dores profundas e coisas muito mal resolvidas até hoje. Quem assistiu sabe que ainda tem coisas a serem descobertas e esclarecidas. E não são poucas.
A série documental dos Estúdios Globo “Pra Sempre Paquitas” mostra mulheres adultas que até hoje não superaram seus traumas gerados por abuso psicológico, moral e, principalmente, pela destruição de sonhos e ilusões de quando eram meninas.
Eu sei que o fato de as Paquitas “icônicas” terem sido escolhidas por serem brancas, loiras e bonitas, como mini-Xuxas, tende a diminuir a empatia de alguns espectadores. Realmente, o recorte de privilégios e de não representatividade gera, com razão, um mal-estar nos dias de hoje. Mas elas não têm culpa de nada. Eram só crianças trabalhando cedo demais numa máquina de moer sonhos chamada Televisão.
Também fiquei bem impressionada com a lucidez e a coragem de Xuxa que, mesmo não sendo culpada de nada, ainda assim se coloca como corresponsável pelas dores de suas Paquitas.
O fato é que Xuxa foi um dos maiores fenômenos contemporâneos da história da televisão brasileira, um marco definitivo na indústria do entretenimento que influenciou gerações. Assistir aos cinco episódios da série nos leva a fazer uma revisão do nosso passado e fechar histórias que até então estavam inconclusivas.
Mas tem um porém. A história ainda não terminou.
Falta a resposta de Marlene Mattos, depois das revelações (e acusações) das Paquitas. Falta entender a parte mais profunda, emocional, dessa interdependência entre diretora e apresentadora que formou uma parceria tão bem-sucedida, apesar de todas as tensões.
Falta mergulhar nas razões psicológicas que levaram cada uma, criadora e criatura, a se unirem e se separarem. Falta entender o drive, aquilo que nos faz buscar alguma coisa na vida.
Eu me lembro de Marlene Mattos me contando com orgulho, no auge do seu sucesso, que um dia havia saído do Maranhão num caminhão pau-de-arara. Que tinha o sonho de ser juíza.
Quando foi que os sonhos de Marlene e de Xuxa se perderam? Como foi que a admiração acabou, que o encantamento se quebrou?
Talvez Marlene nunca responda, nunca se manifeste sobre o documentário das Paquitas. Talvez Xuxa sinta que já disse tudo o que tinha para contar.
Mas o Brasil gostaria certamente de ver a série definitiva, a última produção, a D.R. final entre Xuxa Meneghel e Marlene Mattos. Aquela que revele que, enfim, a vida não é um doce nem um mel, que escorre da boca feito um doce, pedaço do céu.
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