Área de morte de Dorothy há 20 anos segue sob violência – 11/02/2025 – Poder


Vinte anos após o assassinato da missionária Dorothy Stang, completados nesta quarta-feira (12), a violência como método de domínio da terra está incorporada ao dia a dia de centenas de famílias que vivem sob ameaça em assentamentos rurais na região de Anapu (PA).

A área é uma das mais violentas da Amazônia em razão da persistência da grilagem e do desmatamento.

Dorothy tinha 73 anos e era agente da CPT (Comissão Pastoral da Terra) quando foi morta. Atuava havia mais de duas décadas na região. Foi assassinada com seis tiros, a mando de dois fazendeiros e por ação de dois pistoleiros, na área de um assentamento rural, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, em Anapu.

Ela havia atuado em defesa da roça dos assentados, com pedido para que os agentes externos ao assentamento não plantassem capim na área.

Em duas décadas, a vida nos assentamentos surgidos no curso da rodovia Transamazônica —o PDS Esperança é um deles— é marcada por desassossego, violência, pressão e ameaça de grileiros, posseiros e madeireiros.

As áreas seguem no limbo, sem uma consolidação definitiva pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o que permite a pressão ininterrupta de interessados na expansão de suas terras.

Em nota, o instituto afirmou que o assentamento onde a missionária foi morta não tem um ato formal de consolidação, mas é considerado como definitivo por força de um decreto de 2018, que considera um assentamento consolidado após 15 anos de implantação.

O mesmo vale para o PDS Virola Jatobá, também criado em 2004, às vésperas da morte da missionária.

Ainda assim, invasões continuam a ser registradas, bem como disputas entre agricultores assentados e posseiros recém-chegados, com maior poder econômico.

Famílias inteiras já precisaram deixar os assentamentos em razão de ameaças e buscar apoio no programa de proteção aos defensores dos direitos humanos, uma iniciativa do governo federal, com execução pelo Governo do Pará.

Pelo menos três famílias da região de Anapu se viram obrigadas a buscar o exílio em outras áreas do Pará e em São Paulo com suporte do programa.

A CPT faz um levantamento anual de conflitos no campo. Nos últimos dez anos, de 2014 a 2023, registrou 77 casos de conflitos por terra nos assentamentos na região de Anapu. Em cinco anos, houve conflitos no assentamento onde Dorothy foi assassinada.

Ao todo, conforme a CPT, 16 pessoas foram mortas nos assentamentos em dez anos. Houve ainda três tentativas de assassinato e 35 pessoas sob ameaça de morte.

A atuação de missionárias católicas como Dorothy, que era americana e naturalizada brasileira, é feita com ações diretas nos assentamentos.

Essas agentes da CPT são as que mais conhecem a realidade das áreas, além das lideranças locais, muitas delas sob ameaça constante.

O trabalho que Dorothy fazia teve continuidade com Jane Dwyer, 84, também americana e naturalizada brasileira, que está na região de Anapu desde 1997. Ela conviveu com Dorothy por 15 anos, até a morte da missionária.

“No enterro, um trabalhador gritou: ‘Nós não vamos enterrar a Dorothy, nós vamos plantar’”, diz Jane. “Eles mataram a Dorothy, mas não mataram muito bem, pois a memória dela vive.” Uma segunda missionária americana, Katia Webster, também atua na CPT em Anapu.

Os conflitos são mais recorrentes em cinco assentamentos na região, como constatam as agentes da CPT: o PDS Esperança (Anapu I), onde Dorothy foi morta; o assentamento Dorothy Stang (antes conhecido por Lote 96), onde grileiros chegaram a botar fogo na escola da comunidade, em 2022; o PDS Virola Jatobá; e os assentamentos Mata Preta e Mata Verde.

Conforme o banco de dados do Incra, atualizado em janeiro, os cinco assentamentos têm ao todo 90 mil hectares, com capacidade para assentar 760 famílias. Segundo a base de informações do sistema federal, nenhum deles está plenamente consolidado, mas o Incra disse que isso só vale para três deles, devido ao decreto de 2018.

No caso do assentamento Dorothy Stang, ainda não há a relação de beneficiários, e a seleção está em curso, segundo o Incra. No Virola Jatobá, há ação na Justiça, e o Incra retira invasores, afirmou o órgão. Mata Preta e Mata Verde ainda não estão aptos à fase de consolidação.

Em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL), houve uma invasão de grileiros e madeireiros no PDS Esperança, conforme o monitoramento feito pelas agentes da CPT. O Incra disse que houve uma invasão em 2010 e que ajuizou ação para retirada dos invasores.

Em 2023, primeiro ano do governo Lula (PT), prosseguiram ameaças, principalmente por parte de madeireiros ilegais, segundo a CPT. Uma operação chegou a ser feita por Polícia Federal e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), diz a comissão.

“As pessoas estão pedindo a revisão habitacional, mas faltam braços para o Incra ir de casa em casa, de lote em lote”, diz Jane.

A violência está mais perceptível no PDS Virola Jatobá, com presença de invasores limpando áreas, ronda de pessoas ligadas a fazendeiros e grileiros, ação de madeireiros e atuação de posseiros com mais poder econômico que os assentados.

Em razão do fluxo de famílias, com entrada e saída de posseiros, ainda há algumas sem a concessão do uso da terra nos dois assentamentos, segundo Jane.

“Há casos em que posseiros querem 100 hectares de terra, e o projeto é para 20 hectares, de forma que a floresta seja trabalhada coletivamente”, afirma a agente da CPT.

A atuação da pistolagem deixou acuadas as lideranças do assentamento Dorothy Stang. Uma delas é Erasmo Alves Theófilo, 36, que sofreu uma tentativa de assassinato em 2019, segundo o levantamento da CPT.

Erasmo precisou de inclusão no programa de proteção aos defensores dos direitos humanos e foi retirado da região de Anapu.

“Desde 2019, vivo em sucessivos ‘exílios’, que é o que também chamam de refúgio ou abrigo”, escreveu em uma carta endereçada ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), no fim de 2024. “Na verdade, vivo em prisão domiciliar, enquanto os grileiros estão soltos e tocando fogo na floresta.”



Desde 2019, vivo em sucessivos ‘exílios’, que é o que também chamam de refúgio ou abrigo. Na verdade, vivo em prisão domiciliar, enquanto os grileiros estão soltos e tocando fogo na floresta

Segundo Erasmo, o programa tocado pelo governo do estado quer que ele retorne a Anapu “sem nenhuma proteção”.

Uma carta também foi escrita ao ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), em que denuncia a realidade de violência na região dos assentamentos rurais em Anapu.

O Governo do Pará não respondeu aos questionamentos da reportagem.

No PDS Esperança, uma árvore onde foi fixada uma placa com nomes de pessoas que foram assassinadas em assentamentos —como Dorothy– foi derrubada, e de forma intencional, segundo Jane Dwyer. “A placa foi achada e colocada numa parte mais alta de uma árvore.”

Vinte anos após o assassinato da missionária Dorothy Stang, completados nesta quarta-feira (12), a violência como método de domínio da terra está incorporada ao dia a dia de centenas de famílias que vivem sob ameaça em assentamentos rurais na região de Anapu (PA).

A área é uma das mais violentas da Amazônia em razão da persistência da grilagem e do desmatamento.

Dorothy tinha 73 anos e era agente da CPT (Comissão Pastoral da Terra) quando foi morta. Atuava havia mais de duas décadas na região. Foi assassinada com seis tiros, a mando de dois fazendeiros e por ação de dois pistoleiros, na área de um assentamento rural, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, em Anapu.

Ela havia atuado em defesa da roça dos assentados, com pedido para que os agentes externos ao assentamento não plantassem capim na área.

Em duas décadas, a vida nos assentamentos surgidos no curso da rodovia Transamazônica —o PDS Esperança é um deles— é marcada por desassossego, violência, pressão e ameaça de grileiros, posseiros e madeireiros.

As áreas seguem no limbo, sem uma consolidação definitiva pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o que permite a pressão ininterrupta de interessados na expansão de suas terras.

Em nota, o instituto afirmou que o assentamento onde a missionária foi morta não tem um ato formal de consolidação, mas é considerado como definitivo por força de um decreto de 2018, que considera um assentamento consolidado após 15 anos de implantação.

O mesmo vale para o PDS Virola Jatobá, também criado em 2004, às vésperas da morte da missionária.

Ainda assim, invasões continuam a ser registradas, bem como disputas entre agricultores assentados e posseiros recém-chegados, com maior poder econômico.

Famílias inteiras já precisaram deixar os assentamentos em razão de ameaças e buscar apoio no programa de proteção aos defensores dos direitos humanos, uma iniciativa do governo federal, com execução pelo Governo do Pará.

Pelo menos três famílias da região de Anapu se viram obrigadas a buscar o exílio em outras áreas do Pará e em São Paulo com suporte do programa.

A CPT faz um levantamento anual de conflitos no campo. Nos últimos dez anos, de 2014 a 2023, registrou 77 casos de conflitos por terra nos assentamentos na região de Anapu. Em cinco anos, houve conflitos no assentamento onde Dorothy foi assassinada.

Ao todo, conforme a CPT, 16 pessoas foram mortas nos assentamentos em dez anos. Houve ainda três tentativas de assassinato e 35 pessoas sob ameaça de morte.

A atuação de missionárias católicas como Dorothy, que era americana e naturalizada brasileira, é feita com ações diretas nos assentamentos.

Essas agentes da CPT são as que mais conhecem a realidade das áreas, além das lideranças locais, muitas delas sob ameaça constante.

O trabalho que Dorothy fazia teve continuidade com Jane Dwyer, 84, também americana e naturalizada brasileira, que está na região de Anapu desde 1997. Ela conviveu com Dorothy por 15 anos, até a morte da missionária.

“No enterro, um trabalhador gritou: ‘Nós não vamos enterrar a Dorothy, nós vamos plantar’”, diz Jane. “Eles mataram a Dorothy, mas não mataram muito bem, pois a memória dela vive.” Uma segunda missionária americana, Katia Webster, também atua na CPT em Anapu.

Os conflitos são mais recorrentes em cinco assentamentos na região, como constatam as agentes da CPT: o PDS Esperança (Anapu I), onde Dorothy foi morta; o assentamento Dorothy Stang (antes conhecido por Lote 96), onde grileiros chegaram a botar fogo na escola da comunidade, em 2022; o PDS Virola Jatobá; e os assentamentos Mata Preta e Mata Verde.

Conforme o banco de dados do Incra, atualizado em janeiro, os cinco assentamentos têm ao todo 90 mil hectares, com capacidade para assentar 760 famílias. Segundo a base de informações do sistema federal, nenhum deles está plenamente consolidado, mas o Incra disse que isso só vale para três deles, devido ao decreto de 2018.

No caso do assentamento Dorothy Stang, ainda não há a relação de beneficiários, e a seleção está em curso, segundo o Incra. No Virola Jatobá, há ação na Justiça, e o Incra retira invasores, afirmou o órgão. Mata Preta e Mata Verde ainda não estão aptos à fase de consolidação.

Em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL), houve uma invasão de grileiros e madeireiros no PDS Esperança, conforme o monitoramento feito pelas agentes da CPT. O Incra disse que houve uma invasão em 2010 e que ajuizou ação para retirada dos invasores.

Em 2023, primeiro ano do governo Lula (PT), prosseguiram ameaças, principalmente por parte de madeireiros ilegais, segundo a CPT. Uma operação chegou a ser feita por Polícia Federal e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), diz a comissão.

“As pessoas estão pedindo a revisão habitacional, mas faltam braços para o Incra ir de casa em casa, de lote em lote”, diz Jane.

A violência está mais perceptível no PDS Virola Jatobá, com presença de invasores limpando áreas, ronda de pessoas ligadas a fazendeiros e grileiros, ação de madeireiros e atuação de posseiros com mais poder econômico que os assentados.

Em razão do fluxo de famílias, com entrada e saída de posseiros, ainda há algumas sem a concessão do uso da terra nos dois assentamentos, segundo Jane.

“Há casos em que posseiros querem 100 hectares de terra, e o projeto é para 20 hectares, de forma que a floresta seja trabalhada coletivamente”, afirma a agente da CPT.

A atuação da pistolagem deixou acuadas as lideranças do assentamento Dorothy Stang. Uma delas é Erasmo Alves Theófilo, 36, que sofreu uma tentativa de assassinato em 2019, segundo o levantamento da CPT.

Erasmo precisou de inclusão no programa de proteção aos defensores dos direitos humanos e foi retirado da região de Anapu.

“Desde 2019, vivo em sucessivos ‘exílios’, que é o que também chamam de refúgio ou abrigo”, escreveu em uma carta endereçada ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), no fim de 2024. “Na verdade, vivo em prisão domiciliar, enquanto os grileiros estão soltos e tocando fogo na floresta.”



Desde 2019, vivo em sucessivos ‘exílios’, que é o que também chamam de refúgio ou abrigo. Na verdade, vivo em prisão domiciliar, enquanto os grileiros estão soltos e tocando fogo na floresta

Segundo Erasmo, o programa tocado pelo governo do estado quer que ele retorne a Anapu “sem nenhuma proteção”.

Uma carta também foi escrita ao ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), em que denuncia a realidade de violência na região dos assentamentos rurais em Anapu.

O Governo do Pará não respondeu aos questionamentos da reportagem.

No PDS Esperança, uma árvore onde foi fixada uma placa com nomes de pessoas que foram assassinadas em assentamentos —como Dorothy– foi derrubada, e de forma intencional, segundo Jane Dwyer. “A placa foi achada e colocada numa parte mais alta de uma árvore.”



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