Professores, deixem os alunos usar ChatGPT – 02/10/2024 – Rodrigo Tavares
A semana passada, ao concluir a apresentação de uma nova pós-graduação, recebi uma dezena de perguntas dos matriculados. Todas sobre os métodos de avaliação; nenhuma sobre o conteúdo do curso. O ensino deixou de estar norteado para o aprendizado. Os exames finais, a nota ou o diploma passaram a ser a meta principal.
É o sintoma de um problema ainda maior: o ensino e a aprendizagem tornam-se dependentes da estruturação durkheiminiana das escolas, da mecanização dos currículos e da capacidade de memorização dos alunos.
Na HBO podemos assistir ao documentário “Koran by Heart”, que dá destaque a um menino de 10 anos que memorizou na perfeição as 600 páginas em árabe do Alcorão, na totalidade das suas 114 suras e 6236 versículos, conseguindo recitá-los à luz do tajweed (regras de entoação). Mas o garoto é natural do Tajiquistão. Não entende uma palavra de árabe e, como se dedicou só à memorização de sons forasteiros, também é semianalfabeto na sua própria língua. É um gênio do nada, um campeão do vazio.
A inteligência artificial deve invadir a sala de aula para dignificarmos o ensino. Os alunos devem compreender e dominar LLMs como GPT-4o, Falcon, Llama 3.2, Cohere, Gemini ou Claude 3.5 Sonnet para absorverem conhecimento fatual, acrítico e conceitual. Não precisamos de professores para ensinar a Wikipédia. Com IA, a maioria dos conteúdos pode ser absorvido pelos alunos de forma personalizada com tutoria inteligente, no conforto das suas casas, sem as delimitações de conhecimento e experiência que todos os professores humanamente têm. A IA poderá analisar os pontos fortes e fracos do desempenho de cada aluno em tempo real e criar planos de aulas individualizados com ferramentas de avaliação automática.
Se deixarmos que a IA responda pela componente funcional do conteúdo escolar, conseguiremos resgatar a natureza mais nobre de um professor: estimular o pensamento crítico, a sensibilidade e a capacidade analítica de um aluno. Também ensiná-lo a assimilar valores cívicos e a considerar as implicações éticas do conhecimento. Ou ainda incentivá-lo à criatividade, à inovação, ao pioneirismo e ao risco. Tudo isto em um quadro de humanismo e promoção das relações sociais e do trabalho em grupo, valorizando experiências pessoais e perspectivas locais. O papel do professor será cada vez o de curador e instigador, o que é uma função tão singular quanto a exercida pelos magistri das universidades medievais. Atraíam alunos interessados em debate e pensamento crítico.
É o professor que deve também suscitar discussões sobre as limitações da própria inteligência artificial. Questões como a privacidade dos dados dos alunos, o potencial de vieses algorítmicos e a necessidade de garantir um uso ético da IA devem ser abordados.
A IA também automatiza e simplifica uma série de tarefas administrativas atualmente sob a alçada dos educadores, como preparar currículos e syllabus, criar exames, produzir relatórios, fazer avaliações ou dar feedback. Centenas de ferramentas já estão disponíveis e poderão ser encontradas aqui e aqui. A própria OpenAI criou uma plataforma para ajudar os educadores. Com estas soluções, os professores poderão dedicar mais tempo aos alunos.
Há mais. Além de facilitar a vida de um docente, através de novos mecanismos de apresentação e visualização de informações (Canva, Visme, Microsoft Sway), a IA também é integradora, criando melhores condições para que pessoas com deficiência possam ser educadas de forma personalizada e digna. Novas ferramentas possibilitam que pessoas com deficiência visual consigam ouvir textos e pessoas com deficiência auditiva possam acompanhar textualmente as aulas ao vivo.
A maioria das escolas e das universidades está abrindo as comportas à inteligência artificial. Harvard disponibiliza recursos para os professores. Escolas do ensino fundamental em Cingapura já ensinam informática, robótica e IA. No Brasil, caberá ao poder público garantir o acesso equitativo e gradual a essas tecnologias, tanto por parte dos professores quanto dos alunos, e mesmo em contextos de escassez generalizada. Ferramentas de inteligência artificial não podem ser um privilégio da escola privada.
A IA não substituirá os professores, mas substituirá os professores que não dominam IA.
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