Tadeu Jungle: ‘IA nos ajudará a combater as fakes news’ – 26/10/2024 – Mônica Bergamo

Tadeu Jungle tem 68 anos e acabou de virar avô. Sua única filha, Íris, nome que significa “deusa que traz notícias do céu por meio de um arco”, de seu segundo casamento, agora é mãe de Maria, de quatro meses. E o vovô Tadeu está todo feliz com o novo predicado.

No meio da entrevista, na sala toda aberta, colorida e cheia de obras de arte e objetos de trabalho, em um apartamento no 15º andar de uma rua nos Jardins, em São Paulo, ele atende a uma chamada de vídeo por WhatsApp. É Íris, perguntando o que ele acha da ideia de ela levar a neném na mostra retrospectiva do trabalho do artista Carlito Carvalhosa, seu amigo, que morreu aos 60 anos, em 2021. Ele diz que sim, claro, e que depois explica melhor.

Tadeu é assim com quase todos os assuntos de que falamos em uma tarde quente na semana passada: otimista, empolgado, curioso. Parece o mesmo garoto que eu via na TV desde os anos 1980. E com quem tive aulas de vídeo, olha que coisa vintage, há mais tempo do que dá coragem de revelar. Elas eram ministradas na The Academia Brasileira de Vídeo, que ele fundou com um colega para ensinar outros jovens a entender melhor as maravilhas daquela tecnologia revolucionária.

“Eu sempre fico fascinado quando surge uma coisa nova. Lembro até hoje da primeira imagem que gravei em vídeo, uma torneira aberta, pingando água. Aí tinha que tirar a fita, rebobinar, e botar em outro aparelho para assistir na TV. Na mesma hora, era incrível!”, lembra ele, como se a coisa estivesse acontecendo ali, na nossa frente, pela primeira vez. “Quando vi o primeiro fax chegando, nossa! Parecia mágica. Como isso é possível?”.

Agora, está tomado pelas novidades que a inteligência artificial vai tornar possíveis. Já pensa em como usar no seu trabalho de criação e estuda como aproveitar melhor esse novo agente. Porque essa, diz ele, é a grande novidade. A inteligência artificial não é uma ferramenta, é um agente.

“A inteligência artificial é algo diferente de tudo o que a gente já criou em termos de tecnologia. Várias tecnologias mudaram o mundo, desde a eletricidade à imprensa. O cinema na internet, né? Mas a IA vem pensante, é um agente. Ela aprende e vai poder nos ensinar também”, afirma. “É um retrovisor, claro, mas que vai refletir de volta de maneira elaborada tudo que for aprendendo”, completa.

“Preciso aprender como isso funciona e ver que partidos eu posso tirar na minha arte para a minha criação. Estou alerta, estudando tudo. E me fascina, claro”, diz. Tadeu não teme a inteligência artificial, pelo contrário, confia que essa tecnologia pode nos auxiliar. “Depende de nós, ela vai fazer o que a gente pedir.”

“O maior perigo do nosso tempo são as fake news. E a inteligência artificial pode nos ajudar a detectá-las e combatê-las”, afirma. Agora, como a gente vai garantir que os seres humanos vão usar a inteligência artificial só para coisas boas? A resposta está em três palavras: “Educação, educação e educação”, diz Jungle.

Insolente, divertido, de fala rápida e pensamentos que vão por mil caminhos, Tadeu Jungle – sobrenome adaptado de Junges, seu sobrenome real, de origem alemã —sempre esteve, de uma maneira ou de outra, ligado a inovações. Ele já foi criador de programa de TV, apresentador de programa de música na TV Cultura que revelou bandas e músicos novos, hoje clássicos, como Titãs, Barão Vermelho, Ira!, Capital Inicial, Arrigo Barnabé.

Poeta visual e artista, já pixou muito muro pelas ruas de São Paulo. Mas, depois, novidadeiro que é, descobriu que podia passar sua mensagem de maneira muito mais elegante e efetiva, com poemas visuais adesivos que até hoje ele cria e cola em lugares inusitados, nos quais possivelmente não teria autorização para fazer.

“Você Está Aqui”, num quadradinho vermelho, é um dos mais conhecidos, que volta e meia a gente encontra colado em um lugar inesperado, que faz pensar e rir. O novo poema visual adesivo, que também vai batizar uma exposição de seus trabalhos, é mais profundo. Em um quadrado preto, lê-se “Tudo Pode”, em letras brancas, grandes. Embaixo, entre parênteses, em letras miudinhas, está escrito “perder-se”. “Tudo pode perder-se”, é a mensagem. Leia como seu coração mandar.

Também dirigiu um programa de entrevistas com Bruna Lombardi nos anos 1990, em que viajavam pelo mundo falando com celebridades de todas as áreas. Além de centenas de filmes publicitários e até um longa-metragem, “Amanhã Nunca Mais”, com Lázaro Ramos, em 2011. Mas tudo isso ficou para trás. “A publicidade ficou sem graça, foi divertido por muito tempo, ganhei dinheiro, trabalhei muito, mas cansei”, disse ele. “E longa-metragem de ficção demora muito, é um processo longo demais, entre você ter a ideia e começar a filmar leva anos, não é para mim”.

Falando assim parece que Jungle está naquele momento da vida em que alguns privilegiados podem decidir diminuir o ritmo de trabalho para passar mais tempo com a família, ou só à toa mesmo, coçando a barriga, sem mudar o estilo de vida. Mas, conversando com ele, parece o contrário. Ele está a mil, e olhando para a frente.

Na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2024, que acaba na próxima quarta (30), oito de seus filmes feitos em realidade virtual foram exibidos. Foi o primeiro ano em que a Mostra de São Paulo teve filmes em realidade virtual, prática que já acontece em outros festivais de cinema do mundo, principalmente o de Veneza, pioneiro no assunto.

Para assisti-los, o espectador precisa botar uns óculos daqueles estilo videogame, e, apesar de o filme ser exibido ao mesmo tempo para quem estiver na sala de cinema, cada espectador tem uma experiência única.

“A experiência de ver um filme de realidade virtual é individual, o óculos VR funciona como se fosse o seu ponto de vista, se você mexer o rosto e o olhar, vê o que estiver em cima, em baixo, de um lado, de outro. Pode fixar o olhar em uma personagem em movimento e acompanhá-la como se estivesse dentro daquele ambiente”, ensina o diretor.

Esses filmes são captados por câmeras especiais, que filmam 360 graus, e, depois, projetados também por aparelhos diferentes. É uma mídia ainda em fase de experimentação, mas adivinha quem já domina a tecnologia? Jungle, claro, que fez seu primeiro documentário em realidade virtual em 2016 em Mariana, cidade histórica de Minas Gerais que foi praticamente destruída pelo rompimento de uma barragem que continha os rejeitos da mineração da empresa Samarco, em novembro de 2015.

“Eu fui pra Mariana porque tudo que eu via era marrom, marrom, marrom, tudo marrom, o jornal marrom, as fotos marrom. Aquilo estava perdendo a força, o impacto daquelas imagens já não era suficiente. E aí o jornal dizia ‘morreu mais um, morreu mais dois’, e tava ficando normal”, lembra o cineasta. “Então decidi ir pra lá com o equipamento de RV e uma equipe pequena. E a gente ficou chocado com o que viu, o pé afundava na lama até o joelho, podia ter gente morta ali embaixo. Foi uma das coisas mais intensas que vivi na vida em termos de filmagens”.

O documentário, chamado “Rio de Lama”, é uma experiência intensa mesmo para quem só assiste. O filme, aliás, pode ser visto no YouTube, plataforma digital que também está apostando na realidade virtual. Basta procurar pelo título “Rio de Lama”, vão aparecer algumas opções, clique na que tiver 4K ao lado do título e assista no celular, para conseguir mover a tela e entender como funciona a tal realidade virtual.

Depois dele veio “Fogo na Floresta”, de 2017, sobre uma aldeia indígena que corria risco de ser extinta por causa das queimadas nas terras vizinhas. Em seguida, Tadeu dirigiu “Ocupação Mauá”, de 2018, que mostrava como era o dia a dia de uma comunidade que morava em um edifício abandonado, em São Paulo.

Então o cineasta fez “Fazedores de Floresta”, em 2020, uma viagem em busca da água no Brasil central. “Bem-vindes”, do mesmo ano, é uma uma ficção sobre a inclusão de pessoas com Síndrome de Down no mercado de trabalho. “Eu Sou Você”, do ano seguinte, trata do assédio sexual em empresas.

“Maravilhas Naturais do Brasil”, de 2022, mostra parques nacionais do nosso país. E “Cativeiro”, lançado este ano, é uma ficção sobre o tráfico de animais silvestres no Brasil, em que o espectador vê a história do ponto de vista do bicho preso.

A produção em realidade virtual de Tadeu Jungle tem uma coisa em comum: todos os filmes defendem uma causa. Pergunto se isso pode ser influência de sua mulher, a cineasta Estela Renner, uma das sócias da produtora Maria Farinha, que tem a missão de promover mudanças sociais. Renner tem filmes sobre os primeiros anos da vida de um bebê, a epidemia de obesidade infantil e, na TV Globo, criou e dirigiu a série “Jovens Inventores”.

“Nunca tinha pensado nisso”, diz Tadeu. “Mas acho que sim, a proximidade com a Estela me fez olhar um pouco mais claramente ou mais de perto essa questão do uso do audiovisual para a transformação”. Estela é a quarta mulher de Jungle, “e com quem eu vou passar o resto da vida”, ele diz. Os dois se conheceram trabalhando, ela era uma jovem diretora em início de carreira, e ele um dono de produtora de filmes publicitários e autorais.

“Mas nós dois estávamos envolvidos com outras pessoas na época, só começamos a namorar anos depois, quando nos reencontramos, solteiros, também no trabalho”. Estela tem três filhos, e quando ela e Tadeu decidiram morar juntos, de repente ele tinha uma família grande. “Foi uma farra”, ele conta, sempre animado. Hoje em dia os meninos estudam nos Estados Unidos, e Estela vai e volta com frequência para ver os filhos.

No apartamento em que conversamos, mora também Faísca, uma Yorkshire Terrier de 12 anos que ficou cega. “Mas continua muito carinhosa, é uma companheirona”, diz Tadeu, quando ela se aproxima e pede colo. Ele passa o resto da entrevista gesticulando com uma mão só, enquanto, com a outra, acaricia o pelo da cachorra.

“Eu me sinto o mesmo menino da ECA dos anos 1970, que acreditava que ia mudar o mundo com uma câmera de vídeo e um poema adesivo”, revela Jungle, no fim da conversa. Pelo que eu vi naquela tarde, e durante todos os anos em que o trabalho dele surge em todos os canais, talvez ele seja.



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