Que a direção do Corinthians merece passar por todos os perrengues que tem passado, e passará, é mais que merecido, é didático, é exemplar.
Nem é preciso listar aqui todos os seus malfeitos e os malfeitores, tão conhecidas são as barbaridades cometidas.
A Fiel torcida não tem nada a ver com isso.
Sócios do clube têm, conselheiros têm, os torcedores não têm.
Fidelino, por exemplo, aquele alvinegro que mora perto do estádio em Itaquera e jamais pôde ver lá um jogo desses para valer, porque falta dinheiro para comprar o ingresso, não tem.
Ele que assiste aos jogos graças ao gatonet do boteco que frequenta de pé descalço e calça puída, embora sempre com a camisa branca impecável —só com o distintivo e o número nas costas, o 8, escrito em cima Democracia Corinthiana.
Fidelino até promessa fez caso o Coringão ganhasse os três vitais pontos disputados com o Internacional pelo Campeonato Brasileiro.
Tinha certeza de que o time sairia da zona do rebaixamento e começaria um trajetória redentora em direção ao meio da tabela.
Quem sabe até no caminho beliscasse uma ou duas das copas que está disputando.
Mas pontuava: “Importante é o Brasileirão. Rebaixamento nunca mais!”.
Fidelino mal tinha sentado para ver o jogo quando Memphis lançou Yuri Alberto e o centroavante abriu o placar.
Em meio à gritaria no botequim, ele sussurrou ao amigo desconhecido ao lado: “Cedo demais, cedo demais”, praguejou.
Ninguém lhe deu a menor atenção, tamanha a comemoração.
Quando Cacá salvou com o peito e a coragem o gol de empate, ele ainda alertou mais uma vez: “Cedo demais, meus, filhos. Acreditem num velho corintiano”.
Não demorou muito para a bola desviar em Gustavo Henrique, trair o goleiro Hugo, e o 1 a 1 dar o ar de sua desgraça no telão do Palácio de Mármore, além de na telinha do bar emudecido.
Até o fim do primeiro tempo as coisas transcorreram equilibradas e Memphis ainda, caindo e no reflexo, mandou por cima uma bola que Yuri estava pronto para botar na rede. Paciência, acontece, o gringo não tinha como saber que o companheiro estava atrás dele. É holandês, tudo bem, nem por isso tem olho nas costas.
Veio o segundo tempo e aí o Timão tomou conta como nos tempos do Doutor Sócrates domava os rivais mais encardidos.
Yuri chutou bola na trave, embora devesse tê-la passado para Memphis livre na pequena área.
Memphis, por sinal, deu outro gol a Yuri, mas o VAR anulou por impedimento que antigamente seria considerado mesma linha.
Então veio o pênalti.
Fidelino é descrente, mas descrente também ajoelha.
Fechou os olhos e reafirmou a promessa: “Se o Coringão ganhar eu paro de fumar”.
Yuri bateu e Gagarin decretou: “A Terra é preta e branca!”.
A vitória não só parecia definitiva como 2 a 1 era pouco, não fossem a trave e o goleiro uruguaio deles, com nome de rocha em francês, ao menos na cabeça de Fidelino.
Aí não era cedo nem tarde, tamanha a superioridade alvinegra.
O futebol é cruel, o futebol é traiçoeiro, o futebol maltrata quem faz dele a imitação da vida.
Nos acréscimos, a bola desviou de novo em Gustavo Henrique, e o Inter empatou 2 a 2, para incredulidade de 45 mil fiéis no estádio, milhões pelo mundo afora e uns 15 no botequim.
Entre eles, Fidelino.
Que chorou.