O sossego de quem está extinto acabou – 03/11/2024 – Ruy Castro
Se você estiver extinto há, digamos 5.600 anos, e se sente feliz e realizado no seu nicho pré-histórico, sem responsabilidades ou atribulações, esqueça. O sossego acabou. Veja o caso do mamute. Ele foi um figurão em seu tempo. Mas, com o fim da Idade do Gelo, que tornou o seu pelo impróprio para a mudança de estação, e caçado a pauladas pelo Homo sapiens, extinguiu-se. A partir daí, por seus cinco metros de altura e 20 toneladas de peso, só continuou lembrado para definir algo enorme, de “proporções mamutianas”. Pois, de repente, há uma forte possibilidade de que ele seja “desextinto” —trazido de volta à vida e, claro, sem ser consultado.
A coisa teria começado há alguns anos na Sibéria, quando foram encontrados restos congelados de mamutes em ótimo estado, contendo inclusive sangue líquido. Tais amostras foram para os laboratórios e, nas garras da clonagem, da bioinformática e da biologia sintética, o ex-mamute não teve a menor chance. Segundo dizem, até 2028 teremos os primeiros bebês-mamutes, dando início a uma nova linhagem.
A ciência não está interessada no mamute por seus possíveis dotes intelectuais ou formidáveis presas. Os cientistas praticam a ciência pela ciência. Uma descoberta leva a outra, esta a mais uma, e nem eles sabem onde vai parar. Se o mamute não quiser viver num mundo de Trumps e Bolsonaros, isso será com ele. Outro problema é que estamos vivendo uma nova era de degelo, que lhe fará mal à saúde.
Em tese, não há nada errado com a desextinção. Espécies injustamente extintas no passado, como o íbis, o dodô, o lobo-da-Tasmânia, o tigre-de-dentes-de-sabre, o pterodáctilo e os vários dinossauros, poderiam ser trazidas de volta, desde que lhes garantíssemos um habitat saudável e uma Humanidade menos cretina. Mas isso é uma utopia.
E, pensando bem, para quê? O mundo já está cheio de dinossauros, um dos quais eu —incapazes de acompanhar a tecnologia e sofrendo a hostilidade de um mundo movido a senhas, tokens, browsers, capacitação, portabilidade, planilha de contingência, alienação fiduciária e, o pior de tudo, bancários de cara amarrada.
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