Refugiados nas Olimpíadas: entre esperança e política – 01/10/2024 – Políticas e Justiça

Trinta e sete atletas participaram das Olimpíadas de Paris 2024 sob a bandeira olímpica e, nas palavras da Acnur (Agência da ONU para Refugiados), “trazendo esperança e resiliência no marco do espírito olímpico por representarem as mais de 120 milhões de pessoas em deslocamento forçado em todo o mundo”.

Não há exagero em dizer que o drama das pessoas que se veem obrigadas, por diversas razões, a abandonar seus países em busca de refúgio no estrangeiro, assim como o daqueles que precisam se deslocar dentro de seus próprios Estados, abandonando as casas e as vidas que conheciam até então, é um dos mais graves problemas que demandam respostas dos Estados, das Organizações Internacionais, do Direito –interno e internacional– e da sociedade.

O número de 120 milhões é a cifra mais recente, 8% maior do que há um ano, e segue um padrão de crescimento constante há pelo menos 12 anos.

Os números, sozinhos, podem não dizer muito. Seria preciso, para apreender parte da dimensão do drama, testemunhar ou ouvir relatos dos indizíveis sofrimentos que grande parte dessas pessoas enfrentam.

Além do assustador desenraizamento e do abandono de tudo que se tem e se conhece na vida, elas enfrentam as incertezas do caminho, a cobiça e a exploração dos intermediários, os riscos advindos da natureza e dos homens, e a frequente violência, inclusive sexual, que não poupa ninguém…

Quando temos a oportunidade de dar uma espiada nesse quadro de provações, nossa primeira reação, enquanto estamos sentados confortavelmente em nossos sofás, talvez seja a de pensar que não vale a pena arriscar tanto. Logo, porém, seremos lembrados de que é preciso ter perdido toda esperança para ir buscá-la em algum lugar ao fim desse terrível caminho.

Por tudo isso, emociona ver uma delegação de refugiados participando dos Jogos Olímpicos; eles nos fazem lembrar dos milhões que sofrem e nos levam a pensar que ainda há alguma esperança.

É preciso, no entanto, se quisermos pensar seriamente sobre o assunto, ultrapassar essas emoções e avaliar mais detidamente o que essa participação revela, em Paris e em outras edições dos Jogos.

A Acnur nos conta que 75% dos refugiados, ou seja, daqueles que deixaram seus países em direção a outros, são acolhidos por países de baixa ou média renda. Os deslocados internos, que constituem mais da metade daquele número de 120 milhões, por definição, ainda estão no território dos países conflagrados ou que ainda vivem a crise que levou ao deslocamento.

Os países mais ricos não são os mais abertos à recepção e ao acolhimento dos refugiados. Certamente, restringem o quanto podem a entrada das massas de refugiados. Preferem fazer escolhas que privilegiam a entrada de “cérebros”, mão de obra qualificada, pessoas que solicitam asilo político e atletas promissores. As escolhas têm claro caráter político.

A lista dos atletas que compuseram a delegação dos refugiados e suas histórias de vida, assim como a lista dos países em que hoje vivem, são indícios importantes de algo que talvez se possa chamar de seletividade.

O Comitê Olímpico Internacional e a França, enquanto país-sede, sofreram, aqui e ali, críticas por conta do que seria a aplicação desigual de critérios políticos, por exemplo, na decisão sobre quais países poderiam enviar delegações nacionais e quais não poderiam. A politização parece se estender aos refugiados.

Fiquemos, então, com o símbolo e com a lembrança, esperançosos, mas ainda assim alertas.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Salem Nasser foi “A terceira lâmina”, de Zé Ramalho.


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