PLP 108/24 e Operação Loki: mudanças à vista para o planejamento sucessório – 01/10/2024 – Que imposto é esse

Em julho de 2024, foi publicado o relatório do Grupo de Trabalho encarregado de apreciar o Projeto de Lei Complementar 108/2024 (PLP 108/24), que visa instituir o Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), trazendo também mudanças significativas para o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação). A proposta inicialmente prometia simplificar o sistema tributário, no entanto, suscita debates e incertezas no cenário do planejamento sucessório.

Entre as principais alterações quanto a tributação de eventos sucessórios e atos de planejamento de sucessão, trazidas pelo PLP 108/24, destacam-se:

a) tributação de planos de previdência complementar (VGBL): com aportes realizados nos últimos cinco anos antes da data de falecimento, essa ferramenta financeira, que vinha se popularizando como uma maneira de direcionar patrimônio aos herdeiros sem ter que passar por procedimento de inventário e nem pagar ITCMD, provavelmente perderá a vantagem tributária que até agora vem tendo;

b) regulamentação da cobrança de ITCMD sobre ativos no exterior: aqui, apenas é regulado o que já era praticado desde o advento da Lei 14.754/2.023, conhecida como lei da taxação das offshores, se detalhando quais os eventos podem ser considerados para a finalidade de taxação;

c) distribuição desproporcional de dividendos em empresas familiares e perdão de dívidas/mútuo também passam a ser considerados doações sujeitas a incidência do ITCMD: Essa questão é extremamente complicada e demandará maiores debates. Com a intenção de inibir distribuição de patrimônio entre herdeiros por meio de dividendos desproporcionais, de modo a evitar que o proprietário da maioria das quotas da empresa aumente o patrimônio que um dia será herdado, passando os resultados diretamente aos herdeiros por meio de distribuição desproporcional às quotas, pode-se acabar atingindo sociedades puramente empresariais, constituídas entre parentes e sem intento de servirem como veículos sucessórios ou elisão fiscal. No Brasil, segundo o IBGE, cerca de 90% das empresas têm perfil familiar. Uma determinação dessas pode, na prática, inviabilizar a distribuição desproporcional de dividendos, onerando ainda mais o empresário que resolve constituir sociedade com seus familiares;

d) determinação de que cada estado defina o que constitui um “grande patrimônio”, aplicando a alíquota máxima do ITCMD a partir desse valor: aqui pretende-se estabelecer balizas para que os estados legislem acerca da progressividade do ITCMD, já direcionando para que os Estados que ainda não praticam alíquotas de 8% —como PR e SP, entre outros— passem a aplicá-la ao final da linha de progressividade que for estabelecida.

Ainda neste contexto, recentemente foi deflagrada a Operação Loki, pela Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo), a qual se descreve como sendo uma iniciativa para garantir a correta tributação na transmissão de patrimônio, especialmente em se tratando de holdings familiares, fiscalizando planejamentos sucessórios que, “em teoria”, foram utilizados para evitar o pagamento do ITCMD, sendo enviadas notificações aos contribuintes os “convidando” à autorregularização, por meio do pagamento do suposto ITCMD devido.

No entanto, tal iniciativa levanta sérias preocupações acerca da relação entre o Fisco e os contribuintes, podendo essa operação ser vista como uma forma de intimidação do Estado contra o contribuinte, uma vez que não deve a Fazenda simplesmente presumir que todo planejamento sucessório, especialmente envolvendo transações familiares, seja fraudulento, devendo ser comprovada efetiva irregularidade, cabendo ao ente público o ônus da prova.

Deve-se ressaltar que o planejamento sucessório através de holding familiar é um direito legítimo, garantido por lei, e não deve ser confundido com evasão fiscal. A atuação da Sefaz-SP, ao presumir a má-fé dos contribuintes, notificando-os indiscriminadamente, cria um ambiente de insegurança jurídica, penalizando aqueles que se preparam de forma lícita para a transmissão de seu patrimônio. Ainda, a subjetividade nos critérios utilizados pela Sefaz-SP para se avaliar o valor de mercado das empresas reforçam a arbitrariedade da operação Loki.

Nesse particular, dois acórdãos recentes da 1ª e 11ª Câmaras de Direito Público do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiram a favor dos contribuintes em casos que envolvem a cobrança de ITCMD em contratos de compra e venda de cotas sociais de empresas, mesmo quando o valor da transação é inferior ao valor de mercado. Entendeu-se que a liberdade contratual das partes deve ser respeitada e que a venda por um valor abaixo do mercado não configura necessariamente uma doação, que é o fato gerador do imposto. Ou seja, a má-fé não pode ser presumida e a Justiça considera legítima a possibilidade de compra e venda de bens entre ascendentes e descendentes, ainda que em valor inferior ao de mercado.

Em suma, as alterações propostas pelo PLP 108/24, caso se tornem Lei, podem impactar significativamente as estratégias de planejamento sucessório que até o presente momento vêm sendo aplicadas por contribuintes brasileiros, se tornando ainda mais importante que a execução de uma sucessão planejada seja precedida de um estudo cuidadoso, para que não se torne um ônus fiscal ainda maior do que aquele que incidiria no caso de uma sucessão não planejada.


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