O Brasil é um país de velhos invisíveis e descartáveis – 01/10/2024 – Mirian Goldenberg
No domingo, a pracinha perto da minha casa estava repleta de famílias, crianças, carrinhos de bebês e pessoas de mais idade em cadeiras de rodas. De repente, duas garotas e dois rapazes começaram a jogar “altinha”. Não demorou muito para a bola atingir Patrícia, uma psicóloga de 73 anos, que estava fazendo exercícios na Academia da Terceira Idade.
Fui ver se ela estava bem e começamos a conversar. Contei que, no início do ano, recebi uma bolada tão forte que quebrou meus óculos e fez meu nariz sangrar. A garota que me acertou com a bola gritou: “Foi mal, tia”. “E se o vidro tivesse entrado nos meus olhos?”, perguntei. Ela deu uma risada debochada e voltou a jogar “altinha” como se nada tivesse acontecido.
Segundo o projeto de lei nº 828/2018, que declarou o “jogo” ou “brincadeira” patrimônio cultural de natureza imaterial da cidade do Rio de Janeiro, a “altinha” (ou “altinho”) é a modalidade esportiva com a marca do carioca que mais cresce no Rio de Janeiro.
“O aspecto mais interessante desse jogo é justamente a (quase) ausência de regras. Não é permitido usar as mãos e o objetivo é não deixar a bola cair no chão. Para mantê-la no ar, vale usar a cabeça, os pés, as coxas e o peito.
Bastam duas pessoas e uma bola pra começar. Em geral, a brincadeira rola naquele trecho entre a areia e a água, onde o calor é menor.
E as meninas estão entre as mais entusiasmadas. Deixaram o preconceito de lado e hoje muitas conseguem brincar tranquilamente no meio de vários homens sem fazer feio.”
Patrícia me contou que vai à praia bem cedinho, porque depois das 10 horas ficou praticamente impossível caminhar na areia: as rodas de jovens jogando “altinha” ocuparam a praia.
“Além de tomarem todo o espaço da areia, impedindo que os mais velhos caminhem sem o perigo de receberem uma bolada, agora o jogo invadiu outros espaços da cidade. Eles se acham os donos do mundo. Nem pedem desculpas quando acertam alguém. E nós não falamos nada porque temos muito medo. Somos invisíveis, transparentes, descartáveis.”
“Mas não são só os jovens que desrespeitam os velhos”, disse. “Tem muito velho que é machista e etarista.”
“Outro dia, na praia, um velho barrigudo e careca me fez o seguinte elogio: ‘Que coroa gostosa, tesuda, ainda dá um bom caldo. Panela velha é que faz comida boa.”
Pior ainda é o desrespeito e o preconceito da própria família.
“Meus netos só aparecem lá em casa quando precisam de dinheiro. Não me enxergam, não me escutam, só ficam grudados no celular. Minha filha me xinga de velha ridícula e piriguete porque vou à praia de biquíni e estou namorando um homem mais jovem.”
No meu caderninho, anotei uma ideia para a minha coluna da Folha de 1º de outubro, data designada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 1990, como o Dia Internacional das Pessoas Idosas. E também data do Estatuto da Pessoa Idosa, lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que regula os direitos das pessoas com 60 anos ou mais.
“Mirian, por que você não escreve que o Brasil é um país de velhos invisíveis e descartáveis? Por que não mostra que a epidemia do etarismo está se alastrando dentro das nossas casas? Por que não pergunta aos seus leitores se eles também sofrem preconceito e violência da própria família?”
Alguém tem uma boa resposta?
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