Uma tonelada de cocaína embaixo da cama e investigação: o que se sabe sobre o caso dos velejadores brasileiros presos injustamente


Brasileiros foram contratados para levar barco para Europa e acabaram sendo presos em Cabo Verde, em 2017. Rede ‘BBC’ encontrou inglês suspeito de ser o autor do crime, mas ele evitou comentar o caso. O Rich Harvest foi revistado pela polícia por seis horas antes de deixar o Brasil
Polícia Federal
Dois velejadores brasileiros foram presos injustamente após a polícia de Cabo Verde encontrar uma tonelada de cocaína escondida em um barco que eles conduziam. O caso aconteceu em 2017, mas ganhou nova repercussão na segunda-feira (30), após o suspeito de ser o mandante do crime ser localizado.
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A investigação foi revelada pela rede britânica BBC e envolve George Saul, também conhecido como “Fox”. Ele é um empresário inglês que seria o dono do barco onde a droga foi encontrada.
Os brasileiros Daniel Guerra e Rodrigo Dantas foram contratados por Fox para levar o barco do Brasil para a Europa. Os dois não receberiam salários, mas teriam todas as despesas pagas. Como ambos tinham o sonho de se tornarem capitães, aceitaram a proposta.
Daniel e Rodrigo disseram que o empresário inglês se apresentou como uma figura “sorridente e simpática”. Além disso, o pai de um dos velejadores descreveu Fox como alguém “acima de qualquer suspeita”.
No entanto, a viagem acabou se transformando em um pesadelo para os brasileiros, que foram presos e julgados. Enquanto isso, o suspeito inglês continua em liberdade.
Nesta reportagem você vai ver:
Como os brasileiros foram contratados?
Como foi a partida do Brasil?
Como as drogas foram encontradas?
O que aconteceu com os brasileiros?
Por onde anda o inglês suspeito?
O que mostram as investigações?
1. Como os brasileiros foram contratados?
Daniel Guerra no veleiro Rich Harvest em Salvador, em 2017
Arquivo Pessoal
Daniel e Rodrigo conheceram Fox por meio de um anúncio de emprego publicado na internet. O aviso dizia que proprietário de um iate britânico procurava ajudantes de convés para levar seu barco do Brasil para a Europa.
Apesar de não haver salário, o anúncio prometia que todas as despesas seriam pagas. Os brasileiros também acharam a proposta vantajosa porque tinham o sonho de se tornarem capitães de barcos, e a viagem traria experiência.
Os brasileiros entraram em contato com uma agência de recrutamento de velejadores e conheceram Fox. O inglês contou que tinha trazido o barco “Rich Harvest” para o Brasil para reformas.
Além de Daniel e Rodrigo, outras duas pessoas também foram contratadas para a operação: um outro brasileiro e um capitão francês.
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2. Como foi a partida do Brasil?
A tripulação partiu do Brasil no dia 4 de agosto de 2017. Fox não estava junto, pois havia retornado à Europa de avião dois dias antes.
Antes de zarpar, o barco havia passado por uma inspeção de rotina da polícia brasileira no porto de Natal. Com a ajuda de um cão farejador, os policiais passaram cerca de seis horas revistando a embarcação.
Para os brasileiros, a inspeção parecia apenas um procedimento padrão, similar ao que ocorre em aeroportos. Inclusive, nada foi encontrado.
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3. Como as drogas foram encontradas?
Pacotes de cocaína entre a droga apreendida pela polícia de Cabo Verde, escondida sob fundos falsos e tanques de água falsos no interior do Rich Harvest
Polícia de Cabo Verde
As drogas foram descobertas durante uma inspeção em Cabo Verde, quando o veleiro apresentou problemas no motor e precisou parar para reparos. O arquipélago fica próximo da costa da África e é conhecido pelas praias paradisíacas.
Inicialmente, os velejadores acreditaram que seria mais uma busca rotineira, já que o barco havia sido inspecionado anteriormente no Brasil sem que nada fosse encontrado.
No entanto, os policiais de Cabo Verde foram mais minuciosos e utilizaram equipamentos especiais para cortar o interior da embarcação.
As drogas foram encontradas escondidas em fundos falsos. A polícia informou que apreendeu cerca de 1,2 tonelada de cocaína, avaliada em mais de R$ 600 milhões pelo preço do mercado ilegal europeu.
Segundo Daniel, parte das drogas estava escondida em um fundo falso que ficava no quarto dele. “Não é brincadeira. É uma tonelada de cocaína embaixo da tua cama, né?”, afirmou.
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4. O que aconteceu com os brasileiros?
Como estavam a bordo da embarcação, Daniel e Rodrigo foram presos e acusados de tráfico internacional de drogas. Os dois foram julgados e condenados a 10 anos de prisão pela Justiça de Cabo Verde, em março de 2018.
Durante o julgamento, os velejadores argumentaram que eram inocentes e que não sabiam da existência da droga. Eles afirmaram ainda que não conheciam o dono do barco até o anúncio da vaga de emprego.
As condenações foram anuladas em 2019, e os brasileiros puderam voltar ao Brasil. No ano passado, a Justiça decidiu que os velejadores não haviam participado do crime e resolveu arquivar o processo.
Diante do acontecido, ambos os brasileiros abandonaram o sonho de se tornarem capitães de barcos. Daniel disse que a ambição dele em dar a volta ao mundo em um veleiro “ficaram trancadas em Cabo Verde”. Já Rodrigo afirmou que teve dificuldades para encontrar novos trabalhos como velejador.
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5. Por onde anda o inglês suspeito?
George Saul (ao centro) pediu aos velejadores – Daniel Guerra (esquerda) e Rodrigo Dantas (direita) – que o chamassem pelo apelido de “Fox”; ambos ficaram impressionados com sua simpatia
Arquivo Pessoal/Daniel Guerra
Em agosto de 2018, Fox foi preso na Itália. As autoridades brasileiras, que também investigavam o caso, pediram para que o suspeito fosse extraditado ao Brasil. No entanto, ele acabou sendo solto.
Atualmente, Fox tem 41 anos e mora no leste da Inglaterra. Ele é empresário e dono de uma empresa imobiliária. O inglês também faz parte de uma associação empresarial local.
Ao ser localizado pela BBC, o empresário disse que não é um traficante de drogas. Fox também se recusou a comentar o caso e o sofrimento causado aos velejadores.
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6. O que mostram as investigações?
A Polícia Federal acredita que as reformas feitas no barco no Brasil foram feitas para que compartimentos secretos fossem instalados na embarcação. As investigações apontam ainda que as drogas foram colocadas no barco antes de os velejadores brasileiros serem contratados.
O britânico Robert Delbos chegou a ser preso na Espanha e extraditado ao Brasil, como suspeito de ter coordenado a reforma do barco. Ele já havia cumprido pena de prisão no Reino Unido por tentar contrabandear maconha.
Em entrevista à BBC, Delbos afirmou que os traficantes de drogas possuem códigos de ética e que Fox os violou ao usar os velejadores como “mulas”, sem que eles soubessem.
O britânico acabou sendo absolvido após a Justiça decidir não haver elementos de que ele soubesse dos planos para tráfico de drogas.
Já em relação a Fox, um porta-voz da agência britânica de combate ao crime disse à BBC que a polícia brasileira ainda pode levar o caso adiante. No entanto, as autoridades do Brasil terão de pedir a extradição do inglês, que está em liberdade.
O Ministério da Justiça disse que não comenta casos individuais.
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