Os prisioneiros de Nayib Bukele – 08/10/2024 – Latinoamérica21

Nayib Bukele, presidente de El Salvador, ganhou notoriedade não só por suas inovações no uso de redes sociais, mas também por sua abordagem controversa para combater o crime e silenciar a oposição. Ele se descreve como “CEO de El Salvador” e “o ditador mais cool do mundo”, mas também pode ser visto como “o carcereiro de El Salvador” pelo uso massivo e estratégico das prisões para consolidar seu poder.

Em 2022, Bukele enfrentava desafios como desemprego crescente, aumento da pobreza e migração irregular, além de taxas de homicídios ainda altas. Contudo, o presidente já havia herdado uma tendência de queda significativa nos índices de homicídios desde 2016, quando El Salvador tinha a reputação de ser o país mais violento do mundo. No início de seu governo, essa taxa continuava em declínio, em parte, devido a uma trégua mantida com as gangues criminosas.

Essa trégua, reconhecida pelo Departamento de Justiça dos EUA e amplamente documentada, foi rompida em 2022. Em vez de resultar em uma crise, essa ruptura foi transformada por Bukele em uma oportunidade para impulsionar sua narrativa de “guerra contra as gangues”. Ele passou a tratar esses grupos criminosos como inimigos públicos, usando a prisão como principal ferramenta para eliminá-los e aumentar sua popularidade.

Em março de 2022, o governo de Bukele decretou um estado de exceção, ainda vigente, que suspendeu garantias constitucionais. A medida permitiu prisões em massa, com mais de 80 mil pessoas detidas desde então. Este encarceramento em massa, com 70 mil prisões acima do previsto, tornou-se um pilar central de seu regime. A ação levou a uma redução significativa nos índices de homicídios e outros crimes, a um custo político e social elevado. Cerca de 10 mil pessoas inocentes foram presas como parte do que o governo chamou de “margem de erro”, demonstrando a arbitrariedade e severidade do sistema.

A eficácia da campanha de encarceramento em massa, em termos de segurança pública, não pode ser negada. No entanto, a principal crítica reside na instrumentalização das prisões para suprimir dissidência política e instaurar o medo.

A oposição política também foi alvo dessa repressão. Líderes de diferentes espectros, incluindo a esquerda, da qual Bukele emergiu, e a direita conservadora, como Ernesto Muyshondt, foram presos em processos questionáveis.

A estratégia de Bukele vai além da segurança pública, revelando-se um mecanismo para consolidar seu controle sobre a sociedade salvadorenha. Inspirado pela teoria de Michel Foucault, que via a prisão como uma “tecnologia de poder”, Bukele transformou o sistema penitenciário em um meio de disciplinar e controlar o comportamento dos cidadãos, exigindo lealdade incondicional ao governo.

A captura do sistema judiciário, com um Legislativo submisso e um Judiciário que age a serviço do Executivo, coloca em risco a democracia salvadorenha. As prisões não funcionam mais como mecanismos de reintegração social, mas como uma ferramenta política para perpetuar o poder de Bukele. Ao afirmar que sua população deve seguir seus passos “sem reclamar”, Bukele deixa claro que a obediência cega é a regra.

Essa abordagem de repressão política e uso das prisões como ferramenta de controle é um sinal de alerta para outros países da América Latina. Embora traga benefícios imediatos em termos de segurança, o custo em termos de liberdades democráticas e direitos humanos é alarmante, colocando em xeque o futuro político de El Salvador.

Texto publicado originalmente no Diálogo Político


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