Mudar a política econômica!, por Paulo Kliass
Mudar a política econômica!
por Paulo Kliass
Faltam 21 meses para o primeiro turno das próximas eleições presidenciais. Isso significa que já se passaram 27 meses desde que Lula chegou à frente de Bolsonaro no pleito de 2022. Os tempos da política obedecem a critérios e sensações que nem sempre correspondem ao que está registrado nos calendários oficiais. Mas há um fato inescapável que deveria chamar a atenção de todos os que estamos preocupados com o afastamento que o governo vem promovendo em relação às suas promessas de campanha. A realidade nua e crua é que já se foi mais da metade do terceiro mandato de Lula.
As pesquisas de opinião são quase unânimes em apontar grandes dificuldades enfrentadas pelo governo em termos de sua popularidade e de seu nível de aprovação pela maioria da população. É bem verdade que ainda estamos muito distantes da próxima disputa presidencial. No entanto, os cenários apresentados pelas enquetes apontam que a eventual vitória de Lula 4.0 não vai ser um “passeio”, como se diz no linguajar da política. Existem uma série de dúvidas e incertezas que rondam o quadro, tornando ainda mais difícil a busca de respostas. Afinal, Lula será mesmo candidato? Bolsonaro permanecerá inelegível até o momento de definição das candidaturas oficialmente? Haverá espaço político e eleitoral para a eterna tentativa de uma “terceira via”?
Apesar de tais incógnitas, o calendário não fica parado com o intuito de aguardar tais definições. E os elementos associados à percepção de que a maioria da população não está “compreendendo” ou “recebendo” todo o esforço realizado pelo terceiro mandato começa a ganhar adeptos na Esplanada. As recentes mudanças na equipe de comunicação parecem apontar para esse caminho equivocado. De acordo com tal interpretação, o problema estaria na incompetência profissional dos responsáveis por comunicar. E não na esfera da política, uma vez que o governo não tem muitas novidades positivas para oferecer e, assim, obter uma reversão das atuais percepções negativas a seu respeito.
“A economia vai bem, mas o povo vai mal”
Ora, mas então, Paulo, você está ignorando os “resultados excelentes” que as políticas públicas estão proporcionando para a maioria da população? Veja, em especial, os números da economia. O Brasil está bombando! Pois é, esta é a primeira contradição a ser enfrentada. É verdade que os dados mais recentes relativos ao desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) estão superiores àquilo que era aguardado pelo próprio governo e pelos agentes do financismo. Além disso, as estatísticas oficiais que o IBGE coleta a respeito dos níveis de desemprego e de ocupação da força de trabalho também apontam para melhorias positivas. Ora, então como se explica a persistência de dificuldades em melhorar os indicadores de percepção da maioria da população a respeito do próprio governo?
Uma forma de abordar o tema é recorrer aos ensinamentos da saudosa mestra de todos nós, a economista e professora Maria da Conceição Tavares. Ela tem sido muito citada, quando foi atribuída a ela a ideia de que o povo não come PIB. A importante reflexão serve também para explicar o desconforto dos responsáveis pela economia à época da ditadura militar que se instalou depois do golpe de 1964. Em plena vigência do milagre econômico, a resposta popular não era lá muito satisfatória. A ponto de o Presidente General Medici se sair com a famosa “a economia vai bem, mas o povo vai mal”, uma espécie de sincericídio, ao reconhecer o fracasso das propostas capitaneadas pelo Ministro Delfim Netto a partir de 1970.
De qualquer forma, o importante a reter é a frase de Conceição Tavares, em entrevista concedida em março de 2014 e ainda não submetida ao contexto do estelionato eleitoral que significou a nomeação de Joaquim Levy no ano seguinte para o Ministério da Fazenda no começo do segundo mandato de Dilma Roussef. Ela então afirmou que
(…) “Ninguém come PIB, come alimentos.” (…)
A comparação com a situação atual da economia brasileira pode se revelar bastante útil para efeitos de análise. Ao que tudo indica, não basta o PIB registrar possivelmente um crescimento superior a 3% para o ano passado, quando os números oficiais forem oficialmente divulgados pelo IBGE. Por mais que tal performance seja superior às estimativas iniciais do governo, do Banco Central (BC) e do povo do financismo, o fato é que ela está muito aquém das reais necessidades do País, depois de 6 anos de destruição e desmonte que foram representados pelo período Temer e Bolsonaro.
A sensação de melhoria não chegou ao bolso do povo.
Com relação aos índices de desemprego, a melhoria efetivamente verificada esconde, por trás da frieza dos números, algumas questões metodológicas da apuração do fenômeno e da verificação da capacidade real dos rendimentos recebidos. As informações divulgadas pela mais recente PNAD Contínua do IBGE revelam que estaríamos sob a vigência da menor taxa de desocupação da série histórica. Em novembro de 2024 ela foi de 6,1% do total da População Economicamente Ativa (PEA), inferior inclusive aos 6,3% verificados no final de 2013.
Desemprego – Taxa de desemprego (2012/24)
Fonte: IBGE/Poder 360
Além disso, as informações relativas ao rendimento real médio dos trabalhadores ocupados também demonstram uma melhoria. Ainda que não tenha sido atingido o patamar recorde de 2020, o fato é que os dados expressam uma maior remuneração de quem tem algum posto de trabalho assalariado.
Rendimento real médio dos trabalhadores ocupados
(2012-2024)
Fonte: IBGE
Com relação ao fenômeno do desemprego, permanece desde sempre uma questão ainda não solucionada pelos institutos oficiais. Trata-se de um grave problema metodológico, que tende a subestimar a efetiva taxa de desocupação existente no interior da força de trabalho. Quando o pesquisador indaga se a pessoa procurou emprego ao longo dos últimos 30 dias, a resposta “não” pode esconder um desempregado que desistiu de procurar um posto de trabalho no período apontado. Seja pelo fato de que buscar emprego custa dinheiro, seja pelo fenômeno que as pesquisas chamam de “desalento” – a pessoa desiste de buscar uma vaga depois de tantas tentativas infrutíferas anteriores. Esta é uma das razões pelas quais as pesquisas de desemprego realizadas pelo DIEESE, por exemplo, exibem índices bem mais elevados do que os oficiais.
Infelizmente, por problemas de falta de financiamento, as pesquisas feitas pelo órgão mantido pelo movimento sindical foram descontinuadas e apenas a enquete realizada no Distrito Federal permanece atualizada. Assim, os números mais recentes mostram um desemprego de 15% na região de Brasília, número bem superior aos levantamentos do IBGE.
Abandonar a armadilha da austeridade fiscal.
No que se refere à evolução dos rendimentos, há também outros fatores que merecem ser levados em consideração para entender o aparente paradoxo da baixa percepção por parte da população. Ocorre que as médias quase sempre ocultam a disparidade dos valores internos dos conjuntos apurados. Assim, por exemplo, o Brasil vive um processo significativo de aprofundamento da informalidade e da precariedade no chamado “mercado de trabalho”. As reformas trabalhistas promovidas durante os governos Temer e Bolsonaro não foram revertidas e as pessoas seguem trabalhando em jornadas extenuantes para auferir remuneração muitas vezes até inferior a um salário mínimo. O recente movimento contra a escala 6×1, por exemplo, reflete bem essa situação.
As análises mais recentes a respeito da persistência da inflação também devem ser observadas com cautela. O argumento sempre levantado pela turma da ortodoxia e pelo financismo é de que a inflação superou a meta oficial e isso deveria servir como argumento para aumentar ainda mais a taxa de juros. Ocorre que os principais fatores da alta de preços mais recente não podem ser equacionados por meio da elevação da SELIC, pois não têm nada a ver com uma suposta inflação de demanda. O economista David Deccache explica bem o mecanismo e aponta para necessidade de outras medidas para resolver a questão. Seria o caso, por exemplo, de enterrar de vez a política de preços da Petrobrás, que insiste em atrelar os preços dos derivados internos às flutuações do óleo bruto no mercado internacional. Ou ainda promover a volta da política de estoques reguladores para lidar com choques de oferta de alimentos.
Por outro lado, o fato é que a alta de preços tem prejudicado muito mais a capacidade de consumo e de sobrevivência da população de menor renda. E são estes setores justamente os mais atingidos pela política de austeridade fiscal até o momento. Estes são os exemplos da redução paulatina do abono salarial, as maiores dificuldades de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e redução do ritmo de valorização real do salário-mínimo. Ou seja, trata-se dos setores que asseguraram a apertada vitória de Lula na última eleição e que parecem estar sendo abandonados pelas políticas públicas de sua equipe.
Economia: é preciso mudar para vencer em 2026.
Já com relação ao mercado de divisas e a formação da taxa de câmbio, o governo deveria deixar a postura de mero espectador. Considerar que a relação entre o real e dólar norte-americano pode ser solucionado como ocorre coma dinâmica do mercado da batatinha ou do tomate na feira é um grave equívoco. Trata-se de um espaço onde predominam interesses de grandes conglomerados financeiros e que se orientam, na maior parte das vezes, por interesses especialmente especulativos. Assistir de forma passiva à formação do “preço do câmbio” somente partir da livre ação das forças de oferta e demanda permite a persistência desses movimentos altistas que provocam efeitos inflacionários imediatos e futuros. É fundamental atuar para demonstrar a tais agentes que o governo não vai tolerar esse tipo de ação que só provoca prejuízo à maioria da sociedade e à economia brasileira.
Finalmente, o governo precisa mudar urgentemente essa fixação liberaloide com metas suicidas de austeridade fiscal. A melhora nos índices de aprovação do governo também depende fundamentalmente da retomada de políticas públicas e de investimentos do Estado. Parece ter ficado evidente, ao longo destes primeiros dois anos de governo sob a égide do austericídio, que a contenção de despesas orçamentárias tem impedido o governo de deslanchar um plano de desenvolvimento econômico, social e ambiental. É preciso abandonar de vez o compromisso com as metas de zerar o déficit fiscal primário ou mesmo de obter superávit nos próximos exercícios.
Assim, esse conjunto todo do quadro social e econômico poderia ajudar a compreender o aparente paradoxo. Seja na forma de “a economia vai bem, mas o povo vai mal” ou na forma de “o povo não come PIB, como alimentos”, o fato objetivo é que a reversão da atual conjuntura exige mudanças efetivas na condução da política econômica. Não basta mudar apenas a comunicação. É necessário ter políticas públicas de conteúdo (e seus resultados) para comunicar e divulgar.
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
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Mudar a política econômica!
por Paulo Kliass
Faltam 21 meses para o primeiro turno das próximas eleições presidenciais. Isso significa que já se passaram 27 meses desde que Lula chegou à frente de Bolsonaro no pleito de 2022. Os tempos da política obedecem a critérios e sensações que nem sempre correspondem ao que está registrado nos calendários oficiais. Mas há um fato inescapável que deveria chamar a atenção de todos os que estamos preocupados com o afastamento que o governo vem promovendo em relação às suas promessas de campanha. A realidade nua e crua é que já se foi mais da metade do terceiro mandato de Lula.
As pesquisas de opinião são quase unânimes em apontar grandes dificuldades enfrentadas pelo governo em termos de sua popularidade e de seu nível de aprovação pela maioria da população. É bem verdade que ainda estamos muito distantes da próxima disputa presidencial. No entanto, os cenários apresentados pelas enquetes apontam que a eventual vitória de Lula 4.0 não vai ser um “passeio”, como se diz no linguajar da política. Existem uma série de dúvidas e incertezas que rondam o quadro, tornando ainda mais difícil a busca de respostas. Afinal, Lula será mesmo candidato? Bolsonaro permanecerá inelegível até o momento de definição das candidaturas oficialmente? Haverá espaço político e eleitoral para a eterna tentativa de uma “terceira via”?
Apesar de tais incógnitas, o calendário não fica parado com o intuito de aguardar tais definições. E os elementos associados à percepção de que a maioria da população não está “compreendendo” ou “recebendo” todo o esforço realizado pelo terceiro mandato começa a ganhar adeptos na Esplanada. As recentes mudanças na equipe de comunicação parecem apontar para esse caminho equivocado. De acordo com tal interpretação, o problema estaria na incompetência profissional dos responsáveis por comunicar. E não na esfera da política, uma vez que o governo não tem muitas novidades positivas para oferecer e, assim, obter uma reversão das atuais percepções negativas a seu respeito.
“A economia vai bem, mas o povo vai mal”
Ora, mas então, Paulo, você está ignorando os “resultados excelentes” que as políticas públicas estão proporcionando para a maioria da população? Veja, em especial, os números da economia. O Brasil está bombando! Pois é, esta é a primeira contradição a ser enfrentada. É verdade que os dados mais recentes relativos ao desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) estão superiores àquilo que era aguardado pelo próprio governo e pelos agentes do financismo. Além disso, as estatísticas oficiais que o IBGE coleta a respeito dos níveis de desemprego e de ocupação da força de trabalho também apontam para melhorias positivas. Ora, então como se explica a persistência de dificuldades em melhorar os indicadores de percepção da maioria da população a respeito do próprio governo?
Uma forma de abordar o tema é recorrer aos ensinamentos da saudosa mestra de todos nós, a economista e professora Maria da Conceição Tavares. Ela tem sido muito citada, quando foi atribuída a ela a ideia de que o povo não come PIB. A importante reflexão serve também para explicar o desconforto dos responsáveis pela economia à época da ditadura militar que se instalou depois do golpe de 1964. Em plena vigência do milagre econômico, a resposta popular não era lá muito satisfatória. A ponto de o Presidente General Medici se sair com a famosa “a economia vai bem, mas o povo vai mal”, uma espécie de sincericídio, ao reconhecer o fracasso das propostas capitaneadas pelo Ministro Delfim Netto a partir de 1970.
De qualquer forma, o importante a reter é a frase de Conceição Tavares, em entrevista concedida em março de 2014 e ainda não submetida ao contexto do estelionato eleitoral que significou a nomeação de Joaquim Levy no ano seguinte para o Ministério da Fazenda no começo do segundo mandato de Dilma Roussef. Ela então afirmou que
(…) “Ninguém come PIB, come alimentos.” (…)
A comparação com a situação atual da economia brasileira pode se revelar bastante útil para efeitos de análise. Ao que tudo indica, não basta o PIB registrar possivelmente um crescimento superior a 3% para o ano passado, quando os números oficiais forem oficialmente divulgados pelo IBGE. Por mais que tal performance seja superior às estimativas iniciais do governo, do Banco Central (BC) e do povo do financismo, o fato é que ela está muito aquém das reais necessidades do País, depois de 6 anos de destruição e desmonte que foram representados pelo período Temer e Bolsonaro.
A sensação de melhoria não chegou ao bolso do povo.
Com relação aos índices de desemprego, a melhoria efetivamente verificada esconde, por trás da frieza dos números, algumas questões metodológicas da apuração do fenômeno e da verificação da capacidade real dos rendimentos recebidos. As informações divulgadas pela mais recente PNAD Contínua do IBGE revelam que estaríamos sob a vigência da menor taxa de desocupação da série histórica. Em novembro de 2024 ela foi de 6,1% do total da População Economicamente Ativa (PEA), inferior inclusive aos 6,3% verificados no final de 2013.
Desemprego – Taxa de desemprego (2012/24)
Fonte: IBGE/Poder 360
Além disso, as informações relativas ao rendimento real médio dos trabalhadores ocupados também demonstram uma melhoria. Ainda que não tenha sido atingido o patamar recorde de 2020, o fato é que os dados expressam uma maior remuneração de quem tem algum posto de trabalho assalariado.
Rendimento real médio dos trabalhadores ocupados
(2012-2024)
Fonte: IBGE
Com relação ao fenômeno do desemprego, permanece desde sempre uma questão ainda não solucionada pelos institutos oficiais. Trata-se de um grave problema metodológico, que tende a subestimar a efetiva taxa de desocupação existente no interior da força de trabalho. Quando o pesquisador indaga se a pessoa procurou emprego ao longo dos últimos 30 dias, a resposta “não” pode esconder um desempregado que desistiu de procurar um posto de trabalho no período apontado. Seja pelo fato de que buscar emprego custa dinheiro, seja pelo fenômeno que as pesquisas chamam de “desalento” – a pessoa desiste de buscar uma vaga depois de tantas tentativas infrutíferas anteriores. Esta é uma das razões pelas quais as pesquisas de desemprego realizadas pelo DIEESE, por exemplo, exibem índices bem mais elevados do que os oficiais.
Infelizmente, por problemas de falta de financiamento, as pesquisas feitas pelo órgão mantido pelo movimento sindical foram descontinuadas e apenas a enquete realizada no Distrito Federal permanece atualizada. Assim, os números mais recentes mostram um desemprego de 15% na região de Brasília, número bem superior aos levantamentos do IBGE.
Abandonar a armadilha da austeridade fiscal.
No que se refere à evolução dos rendimentos, há também outros fatores que merecem ser levados em consideração para entender o aparente paradoxo da baixa percepção por parte da população. Ocorre que as médias quase sempre ocultam a disparidade dos valores internos dos conjuntos apurados. Assim, por exemplo, o Brasil vive um processo significativo de aprofundamento da informalidade e da precariedade no chamado “mercado de trabalho”. As reformas trabalhistas promovidas durante os governos Temer e Bolsonaro não foram revertidas e as pessoas seguem trabalhando em jornadas extenuantes para auferir remuneração muitas vezes até inferior a um salário mínimo. O recente movimento contra a escala 6×1, por exemplo, reflete bem essa situação.
As análises mais recentes a respeito da persistência da inflação também devem ser observadas com cautela. O argumento sempre levantado pela turma da ortodoxia e pelo financismo é de que a inflação superou a meta oficial e isso deveria servir como argumento para aumentar ainda mais a taxa de juros. Ocorre que os principais fatores da alta de preços mais recente não podem ser equacionados por meio da elevação da SELIC, pois não têm nada a ver com uma suposta inflação de demanda. O economista David Deccache explica bem o mecanismo e aponta para necessidade de outras medidas para resolver a questão. Seria o caso, por exemplo, de enterrar de vez a política de preços da Petrobrás, que insiste em atrelar os preços dos derivados internos às flutuações do óleo bruto no mercado internacional. Ou ainda promover a volta da política de estoques reguladores para lidar com choques de oferta de alimentos.
Por outro lado, o fato é que a alta de preços tem prejudicado muito mais a capacidade de consumo e de sobrevivência da população de menor renda. E são estes setores justamente os mais atingidos pela política de austeridade fiscal até o momento. Estes são os exemplos da redução paulatina do abono salarial, as maiores dificuldades de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e redução do ritmo de valorização real do salário-mínimo. Ou seja, trata-se dos setores que asseguraram a apertada vitória de Lula na última eleição e que parecem estar sendo abandonados pelas políticas públicas de sua equipe.
Economia: é preciso mudar para vencer em 2026.
Já com relação ao mercado de divisas e a formação da taxa de câmbio, o governo deveria deixar a postura de mero espectador. Considerar que a relação entre o real e dólar norte-americano pode ser solucionado como ocorre coma dinâmica do mercado da batatinha ou do tomate na feira é um grave equívoco. Trata-se de um espaço onde predominam interesses de grandes conglomerados financeiros e que se orientam, na maior parte das vezes, por interesses especialmente especulativos. Assistir de forma passiva à formação do “preço do câmbio” somente partir da livre ação das forças de oferta e demanda permite a persistência desses movimentos altistas que provocam efeitos inflacionários imediatos e futuros. É fundamental atuar para demonstrar a tais agentes que o governo não vai tolerar esse tipo de ação que só provoca prejuízo à maioria da sociedade e à economia brasileira.
Finalmente, o governo precisa mudar urgentemente essa fixação liberaloide com metas suicidas de austeridade fiscal. A melhora nos índices de aprovação do governo também depende fundamentalmente da retomada de políticas públicas e de investimentos do Estado. Parece ter ficado evidente, ao longo destes primeiros dois anos de governo sob a égide do austericídio, que a contenção de despesas orçamentárias tem impedido o governo de deslanchar um plano de desenvolvimento econômico, social e ambiental. É preciso abandonar de vez o compromisso com as metas de zerar o déficit fiscal primário ou mesmo de obter superávit nos próximos exercícios.
Assim, esse conjunto todo do quadro social e econômico poderia ajudar a compreender o aparente paradoxo. Seja na forma de “a economia vai bem, mas o povo vai mal” ou na forma de “o povo não come PIB, como alimentos”, o fato objetivo é que a reversão da atual conjuntura exige mudanças efetivas na condução da política econômica. Não basta mudar apenas a comunicação. É necessário ter políticas públicas de conteúdo (e seus resultados) para comunicar e divulgar.
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
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