Inimigo comum: por que Israel e árabes-americanos não quiseram Kamala
A eleição presidencial norte-americana de 2024 trouxe consigo uma racha histórica entre a comunidade árabe-americana e o Partido Democrata, o que acabou se somando à lista de fatores que levaram a derrota de Kamala Harris.
Segundo um levantamento do Instituto Árabe-Americano (AAI, na sigla em inglês), o grupo étnico manteve um apoio estável – e de vantagem – aos democratas pelos últimos 30 anos. No entanto, a guerra em Gaza com o Hamas e o conflito com o Hezbollah no Líbano, somados ao tratamento dado pelo governo Biden a Israel, desgastou essa relação e dividiu os árabes-americanos.
Em uma pesquisa feita pelo AAI em 2 de outubro – apenas três dias antes das eleições – 42% dos árabes-americanos afirmaram que votariam em Donald Trump, enquanto 41% declarou voto em Kamala Harris, atual vice de Biden.
Na realidade, a democrata perdeu espaço em dois dos 10 estados com as maiores populações de muçulmanos do país, Michigan e Pensilvânia – estados que foram decisivos na vitória do bilionário Trump.
“A extensão do ressentimento sobre o apoio total de Biden a Israel foi tal que muitos estavam dispostos a esquecer o sórdido histórico de islamofobia e retórica anti-imigrante de Trump, sem mencionar seus problemas legais”, analisa, em artigo, o professor William Lafi Youmans, especialista em política do Oriente Médio e estudos árabe-americanos.
Para Lafi Youmans, os esforços de Kamala Harris para reconquistar a confiança dos árabes-americano não foram suficientes. “Até mesmo o discurso superficial de Trump alegando que queria ver paz na região [Oriente Médio] pareceu mais genuíno do que o de Harris, que fazia parte da administração armando e apoiando o genocídio.”
Trump e Israel
A notícia de que Trump foi o candidato eleito na disputa presidencial norte-americana foi bem recebida em Israel, que, após sofrer ameaça de embargo de armas, também já dava sinais de desgaste com o atual governo dos EUA.
O primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, conversou por telefone com o presidente norte-americano eleito, Donald Trump. Ele, inclusive, teria sido um dos primeiros a ligar para o republicano. Netanyahu ainda demonstrou, publicamente, a sua satisfação com a vitória republicana.
“Parabéns pelo maior retorno da história! Seu retorno histórico à Casa Branca oferece um novo começo para a América e um poderoso compromisso com a grande aliança entre Israel e a América. Esta é uma grande vitória!”, escreveu o primeiro ministro na rede social X. Netanyahu finalizou a “carta” com os dizeres: “Na verdadeira amizade, seu, Benjamin e Sara Netanyahu [esposa do primeiro-ministro israelense]”.
“Essa rejeição à Kamala Harris por árabes-americanos e Israel reflete o desgaste do governo Biden na região, em que tanto Israel quanto países árabes criticaram a postura de Biden sobre segurança e a política externa americana no Oriente Médio”, analisa Robson Cardoch Valdez, doutor em Relações Internacionais. “Em resumo, o desgaste do governo Biden funcionou como um ‘inimigo em comum’, consolidando a resistência à Harris entre árabes-americanos e setores pró-Israel”, concluiu.
O que muda no Oriente Médio com Trump no poder?
O ex-secretário do Oriente Médio do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Ghassan Rubeiz, afirma que esperar que um novo presidente dos EUA altere a abordagem do país em relação ao Oriente Médio é “irrealista, frustrante e desmoralizante”, mesmo que Trump tenha afirmado que irá “por fim a guerras“.
“É improvável que o novo governo mude, substancialmente, a política dos EUA para o Oriente Médio. Washington e Tel Aviv têm interesses mútuos, que vão além dos laços dos EUA com qualquer país árabe”, argumenta Rubeiz. Para ele, nem Harris nem Trump seriam capazes de abandonar a política americana de apoio “inflexível” a Israel.
“Espera-se que ele [Donald Trump] permita que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, continue a guerra em Gaza, Líbano e possivelmente no Irã até a ‘vitória’ sobre o Hamas, o Hezbollah e a Guarda Revolucionária Islâmica. No entanto, Netanyahu e Trump são egocêntricos demais para manter um relacionamento político estável”, avalia.
O curso da guerra, afirma o ex-secretário, e os desenvolvimentos políticos subsequentes dependerão, principalmente, de como o Hamas, o Hezbollah e o Irã se apresentarão no campo de batalha.
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