O mundo de Howard Becker – 29/10/2024 – Deirdre Nansen McCloskey
O sociólogo norte-americano Howard Becker morreu no ano passado, aos 95 anos. Eu o conhecia um pouco, por emails mutuamente apreciativos. Ele gostou do meu livro sobre a escrita, da editora da Universidade de Chicago, e eu gostei do livro dele. Nós dois recomendamos um estilo como o de outro herói nosso, George Orwell: sem bobagens.
Becker cresceu como um judeu secular em Chicago, foi para a Universidade de Chicago e se tornou líder mundial em sociologia qualitativa. Sem bobagens estatísticas. Quando, na meia-idade, recebeu uma bolsa para passar um ano no Brasil, aprendeu o suficiente para dar palestras em português.
Um motivo maior para admirar Howie, porém, é sua visão humana da sociedade. Seu quase homônimo e sem parentesco, o economista Gary Becker (1930-2014), viu a sociedade como uma coleção de idiotas americanos desumanos, cada qual concentrado em “maximizar [sua] utilidade”. Isso dificilmente é uma sociedade. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) viu a sociedade como “campos” em que franceses esnobes, orgulhosamente animados, também idiotas, estabeleceram sua superioridade, por assim dizer, sabendo quem compôs “O Cravo Bem Temperado”. É uma sociedade de agressão hierárquica.
A visão de Howie era o que ele chamava de “mundo”.
“A metáfora de ‘mundo’ —que realmente não parece verdadeira sobre a metáfora de ‘campo’— contém pessoas, todo tipo de pessoas, que estão fazendo algo que exige que prestem atenção umas nas outras, levem em consideração conscientemente a existência das outras e moldem o que elas fazem à luz do que as outras fazem. Nesse mundo, as pessoas […] desenvolvem suas linhas de atividade gradualmente, vendo como as outras reagem ao que fazem e ajustando o que farão a seguir, de uma maneira que combine com o que as outras fizeram e provavelmente farão a seguir. […] A atividade coletiva resultante é algo que talvez ninguém quisesse, mas é o melhor que todas poderiam tirar dessa situação e, portanto, com o que todas elas, de fato, concordaram.”
É a verdadeira sociedade liberal, imaginada por Adam Smith, John Stuart Mill e Friedrich Hayek. A improvisação é assim, diz o trompetista Wynton Marsalis. Não causa surpresa saber que Becker foi desde os 14 anos um pianista de jazz em meio período, mas pago, e que seu primeiro livro foi sobre jazzistas. A improvisação, que com sua ordem espontânea gera um “mundo” howie-beckeriano, é semelhante ao resultado liberal prometido por economistas humanistas e detestado por estatistas, alguns dos quais pensam que são humanos, mas não são.
E também é o liberalismo do melhor do judaísmo secular norte-americano de Becker, velhos judeus contando piadas (www.oldjewstellingjokes.com). É divertido, acadêmico, autodepreciativo, tolerante —indignado contra a injustiça, Abel Meerapol compôs “Strange Fruit” para Billie Holiday terminar seus shows disposta a marchar pacificamente para derrubar o racismo e a ser espancada pela polícia.
Lula e Bolsonaro, Harris e Trump, e especialmente seus apoiadores acríticos, precisam de Howie.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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