A ‘tradwife’ não abre mão do trabalho, apenas trabalha de graça – 30/10/2024 – Flavia Boggio
Todos os dias, Lúcia acorda às quatro da manhã, veste seu vestido vintage, coloca as roupas do marido para lavar e troca as toalhas do banheiro. Em seguida, desce até a cozinha, pega uma massa que fermentou por 20 horas e coloca no forno para o café da manhã.
Ela acorda os filhos, os alimenta e os despacha para a escola. Quando o marido desce, é recebido pela esposa com um sorriso. Ele morde uma fatia do pão, dá um beijo na esposa e sai apressado para prover o sustento da família.
Lúcia posta a imagem que gravou de sua manhã no Instagram, onde tem mais de 100 mil seguidores, com a frase: “Uma mulher que escolhe ficar em casa servindo sua família não está desperdiçando seu potencial”.
Lúcia faz parte do movimento “tradwife”, ou “esposa tradicional”, que cresce nas redes sociais ao exaltar o estilo de vida de mulheres que vivem exclusivamente para cuidar da família.
Muitas se orgulham de ter abandonado carreiras bem-sucedidas. Algumas até buscam viver como no início do século, moendo seu próprio trigo para fazer pão e parindo um bebê atrás do outro sem anestesia, por considerarem isso um desejo divino.
Cada vez mais mulheres têm a liberdade de fazer suas próprias escolhas, inclusive a de largar tudo para se dedicar à família. Devemos isso ao feminismo. O problema com as “tradwives” da internet é o tom moralista, com insinuações de que cuidar da família as torna mais femininas e que um trabalho não compensa o tempo longe dos filhos.
Elas esquecem que a maioria de nós trabalha porque o marido não basta —ou não existe— para sustentar a família. Elas também não percebem que não abriram mão do trabalho. Só trocaram por um não remunerado.
Esposas que vivem em função de seus maridos podem achar que fazem uma escolha. Mas, em uma relação de dependência, o único livre para escolher é o provedor, que pode sair do casamento quando bem entender. Se seguir o modelo do casamento tradicional, o “tradhusband” costuma ser abusivo, ter relações extraconjugais e abandonar a esposa em caso de velhice ou doença. No Brasil, 70% das mulheres com câncer de mama são abandonadas por seus companheiros.
A “tradwife” se verá sozinha, trabalhando mais de oito horas por dia para sustentar os filhos, se virando como pode. Aí sim ela poderá dizer que é uma verdadeira mulher tradicional brasileira.
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