A nova direita não está de passagem – 12/11/2024 – Wilson Gomes

Na semana passada, caiu enfim a ficha sobre o verdadeiro significado de 2016, ano em que um maluco de cabelo laranja, desbocado, politicamente incorreto e radical de direita venceu a eleição presidencial na maior democracia das Américas.

Esse evento foi crucial para que, dois anos depois, outro candidato igualmente esquisito, desbocado e direitista radical triunfasse na segunda maior democracia do continente. Foi um choque que, por anos, alimentou a convicção otimista de que, dado que esse fenômeno parecia incompatível com o nível de civilidade e cultura democrática progressista arduamente conquistado após tantos desafios no século 20, só poderia ser uma exceção trágica —um desvario do qual os eleitores se recuperariam, assim que caíssem em si.

Agora, porém, surge a prova incontestável de que estávamos enganados. Em três eleições presidenciais consecutivas, os americanos votaram divididos, com metade dos eleitores escolhendo reiteradamente essa proposta política que nos causa perplexidade. Alguém duvida de que o mesmo padrão se repetirá no Brasil pela terceira vez, embora ainda não saibamos qual lado conseguirá os 3% a mais que definirão a vitória? Já havia cantado essa pedra diante da eleição de Milei, agora temos as certidões: a extrema direita veio para ficar.

Diante disso, vale examinar o que tanto nos incomoda na posição política que está se tornando hegemônica em nossos países. É fácil recorrermos à ideia de que a democracia está em risco quando o governo cai nas mãos de pessoas que parecem ignorar direitos e liberdades fundamentais para os progressistas —direitos humanos e civis, liberdades sexuais e artísticas, proteções para minorias e para o meio ambiente, além do valor da tolerância — enquanto priorizam outras liberdades e outros direitos.

Quando o poder é exercido por líderes que demonstram pouco ou nenhum escrúpulo republicano ao tentar passar por cima de instituições ou até mesmo dos resultados eleitorais, quando estes lhes parecem obstáculos aos próprios apetites. Certo, mas esse é apenas um aspecto a considerar. Aparentemente, a maioria dos eleitores não tem votado nesses candidatos para destruir a democracia, eliminar minorias, fechar o Congresso e o Judiciário ou violar direitos e liberdades.

Será que alguém realmente acredita que metade dos americanos e dos brasileiros é efetivamente fascista, embora em quase dez anos desse ciclo de poder não tenhamos um único movimento fascista nas ruas? Pensando friamente, dá para crer na teoria de que os eleitores dessa nova direita sejam irrecuperáveis para a democracia, um “cesto de deploráveis”, republicanamente imprestáveis?

A questão é mais complexa: é verdade que há apoiadores de ditaduras nesse grupo, mas há também muitos que não veem a democracia ameaçada, não a consideram prioridade ou nem sequer entendem o que significa dizer que a democracia está à beira do abismo por causa do seu voto.

Na última pesquisa CNN antes da eleição americana, perguntou-se quais eram os temas que eleitores consideravam mais importantes e influiriam na sua decisão de voto. Os eleitores de Harris estavam preocupados com a democracia (80%) e o aborto (74%). Os eleitores de Trump estavam preocupados com imigração (90%), com a economia (80%) e com política externa (57%), enquanto apenas 18% mencionaram a democracia.

Ora, se uma pessoa não considera a democracia o principal dos seus problemas e nem sequer acha que a democracia está ameaçada pelo sujeito em quem pretende votar, gritar “por favor, salvem a democracia” não terá o menor efeito. Tampouco se pode alegar que alguém tenha votado para liquidar com ela.

Ah, mas Trump é um extremista, e o que dizer das pessoas que votam em radicais? Na mesma pesquisa, 98% dos eleitores de Trump consideravam Harris a verdadeira extremista, enquanto 97% dos democratas viam Trump da mesma forma. Ou seja, se gritarmos “fujam dos extremistas”, o resultado será que ninguém ficará no recinto, nem mesmo os trumpistas.

O que podemos concluir? Primeiro, que o voto na nova direita não foi acidental, mas é uma tendência consolidada no eleitorado. O imperativo de “não normalizar” essas candidaturas soa ingênuo, diante do fato de que metade do eleitorado prefere essas opções a qualquer alternativa. Segundo, se deixarmos de enfocar os candidatos e olharmos para os eleitores, perceberemos que a maioria não acredita estar votando contra a democracia, mas na melhor proposta disponível para o assunto que lhe interessa. É nisso que precisamos prestar atenção.


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