Tudo em “O Brutalista” é grandioso. O tom, os cenários, as ambições, as controvérsias e a duração, com três horas e meia que causaram a ressurreição dos intervalos nas salas de cinema. Não à toa, venceu o prêmio de direção no Festival de Veneza e agora chega à reta final do Oscar como um dos favoritos na disputa de melhor filme.
Dirigido por Brady Corbet, ator convertido em diretor que assina seu terceiro longa com a claquete na mão, “O Brutalista” ficcionaliza a trajetória de um arquiteto e designer húngaro que transforma a vida urbana americana no pós-Segunda Guerra.
László Tóth, o protagonista, não existiu, mas tem um pouco da vontade de integrar forma e função de Marcel Breuer, do jogo entre espaço e luz natural de Louis Kahn, da experimentação com formas geométricas robustas de Paul Rudolph e da lógica de repetição por meio de módulos pré-fabricados, como os de Erno Goldfinger.
Além da obra, que integra concreto, funcionalismo e imponência, o personagem fictício ainda compartilha com os arquitetos brutalistas um pouco da trajetória, numa betoneira de referências com raízes na infância de Corbet.
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“Eu me interesso pelo tema desde muito novo, porque meu tio é arquiteto. Com o passar do tempo, percebi que há vários pontos de encontro entre a arquitetura e o cinema”, diz ele. “Eu penso nas minhas cenas como quartos numa planta —às vezes precisamos de amplitude e grandeza, outras, de intimidade e claustrofobia. Essa dualidade tem a ver com outro desejo, o de filmar uma história sobre a psicologia do pós-guerra.”
As referências todas foram assimiladas pela diretora de arte Judy Becker e, também, por um programa de inteligência artificial que ajudou na elaboração de alguns croquis e imagens digitais vistos ao fim do filme. A entrevista com Corbet aconteceu antes de o fato polêmico vir à tona, meses após uma greve hollywoodiana motivada, entre outras coisas, pela substituição de trabalhadores por máquinas.
O cineasta disse em comunicado, porém, que o uso de IA –na arquitetura e também para aperfeiçoar o sotaque de seus personagens húngaros– foi limitado, um pequeno auxílio para um filme que tinha orçamento curto, de pouco menos de US$ 10 milhões. Diante das controvérsias que engoliram outro dos favoritos da temporada, como “Emilia Pérez”, o debate em torno de “O Brutalista” acabou ruindo.
Corbet credita a totalidade do trabalho ao departamento de direção de arte, que materializou a visão ambiciosa e opulenta não só de Tóth, mas do magnata que, endinheirado, porém sem qualquer veia artística, o contrata para projetar seu legado, na forma de um centro de convivência na Pensilvânia.
Adrien Brody dá vida a Tóth, enquanto Guy Pearce fica com o patrão, Harrison Lee van Buren. Ambos estão indicados ao Oscar –o primeiro em melhor ator e o segundo, ator coadjuvante–, e Brody parece já estar com a estatueta em mãos, depois de vencer o Critics Choice, o Globo de Ouro e o Bafta, no último domingo. Ele também disputa o SAG Awards, o prêmio do sindicato dos atores, que anuncia seus vencedores neste domingo.
“O Brutalista” também vem pavimentando o caminho rumo aos prêmios de direção e de categorias técnicas como trilha sonora e fotografia, embora “Anora”, com os prêmios dos sindicatos dos diretores e produtores, e “Conclave” surjam cada vez mais como concorrentes à altura. Ao todo, o longa tem dez indicações.
Seu roteiro original, assinado por Corbet e Mona Fastvold, é outra aposta sólida para o prêmio, ao acompanhar László Tóth em dois atos, entrecortados por um intervalo de 15 minutos no qual um relógio se impõe na tela do cinema, acoplado a uma ficcional foto de família em preto e branco.
Na primeira parte, Corbet se concentra em mostrar o protagonista em busca do sonho americano, um tema recorrente nesta safra de filmes, apesar de o cineasta acreditar que este sonho já não é mais algo alcançável –há gente demais no planeta, diz.
Um judeu recém-chegado da Hungria após o fim do domínio nazista no Leste Europeu, Tóth vira designer numa loja de móveis em Nova York, até que recebe uma encomenda, transformar uma biblioteca classuda e ultrapassada numa sala de leitura inovadora.
O resultado desagrada à família Van Buren, mas depois é abraçado como pioneiro, à frente de seu tempo, o que o leva a estabelecer um vínculo próximo com o magnata. Ele enche os bolsos de Tóth e lhe dá acesso a advogados que preparam a cena para o segundo ato, quando sua mulher húngara enfim consegue emigrar para os Estados Unidos.
Quando a personagem vivida por Felicity Jones desembarca, numa cadeira de rodas à qual foi confinada devido à saúde abalada pelos campos de concentração, conhecemos outra face de Tóth, um homem autocentrado, indelicado, obcecado e machista, como muitos dos que o cercam.
“Viver nos anos 1950, não só para as mulheres, era algo muito difícil. É interessante que movimentos conservadores romantizem esse período, porque ele foi terrível. Falamos de uma geração que sofreu horrores na década passada e não sabia o que fazer com isso. Não se conversava sobre sentimentos, sobre traumas. Não havia terapia, algo que hoje nem damos o devido valor”, diz Corbet.
O relacionamento dos dois, em seu definhar, passa então a ser o foco do filme, bem como o de Tóth com Van Buren, que de financiador das artes e de grandes sonhos vai a narcisista numa visita dos dois a Carrara, na Itália, de onde querem extrair o mármore para suas obras faraônicas.
Corbet queria que a realidade, nesta segunda parte, fosse “líquida”, espelhando a fantasia inerente àquela comuna italiana –”você explora o planeta para possuir um material que não deveria ter sido tirado de lá, assim como esses personagens se exploram para possuir uns aos outros”, diz o diretor.
“Esse é o problema com o 1% mais rico, eles acham que podem tudo. Essa classe de bilionários, no fim, está completamente entediada. Você chega ao topo, mas o topo também é um platô. Você não tem mais para onde ir. Você compra um brinquedo novo, ele te deixa feliz por algum tempo e depois você se sente miserável de novo. Era importante ser muito direto nessa alegoria”, diz o diretor, resumindo o exuberante, fictício e falido sonho americano de “O Brutalista”.
Tudo em “O Brutalista” é grandioso. O tom, os cenários, as ambições, as controvérsias e a duração, com três horas e meia que causaram a ressurreição dos intervalos nas salas de cinema. Não à toa, venceu o prêmio de direção no Festival de Veneza e agora chega à reta final do Oscar como um dos favoritos na disputa de melhor filme.
Dirigido por Brady Corbet, ator convertido em diretor que assina seu terceiro longa com a claquete na mão, “O Brutalista” ficcionaliza a trajetória de um arquiteto e designer húngaro que transforma a vida urbana americana no pós-Segunda Guerra.
László Tóth, o protagonista, não existiu, mas tem um pouco da vontade de integrar forma e função de Marcel Breuer, do jogo entre espaço e luz natural de Louis Kahn, da experimentação com formas geométricas robustas de Paul Rudolph e da lógica de repetição por meio de módulos pré-fabricados, como os de Erno Goldfinger.
Além da obra, que integra concreto, funcionalismo e imponência, o personagem fictício ainda compartilha com os arquitetos brutalistas um pouco da trajetória, numa betoneira de referências com raízes na infância de Corbet.
Tapete vermelho
Uma newsletter com o que você precisa saber sobre o Oscar 2025
“Eu me interesso pelo tema desde muito novo, porque meu tio é arquiteto. Com o passar do tempo, percebi que há vários pontos de encontro entre a arquitetura e o cinema”, diz ele. “Eu penso nas minhas cenas como quartos numa planta —às vezes precisamos de amplitude e grandeza, outras, de intimidade e claustrofobia. Essa dualidade tem a ver com outro desejo, o de filmar uma história sobre a psicologia do pós-guerra.”
As referências todas foram assimiladas pela diretora de arte Judy Becker e, também, por um programa de inteligência artificial que ajudou na elaboração de alguns croquis e imagens digitais vistos ao fim do filme. A entrevista com Corbet aconteceu antes de o fato polêmico vir à tona, meses após uma greve hollywoodiana motivada, entre outras coisas, pela substituição de trabalhadores por máquinas.
O cineasta disse em comunicado, porém, que o uso de IA –na arquitetura e também para aperfeiçoar o sotaque de seus personagens húngaros– foi limitado, um pequeno auxílio para um filme que tinha orçamento curto, de pouco menos de US$ 10 milhões. Diante das controvérsias que engoliram outro dos favoritos da temporada, como “Emilia Pérez”, o debate em torno de “O Brutalista” acabou ruindo.
Corbet credita a totalidade do trabalho ao departamento de direção de arte, que materializou a visão ambiciosa e opulenta não só de Tóth, mas do magnata que, endinheirado, porém sem qualquer veia artística, o contrata para projetar seu legado, na forma de um centro de convivência na Pensilvânia.
Adrien Brody dá vida a Tóth, enquanto Guy Pearce fica com o patrão, Harrison Lee van Buren. Ambos estão indicados ao Oscar –o primeiro em melhor ator e o segundo, ator coadjuvante–, e Brody parece já estar com a estatueta em mãos, depois de vencer o Critics Choice, o Globo de Ouro e o Bafta, no último domingo. Ele também disputa o SAG Awards, o prêmio do sindicato dos atores, que anuncia seus vencedores neste domingo.
“O Brutalista” também vem pavimentando o caminho rumo aos prêmios de direção e de categorias técnicas como trilha sonora e fotografia, embora “Anora”, com os prêmios dos sindicatos dos diretores e produtores, e “Conclave” surjam cada vez mais como concorrentes à altura. Ao todo, o longa tem dez indicações.
Seu roteiro original, assinado por Corbet e Mona Fastvold, é outra aposta sólida para o prêmio, ao acompanhar László Tóth em dois atos, entrecortados por um intervalo de 15 minutos no qual um relógio se impõe na tela do cinema, acoplado a uma ficcional foto de família em preto e branco.
Na primeira parte, Corbet se concentra em mostrar o protagonista em busca do sonho americano, um tema recorrente nesta safra de filmes, apesar de o cineasta acreditar que este sonho já não é mais algo alcançável –há gente demais no planeta, diz.
Um judeu recém-chegado da Hungria após o fim do domínio nazista no Leste Europeu, Tóth vira designer numa loja de móveis em Nova York, até que recebe uma encomenda, transformar uma biblioteca classuda e ultrapassada numa sala de leitura inovadora.
O resultado desagrada à família Van Buren, mas depois é abraçado como pioneiro, à frente de seu tempo, o que o leva a estabelecer um vínculo próximo com o magnata. Ele enche os bolsos de Tóth e lhe dá acesso a advogados que preparam a cena para o segundo ato, quando sua mulher húngara enfim consegue emigrar para os Estados Unidos.
Quando a personagem vivida por Felicity Jones desembarca, numa cadeira de rodas à qual foi confinada devido à saúde abalada pelos campos de concentração, conhecemos outra face de Tóth, um homem autocentrado, indelicado, obcecado e machista, como muitos dos que o cercam.
“Viver nos anos 1950, não só para as mulheres, era algo muito difícil. É interessante que movimentos conservadores romantizem esse período, porque ele foi terrível. Falamos de uma geração que sofreu horrores na década passada e não sabia o que fazer com isso. Não se conversava sobre sentimentos, sobre traumas. Não havia terapia, algo que hoje nem damos o devido valor”, diz Corbet.
O relacionamento dos dois, em seu definhar, passa então a ser o foco do filme, bem como o de Tóth com Van Buren, que de financiador das artes e de grandes sonhos vai a narcisista numa visita dos dois a Carrara, na Itália, de onde querem extrair o mármore para suas obras faraônicas.
Corbet queria que a realidade, nesta segunda parte, fosse “líquida”, espelhando a fantasia inerente àquela comuna italiana –”você explora o planeta para possuir um material que não deveria ter sido tirado de lá, assim como esses personagens se exploram para possuir uns aos outros”, diz o diretor.
“Esse é o problema com o 1% mais rico, eles acham que podem tudo. Essa classe de bilionários, no fim, está completamente entediada. Você chega ao topo, mas o topo também é um platô. Você não tem mais para onde ir. Você compra um brinquedo novo, ele te deixa feliz por algum tempo e depois você se sente miserável de novo. Era importante ser muito direto nessa alegoria”, diz o diretor, resumindo o exuberante, fictício e falido sonho americano de “O Brutalista”.