Respostas sobre a revolução conservadora – 10/10/2024 – Renato Terra


Do dia pra noite, sem maiores explicações, uma esfinge se materializou na avenida Paulista. Seu corpo era metade macho alfa, metade gado. Uma voz gutural reverberou entre os prédios: “Sou a esfinge da extrema direita. Faz a pergunta correta e terás a resposta. Caso contrário, serás engolido pela mandíbula conservadora. Decifra-me ou te devoro”.

Alaôr Ribeiro Tiburi, professor de ciências sociais da USP, foi o primeiro a arriscar. “A política se mostrou incapaz de construir um Estado de bem-estar social que garantisse o mínimo de saúde, educação e emprego. O crescimento da extrema direita reflete uma descrença nesse sentido?”.

“Pergunta errada”, disse a esfinge. E engoliu Alaôr sem mastigar.

“Claro que não é isso”, apressou-se em dizer um militante. “Esfinge, nas últimas décadas vimos mudanças revolucionárias no tecido social brasileiro. O combate ao racismo, ao patriarcado e à homofobia ainda tem muito a percorrer, mas começamos um caminho que não tem mais volta. A mudança de hábitos, que visa construir um mundo com oportunidades iguais para todos, nunca acontece sem atritos. Os reacionários reagiram bruscamente dizendo que ‘o mundo tá muito chato’, ‘tudo é mimimi’. O crescimento da extrema direita é uma reação a essas conquistas?”. O militante foi comido.

A jornalista Bárbara Silvânia Lopes, que observava a cena, descreveu a ascensão evangélica, a teologia da prosperidade e a construção de valores individualistas. “Esfinge, a igreja evangélica chegou às periferias, criou um senso de comunidade, um espaço que a esquerda não ocupou. Isso tem…”. Bárbara foi jantada antes de elaborar a pergunta.

Mesmo com medo, um colunista da Folha resolveu arriscar. “Hoje eu vejo a juventude grudada na tela do celular em busca de likes imediatos. Tudo é urgente, a ansiedade impera. Só o ódio engaja. Será o fim da criação de uma utopia coletiva, chegamos à era do cada-um-por-si?”. A esfinge hesitou por alguns segundos antes de abocanhar a cabeça do colunista.

No final da tarde, um jovem vestindo um colete de poliéster desceu a rua sem perceber o que estava acontecendo e sem notar a esfinge. Com um celular na mão, interrompeu uma pessoa na rua com a seguinte pergunta: “Você acha certo prender o Gusttavo Lima e deixar o ladrão safado na cadeira de presidente?”. “Porra, claro que não”, respondeu a esfinge.


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