Presidência em Portugal: quem é Almirante Gouveia e Melo – 11/12/2024 – Rodrigo Tavares

O último político português que alcançou altas taxas de popularidade foi Marcelo Rebelo de Sousa, o atual Presidente da República, eleito em 2016 e reeleito em 2021. Mas terminará o seu mandato com índices de aprovação dilmescos depois de um caso de tráfico de influências no seio da sua família ter sido discutido em praça pública, por quase um ano, com o mesmo ardor que a Guerra da Ucrânia.

Para o suceder, há quase 20 pré-candidatos em luta de cotovelos para as eleições de janeiro de 2026. O favorito, à luz das pesquisas, é o almirante Gouveia e Melo, atual chefe do Estado-Maior da Armada. Está quase 10 pontos à frente do segundo colocado, um ex-primeiro-ministro. O militar era um desconhecido com farda até ser guinchado para o comando da task-force da vacinação na pandemia da Covid-19, quando se notabilizou pela eficiência logística e virou celebridade.

O seu cabelo prateado e os olhos azuis semicerrados decoram um corpo com pose bonapartista de quase 2 metros de altura. Tal como os primeiros papas embranqueceram Jesus Cristo e os primeiros republicanos embelezaram Tiradentes, os primeiros vacinados ergueram Gouveia e Melo a herói nacional. Ele gostou tanto da atenção que se esqueceu que era o rosto de uma máquina logística e começou a preparar a logística de uma máquina presidencial.

Ele sabe que o contexto o favorece. Os portugueses são o povo europeu que menos confia em políticos, em partidos políticos e no Parlamento (dados Inquérito Social Europeu). O desdém está disseminado na literatura e no comentariado diário na mídia.

Escreveu Eça de Queiroz que o “corpo legislativo vem apenas a ser uma assembleia muda, sonolenta, ignorante, abanando com a cabeça que sim.” Ainda que a vasta maioria se mantenha leal a um governo democrático, 47% dos portugueses admitem apoiar “um líder forte”, mesmo sem recurso a um ato eleitoral (dados ISCSP, 2024). Nas últimas eleições parlamentares, os eleitores decidiram projetar o seu crônico ressentimento votando em um partido de extrema direita que chegou ao patamar de terceira força partidária. Mas a promoção só serviu para expor a mediocridade das suas posições políticas e o humilhante despreparo para o poder. O Almirante, sustentando-se no ideário desse partido radical, também gosta de bestializar os políticos, mas é visto pelos portugueses como uma alternativa mais sóbria e segura.

Ele também sabe que os seus compatriotas têm uma concepção monárquica do poder; gostam de autoridade, de hierarquia, de Estado e de seguidismo. Com níveis de autoestima proporcionais à sua literacia e escolaridade, ao longo do último século têm caminhado na trilha aberta por ditadores, clérigos, patriarcas, comendadores e por talentos que não deram ao país “nem uma obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma ideia” (sim, Eça). Ficamos confortáveis quando nos autodesresponsabilizamos. Tanto no Brasil quanto em Portugal, as Forças Armadas são a instituição mais confiável (dados Aximage, 2024).

Nascido em Moçambique em 1960, o Almirante fugiu com os pais para o Brasil após a independência do país africano. Viveu entre 1975 e 1979 em São Paulo, quando um militar ocupava a Presidência da República. Em entrevista à Folha em 2022, disse que tem “uma relação muito pessoal com o Brasil”. Resta saber com que Brasil.


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