Consumismo, uso de telas e a ilusão do 'quero mais'




“A relação entre consumo e bem-estar não começa na vida adulta. Muito pelo contrário, ela é formada a partir das vivências cotidianas que acontecem desde a infância”, diz a empresária Clariana Barcelos, que dá dicas para ajudar as crianças a desenvolverem uma relação mais saudável com o consumo. Confira! “Olha, mãe! Eu quero esse brinquedo!”
“Mas você já tem um parecido…”
“Esse é diferente, olha só! Eu preciso dele!”
Se você, como mãe ou pai, já vivenciou um diálogo parecido, o texto deste mês trará algumas ‘verdades’. No fundo, é um pouco de tudo o que a gente já sabe, mas o trabalho, o trânsito, a casa, a educação dos filhos, as redes sociais, os mil afazeres e as atividades extras em que nos metemos nos atrapalha a olhar para tais ‘verdades’ de maneira mais crítica.
Criança vendo gôndola em loja de brinquedos
Freepik (imagem gerada com Inteligência Artificial)
Taboola Recommendation
Não é de hoje que as crianças são expostas a estímulos de consumo excessivo. Na minha infância, cresci assistindo na TV, entre um desenho e outro, mantras consumistas que se repetiam. E iam desde propaganda de tesouras de personagens Disney com crianças dizendo “Eu tenho, você não tem!” até o famoso comercial em que o menino hipnotizava o adulto para comprar um chocolate.
Se naquela época a publicidade direcionada às crianças era escancarada e, por isso, passou a ser proibida (pelo menos em tese, pois a regulamentação não acabou com o problema), o que temos hoje é um desafio absurdamente maior!
Em 2025, com o uso de telas e acesso a tudo com apenas um clique, os estímulos de consumo aparecem de todo o lado e é mais difícil identificar a publicidade disfarçada de ‘conteúdo’ em redes sociais, por exemplo.
Sabe o diálogo do começo do texto? Será que o desejo infinito por mais e mais brinquedos realmente vêm das crianças ou é algo produzido por uma sociedade consumista?
Se a oferta por novidade é constante, a sensação de insatisfação permanente faz parte do jogo! Quanto mais insatisfeitas as pessoas, maior a necessidade de novos estímulos, novas compras, novos prazeres.
Geração Alpha: como os nascidos a partir de 2010 lidam com a saúde, a família e o consumo
A lógica do ‘sempre mais’
A relação entre consumo e bem-estar não começa na vida adulta. Muito pelo contrário, ela é formada a partir das vivências cotidianas que acontecem desde a infância.
As crianças são expostas a estratégias que fazem com que sempre desejem algo novo: isso vale para os brinquedos, os vídeos recomendados no YouTube e até mesmo os joguinhos no celular que oferecem recompensas contínuas para manter a atenção.
A cada novidade, o cérebro infantil recebe uma dose de dopamina, o neurotransmissor do prazer e da motivação. Parece normal, certo? Sentir-se motivado por novidades. Mas, em um mundo hiperconectado, a sensação não dura até a página dois.
A dopamina é gerada sempre e de maneira crescente. A euforia dura pouco. Então é preciso outra novidade para uma nova dose de dopamina. O que acontece depois? Surge um novo desejo, uma nova recompensa – e o ciclo se repete. Infinitamente.
Autora do livro “Nação Dopamina” revela como as crianças estão viciadas nas mídias digitais
Na prática, o mundo real acontece devagar demais, com dopamina de menos. E o mundo virtual acaba parecendo mais atrativo. O efeito colateral disso é que muitas crianças acumulam brinquedos que perdem a graça rapidamente, sentem tédio com mais facilidade e trocam de interesse em um piscar de olhos.
Você já reparou que, às vezes, quando damos muitas opções para uma criança, ela tem mais dificuldade de decidir? Isso acontece porque o excesso de possibilidades pode gerar frustração e ansiedade. No mundo digital, onde tudo está a um clique de distância, a sensação se amplifica.
A criança assiste a um desenho, depois pula para outro, depois vê um brinquedo relacionado e já quer colocar na lista de desejos. Isso reduz a capacidade de esperar, valorizar e aproveitar o que já tem. E o mais grave: acaba impedindo a criança de viver no presente, desfrutar o momento, vivenciar o tédio como ponto de partida para o brincar livre e a criatividade.
Agora falando sobre consumo e educação financeira na infância, diante do aparente caos em que vivemos, como ensinar às crianças o valor do que elas já têm?
Se a publicidade infantil, sobretudo disfarçada em vídeos inofensivos nas redes sociais, cria uma sensação de urgência e insatisfação e, se viver totalmente desconectado de toda e qualquer tela é praticamente impossível para a grande maioria das famílias, a saída não está nas proibições, mas no equilíbrio.
O que está por trás da expressão “Na volta, a gente compra”
Aqui vão algumas estratégias para ajudar sua criança a desenvolver uma relação mais saudável com o consumo:
1. Converse sobre tempo de uso e valorização
Além de limitar e monitorar o uso telas, ajude seu filho a perceber como ele se sente durante e depois dessas atividades. Pergunte: “Foi divertido? Você aproveitou bem esse tempo?” Fazer perguntas ajuda a refletir sobre o próprio comportamento.
2. Crie um estoque rotativo de brinquedos
Guarde parte dos brinquedos e troque-os periodicamente. Isso dá a sensação de novidade ao brincar, sem precisar comprar mais.
3. Trabalhe a espera e o planejamento
Se a criança pede algo novo, incentive-a a poupar com a ajuda da família ou esperar uma data especial. A expectativa ajuda a dar valor ao que foi conquistado. E a sensação de realização quando o dia de comprar finalmente chega é uma maneira positiva de motivação.
7 dicas para estimular a motivação e a curiosidade das crianças desde cedo
4. Estimule a doação e a troca
Mostre que brinquedos esquecidos podem ganhar nova vida com outra criança. Isso estimula a empatia e reforça a ideia de que o consumo pode ser tratado como algo cíclico e não com imediatismo.
5. Promova experiências em vez de comprar objetos
Momentos juntos, como um passeio no parque ou cozinhar em família, criam lembranças mais valiosas do que qualquer brinquedo novo.
6. Exercite a gratidão
Nomear as razões pelas quais somos gratos e incentivar que as crianças cresçam com a percepção de que possuem o suficiente é um passo importante!
É preciso olhar para as questões relacionadas à educação financeira na infância como uma oportunidade de construir uma relação mais saudável com o consumo. Há muitas dicas por aí no sentido de ‘ensinar a criança a diferenciar desejo e necessidade’ para evitar o consumismo. E essa é uma estratégia válida, sem dúvida.
Mas como ensinar uma criança se nós, como adultos, viciados na dopamina que a vida conectada traz, sabemos muito pouco sobre nossas próprias necessidades e desejos?
A resposta está em reconhecer, entender e evitar os mecanismos que nos deixam sempre insatisfeitos, frustrados e querendo mais. Em outras palavras: não há como combater o consumismo sem reduzir e ressignificar o uso de telas entre adultos e crianças – que não tem maturidade para lidar com tantos estímulos.
Que tal começar hoje a mudar esse olhar na sua casa?
Clariana Barcelos – Coluna Educação Financeira
Arquivo pessoal
Quer falar com a colunista? Escreva para edglobo.com.br


“A relação entre consumo e bem-estar não começa na vida adulta. Muito pelo contrário, ela é formada a partir das vivências cotidianas que acontecem desde a infância”, diz a empresária Clariana Barcelos, que dá dicas para ajudar as crianças a desenvolverem uma relação mais saudável com o consumo. Confira! “Olha, mãe! Eu quero esse brinquedo!”
“Mas você já tem um parecido…”
“Esse é diferente, olha só! Eu preciso dele!”
Se você, como mãe ou pai, já vivenciou um diálogo parecido, o texto deste mês trará algumas ‘verdades’. No fundo, é um pouco de tudo o que a gente já sabe, mas o trabalho, o trânsito, a casa, a educação dos filhos, as redes sociais, os mil afazeres e as atividades extras em que nos metemos nos atrapalha a olhar para tais ‘verdades’ de maneira mais crítica.
Criança vendo gôndola em loja de brinquedos
Freepik (imagem gerada com Inteligência Artificial)
Taboola Recommendation
Não é de hoje que as crianças são expostas a estímulos de consumo excessivo. Na minha infância, cresci assistindo na TV, entre um desenho e outro, mantras consumistas que se repetiam. E iam desde propaganda de tesouras de personagens Disney com crianças dizendo “Eu tenho, você não tem!” até o famoso comercial em que o menino hipnotizava o adulto para comprar um chocolate.
Se naquela época a publicidade direcionada às crianças era escancarada e, por isso, passou a ser proibida (pelo menos em tese, pois a regulamentação não acabou com o problema), o que temos hoje é um desafio absurdamente maior!
Em 2025, com o uso de telas e acesso a tudo com apenas um clique, os estímulos de consumo aparecem de todo o lado e é mais difícil identificar a publicidade disfarçada de ‘conteúdo’ em redes sociais, por exemplo.
Sabe o diálogo do começo do texto? Será que o desejo infinito por mais e mais brinquedos realmente vêm das crianças ou é algo produzido por uma sociedade consumista?
Se a oferta por novidade é constante, a sensação de insatisfação permanente faz parte do jogo! Quanto mais insatisfeitas as pessoas, maior a necessidade de novos estímulos, novas compras, novos prazeres.
Geração Alpha: como os nascidos a partir de 2010 lidam com a saúde, a família e o consumo
A lógica do ‘sempre mais’
A relação entre consumo e bem-estar não começa na vida adulta. Muito pelo contrário, ela é formada a partir das vivências cotidianas que acontecem desde a infância.
As crianças são expostas a estratégias que fazem com que sempre desejem algo novo: isso vale para os brinquedos, os vídeos recomendados no YouTube e até mesmo os joguinhos no celular que oferecem recompensas contínuas para manter a atenção.
A cada novidade, o cérebro infantil recebe uma dose de dopamina, o neurotransmissor do prazer e da motivação. Parece normal, certo? Sentir-se motivado por novidades. Mas, em um mundo hiperconectado, a sensação não dura até a página dois.
A dopamina é gerada sempre e de maneira crescente. A euforia dura pouco. Então é preciso outra novidade para uma nova dose de dopamina. O que acontece depois? Surge um novo desejo, uma nova recompensa – e o ciclo se repete. Infinitamente.
Autora do livro “Nação Dopamina” revela como as crianças estão viciadas nas mídias digitais
Na prática, o mundo real acontece devagar demais, com dopamina de menos. E o mundo virtual acaba parecendo mais atrativo. O efeito colateral disso é que muitas crianças acumulam brinquedos que perdem a graça rapidamente, sentem tédio com mais facilidade e trocam de interesse em um piscar de olhos.
Você já reparou que, às vezes, quando damos muitas opções para uma criança, ela tem mais dificuldade de decidir? Isso acontece porque o excesso de possibilidades pode gerar frustração e ansiedade. No mundo digital, onde tudo está a um clique de distância, a sensação se amplifica.
A criança assiste a um desenho, depois pula para outro, depois vê um brinquedo relacionado e já quer colocar na lista de desejos. Isso reduz a capacidade de esperar, valorizar e aproveitar o que já tem. E o mais grave: acaba impedindo a criança de viver no presente, desfrutar o momento, vivenciar o tédio como ponto de partida para o brincar livre e a criatividade.
Agora falando sobre consumo e educação financeira na infância, diante do aparente caos em que vivemos, como ensinar às crianças o valor do que elas já têm?
Se a publicidade infantil, sobretudo disfarçada em vídeos inofensivos nas redes sociais, cria uma sensação de urgência e insatisfação e, se viver totalmente desconectado de toda e qualquer tela é praticamente impossível para a grande maioria das famílias, a saída não está nas proibições, mas no equilíbrio.
O que está por trás da expressão “Na volta, a gente compra”
Aqui vão algumas estratégias para ajudar sua criança a desenvolver uma relação mais saudável com o consumo:
1. Converse sobre tempo de uso e valorização
Além de limitar e monitorar o uso telas, ajude seu filho a perceber como ele se sente durante e depois dessas atividades. Pergunte: “Foi divertido? Você aproveitou bem esse tempo?” Fazer perguntas ajuda a refletir sobre o próprio comportamento.
2. Crie um estoque rotativo de brinquedos
Guarde parte dos brinquedos e troque-os periodicamente. Isso dá a sensação de novidade ao brincar, sem precisar comprar mais.
3. Trabalhe a espera e o planejamento
Se a criança pede algo novo, incentive-a a poupar com a ajuda da família ou esperar uma data especial. A expectativa ajuda a dar valor ao que foi conquistado. E a sensação de realização quando o dia de comprar finalmente chega é uma maneira positiva de motivação.
7 dicas para estimular a motivação e a curiosidade das crianças desde cedo
4. Estimule a doação e a troca
Mostre que brinquedos esquecidos podem ganhar nova vida com outra criança. Isso estimula a empatia e reforça a ideia de que o consumo pode ser tratado como algo cíclico e não com imediatismo.
5. Promova experiências em vez de comprar objetos
Momentos juntos, como um passeio no parque ou cozinhar em família, criam lembranças mais valiosas do que qualquer brinquedo novo.
6. Exercite a gratidão
Nomear as razões pelas quais somos gratos e incentivar que as crianças cresçam com a percepção de que possuem o suficiente é um passo importante!
É preciso olhar para as questões relacionadas à educação financeira na infância como uma oportunidade de construir uma relação mais saudável com o consumo. Há muitas dicas por aí no sentido de ‘ensinar a criança a diferenciar desejo e necessidade’ para evitar o consumismo. E essa é uma estratégia válida, sem dúvida.
Mas como ensinar uma criança se nós, como adultos, viciados na dopamina que a vida conectada traz, sabemos muito pouco sobre nossas próprias necessidades e desejos?
A resposta está em reconhecer, entender e evitar os mecanismos que nos deixam sempre insatisfeitos, frustrados e querendo mais. Em outras palavras: não há como combater o consumismo sem reduzir e ressignificar o uso de telas entre adultos e crianças – que não tem maturidade para lidar com tantos estímulos.
Que tal começar hoje a mudar esse olhar na sua casa?
Clariana Barcelos – Coluna Educação Financeira
Arquivo pessoal
Quer falar com a colunista? Escreva para edglobo.com.br



Post Comment

You May Have Missed