'E os namoradinhos?': a coragem e as histórias das mulheres que assumem que nunca namoraram antes dos 30
Trend que ganhou força no TikTok ajudou meninas a se sentirem menos pressionadas com o fato de estarem solteiras na idade adulta Em seu livro “A gente mira no amor, mas acerta na solidão”, a psicanalista e professora Ana Suy trata do conceito psicanalítico da falta que há em cada ser humano e nossa busca incessante em saná-la. Muitas vezes, preenchemos esse buraco com o amor romântico.
Mas e quando isso buscamos outro caminho?
Nos últimos tempos, uma trend tomou conta do TikTok. Nela, mulheres de 30 anos ou mais que nunca namoraram contam suas histórias. Elas falam do foco na carreira, traumas do passado e até mesmo de um bloqueio emocional.
Leia também
Em entrevista a Marie Claire, duas delas detalham duas experiências que a levaram a se distanciarem do amor, comportamento que tem se tornado cada vez mais comum.
‘Foquei em estudar’
A empreendedora Priscilla de Oliveira dos Santos conta que, desde pequena, lida com questões relacionadas à sua aparência. Vítima de bullying dos meninos na época escolar, ela disse que viu amigas com namoros complicados e pensava que não gostaria de estar no mesmo lugar. “Foquei em estudar”, justifica. Ela, que relata não ter ficado com ninguém desde 2015, se identifica como heterossexual, apesar de não querer um namoro. “Tenho atração por meninos, só não tenho vontade de um relacionamento.”
“Me considero tímida e fechada, não gosto dessa ideia de sair em encontros e conhecer alguém. Alguns homens chegam em mim e tenho convivência com outros que falam sobre querer sair comigo, mas recuso todos porque não tenho interesse no momento”.
Priscilla de Oliveira dos Santos é solteira e beijou pela última vez em 2015, por preferir manter foco na vida profissional
Arquivo pessoal
Para a influenciadora digital Michele Alves, a história é um pouco diferente. Ela se preparou para ser freira até os seus 19 anos. Isso fez com que ela não tivesse a oportunidade de viver uma fase de conhecer pessoas e namorá-las. “Todos os interesses que tinha não eram o bastante para querer o namoro. Fiquei com pouquíssimas pessoas nesse tempo”, conta. Ao decidir mudar o foco da sua vida, passou a se dedicar aos estudos até os 30.
“Passei muito tempo em análise para tentar entender [o fato de nunca ter namorado]. Entendi que haviam duas questões: primeiro, o fator religioso e; segundo, o fato de eu sempre ter novas pessoas na minha vida.”
Ela, que nasceu na Bahia, se mudou para São Paulo aos 12 anos de idade, estudou em um curso pré-vestibular e entrou na universidade. A mudança de endereços em sequência a impediu de criar raízes fortes o suficiente.
Michele Alves queria se tornar freira e, depois disso, dedicou mais uma década sem namoros para focar nos estudos
Reprodução/Instagram
A pressão para um namorado
Priscila Santos conta que era pressionada a encontrar um namorado. “Ficavam com a questão de ‘vai ficar para a titia’. Esses comentários fazem com que mulheres se relacionem com homens por carência ou medo de ficarem sozinhas. Não acho errado se relacionar e querer casar, ter filhos… mas não quero que seja por pressão.”
Ela conta que sempre questionou esses padrões esperados pela sociedade.
“Pensam sempre que a mulher tem que ter uma família, namorar, noivar, casar e ter filhos. Até namorados de amigas minhas falaram que têm amigos e podem me apresentar. A questão não é essa. Eu não quero”.
Michele Alves também se sentia pressionada. “Você sente que fica para trás”. Mas, fora do ciclo da sua família, que mora em um vilarejo na Bahia, ela vê amigos da mesma idade que também não estão em relacionamentos.
“Foi ficando melhor conforme fui criando novos ciclos sociais. Como cresci em um contexto religioso, entendi que o nosso principal objetivo na Terra é ter a vocação do matrimônio. Tenho essa pressão para ter família e filhos, porque é o que a Igreja espera de você. Sofria muita pressão da minha mãe também. Tenho uma irmã mais nova que começou a namorar com 15 e casou aos 19, então a pressão aumenta. De onde venho, chamam as pessoas que não conseguiram casar de ‘moça velha'”, revela.
Ela conta que seu principal objetivo é a autonomia. “Antes, as mulheres eram ‘obrigadas’ a formar uma família para sair de casa. O mundo mudou bastante e não precisamos de parceiros para nos sustentar e ter nossas próprias coisas, tomar novas decisões”, dispara.
Entre o medo e a escolha
A psicóloga Natália Aguilar, especialista em relações interpessoais, diz que a insegurança de explorar o mundo, o medo de arriscar e a dificuldade para confiar no outro são as principais causas que impedem mulheres de se entregarem a um relacionamento. “Muitas vezes, acredita que esse outro mundo é extremamente perigoso, por isso não se permitem essa vivência”, analisa.
Ela também entende que, atualmente, pelo fato das mulheres terem conquistado um espaço na sociedade, a construção de família tem sido colocada em segundo plano, não sendo mais uma prioridade.
“A ausência de relacionamentos pode estar ligada à fantasia de que, depois dos 30, elas estarão estabilizadas financeiramente, emocionalmente, e aí sim poderão se entregar a um relacionamento, por serem adultas. Mas, se a gente for considerar a teoria do apego, isso não necessariamente é uma verdade”.
A teoria do apego diz que nós nos apegamos na primeira infância a alguém mais forte e mais inteligente para nos proteger. Mas, nós desenvolvemos ao longo da vida alguns estilos de apego, segundo cuidados que vamos recebendo. Com os cuidados afetivos, podemos nos tornar pessoas mais seguras, sendo mais impulsionadas para a exploração do mundo. Porém, quando isso não acontece, há uma ausência.
“Quanto mais seguras forem essas relações [na infância], mais seguro vou conseguir replicar isso na minha vida adulta. Agora, quanto mais inseguras essas relações forem, mais eu vou replicar um modelo inseguro na minha vida adulta” – psicóloga Natália Aguilar
Solteirice até os 30 é uma tendência?
Priscila Santos conta que se surpreendeu com as respostas que seu vídeo no TikTok desabafando sobre o fato de nunca ter namorado. “Fiquei com medo e ansiedade para ler, mas a maioria das mulheres falou que estou certa e que também pensa assim. Alguns comentaram que, quando estiver mais velha, vou sofrer, por não ter família. Não penso assim. Quando estiver mais velha, ainda terei meu irmão, primos…”, alega.
Ela, no entanto, acredita no amor e espera encontrar sua alma gêmea um dia. “Meus pais estão juntos desde que se conheceram e acho que as pessoas antigamente tinham relacionamentos mais duradouros.”
Depois de 30 anos solteira, Michele Alves conheceu namorado em intercâmbio à Inglaterra
Reprodução/Instagram
Michele Alves afirma que só recentemente, após os 30, conseguiu engatar um relacionamento. Tudo começou quando ela decidiu usar um aplicativo de relacionamento durante uma viagem de intercâmbio. Depois de muitas conversas frustradas, ela acabou conversando com aquele que se tornaria o seu namorado. “Estava sozinha e super triste, só fazia coisas no fim de semana com a minha host famíly [família que a hospedou] e fui ficando depressiva. Então, conversando com ele, percebi que não estava apenas cumprindo o protocolo do aplicativo, então marcamos de jantar.” Depois de alguns encontros, eles decidiram namorar e estão juntos até hoje, cultivando um relacionamento à distância.
Ela entende que, apesar do seu possível “final feliz”, muitas mulheres seguem sofrendo com a pressão para terem um namorado. “Na minha cidade, no interior da Bahia, somos criadas entendendo que as filhas mais novas tinham obrigação de cuidar dos pais, então era o destino delas virar moças velhas. Ou você se casava, ou ficava perto dos pais para cuidar deles”, relata.
O fim do amor?
Para a psicóloga Natalia Aguiar, é preciso que os indivíduos se lembrem do valor das relações interpessoais. “De forma nenhuma o amor acabou. Inclusive, acredito que nós, enquanto seres humanos, não fomos feitos para vivermos sozinhos. Nós precisamos uns dos outros e precisamos estar com o outro, seja em um relacionamento, seja em uma família, seja em um ciclo de amizades… nós precisamos do outro porque somos, sim, seres dependentes. Nós dependemos dos outros para viver. Não somos bichos, somos humanos”, defende a psicóloga.
Ela defende que os cuidados do outro são parte fundamental do crescimento humano. “A gente se apegar a alguém é uma necessidade tanto quanto comer, beber, se alimentar ou dormir — é uma necessidade fisiológica. Então, para garantir a nossa sobrevivência, precisamos estar apegados a alguém mais forte, mais inteligente e mais sábio do que nós, especialmente lá na primeira infância. Mas a necessidade de apego percorre toda a vida.”
Trend que ganhou força no TikTok ajudou meninas a se sentirem menos pressionadas com o fato de estarem solteiras na idade adulta Em seu livro “A gente mira no amor, mas acerta na solidão”, a psicanalista e professora Ana Suy trata do conceito psicanalítico da falta que há em cada ser humano e nossa busca incessante em saná-la. Muitas vezes, preenchemos esse buraco com o amor romântico.
Mas e quando isso buscamos outro caminho?
Nos últimos tempos, uma trend tomou conta do TikTok. Nela, mulheres de 30 anos ou mais que nunca namoraram contam suas histórias. Elas falam do foco na carreira, traumas do passado e até mesmo de um bloqueio emocional.
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Em entrevista a Marie Claire, duas delas detalham duas experiências que a levaram a se distanciarem do amor, comportamento que tem se tornado cada vez mais comum.
‘Foquei em estudar’
A empreendedora Priscilla de Oliveira dos Santos conta que, desde pequena, lida com questões relacionadas à sua aparência. Vítima de bullying dos meninos na época escolar, ela disse que viu amigas com namoros complicados e pensava que não gostaria de estar no mesmo lugar. “Foquei em estudar”, justifica. Ela, que relata não ter ficado com ninguém desde 2015, se identifica como heterossexual, apesar de não querer um namoro. “Tenho atração por meninos, só não tenho vontade de um relacionamento.”
“Me considero tímida e fechada, não gosto dessa ideia de sair em encontros e conhecer alguém. Alguns homens chegam em mim e tenho convivência com outros que falam sobre querer sair comigo, mas recuso todos porque não tenho interesse no momento”.
Priscilla de Oliveira dos Santos é solteira e beijou pela última vez em 2015, por preferir manter foco na vida profissional
Arquivo pessoal
Para a influenciadora digital Michele Alves, a história é um pouco diferente. Ela se preparou para ser freira até os seus 19 anos. Isso fez com que ela não tivesse a oportunidade de viver uma fase de conhecer pessoas e namorá-las. “Todos os interesses que tinha não eram o bastante para querer o namoro. Fiquei com pouquíssimas pessoas nesse tempo”, conta. Ao decidir mudar o foco da sua vida, passou a se dedicar aos estudos até os 30.
“Passei muito tempo em análise para tentar entender [o fato de nunca ter namorado]. Entendi que haviam duas questões: primeiro, o fator religioso e; segundo, o fato de eu sempre ter novas pessoas na minha vida.”
Ela, que nasceu na Bahia, se mudou para São Paulo aos 12 anos de idade, estudou em um curso pré-vestibular e entrou na universidade. A mudança de endereços em sequência a impediu de criar raízes fortes o suficiente.
Michele Alves queria se tornar freira e, depois disso, dedicou mais uma década sem namoros para focar nos estudos
Reprodução/Instagram
A pressão para um namorado
Priscila Santos conta que era pressionada a encontrar um namorado. “Ficavam com a questão de ‘vai ficar para a titia’. Esses comentários fazem com que mulheres se relacionem com homens por carência ou medo de ficarem sozinhas. Não acho errado se relacionar e querer casar, ter filhos… mas não quero que seja por pressão.”
Ela conta que sempre questionou esses padrões esperados pela sociedade.
“Pensam sempre que a mulher tem que ter uma família, namorar, noivar, casar e ter filhos. Até namorados de amigas minhas falaram que têm amigos e podem me apresentar. A questão não é essa. Eu não quero”.
Michele Alves também se sentia pressionada. “Você sente que fica para trás”. Mas, fora do ciclo da sua família, que mora em um vilarejo na Bahia, ela vê amigos da mesma idade que também não estão em relacionamentos.
“Foi ficando melhor conforme fui criando novos ciclos sociais. Como cresci em um contexto religioso, entendi que o nosso principal objetivo na Terra é ter a vocação do matrimônio. Tenho essa pressão para ter família e filhos, porque é o que a Igreja espera de você. Sofria muita pressão da minha mãe também. Tenho uma irmã mais nova que começou a namorar com 15 e casou aos 19, então a pressão aumenta. De onde venho, chamam as pessoas que não conseguiram casar de ‘moça velha'”, revela.
Ela conta que seu principal objetivo é a autonomia. “Antes, as mulheres eram ‘obrigadas’ a formar uma família para sair de casa. O mundo mudou bastante e não precisamos de parceiros para nos sustentar e ter nossas próprias coisas, tomar novas decisões”, dispara.
Entre o medo e a escolha
A psicóloga Natália Aguilar, especialista em relações interpessoais, diz que a insegurança de explorar o mundo, o medo de arriscar e a dificuldade para confiar no outro são as principais causas que impedem mulheres de se entregarem a um relacionamento. “Muitas vezes, acredita que esse outro mundo é extremamente perigoso, por isso não se permitem essa vivência”, analisa.
Ela também entende que, atualmente, pelo fato das mulheres terem conquistado um espaço na sociedade, a construção de família tem sido colocada em segundo plano, não sendo mais uma prioridade.
“A ausência de relacionamentos pode estar ligada à fantasia de que, depois dos 30, elas estarão estabilizadas financeiramente, emocionalmente, e aí sim poderão se entregar a um relacionamento, por serem adultas. Mas, se a gente for considerar a teoria do apego, isso não necessariamente é uma verdade”.
A teoria do apego diz que nós nos apegamos na primeira infância a alguém mais forte e mais inteligente para nos proteger. Mas, nós desenvolvemos ao longo da vida alguns estilos de apego, segundo cuidados que vamos recebendo. Com os cuidados afetivos, podemos nos tornar pessoas mais seguras, sendo mais impulsionadas para a exploração do mundo. Porém, quando isso não acontece, há uma ausência.
“Quanto mais seguras forem essas relações [na infância], mais seguro vou conseguir replicar isso na minha vida adulta. Agora, quanto mais inseguras essas relações forem, mais eu vou replicar um modelo inseguro na minha vida adulta” – psicóloga Natália Aguilar
Solteirice até os 30 é uma tendência?
Priscila Santos conta que se surpreendeu com as respostas que seu vídeo no TikTok desabafando sobre o fato de nunca ter namorado. “Fiquei com medo e ansiedade para ler, mas a maioria das mulheres falou que estou certa e que também pensa assim. Alguns comentaram que, quando estiver mais velha, vou sofrer, por não ter família. Não penso assim. Quando estiver mais velha, ainda terei meu irmão, primos…”, alega.
Ela, no entanto, acredita no amor e espera encontrar sua alma gêmea um dia. “Meus pais estão juntos desde que se conheceram e acho que as pessoas antigamente tinham relacionamentos mais duradouros.”
Depois de 30 anos solteira, Michele Alves conheceu namorado em intercâmbio à Inglaterra
Reprodução/Instagram
Michele Alves afirma que só recentemente, após os 30, conseguiu engatar um relacionamento. Tudo começou quando ela decidiu usar um aplicativo de relacionamento durante uma viagem de intercâmbio. Depois de muitas conversas frustradas, ela acabou conversando com aquele que se tornaria o seu namorado. “Estava sozinha e super triste, só fazia coisas no fim de semana com a minha host famíly [família que a hospedou] e fui ficando depressiva. Então, conversando com ele, percebi que não estava apenas cumprindo o protocolo do aplicativo, então marcamos de jantar.” Depois de alguns encontros, eles decidiram namorar e estão juntos até hoje, cultivando um relacionamento à distância.
Ela entende que, apesar do seu possível “final feliz”, muitas mulheres seguem sofrendo com a pressão para terem um namorado. “Na minha cidade, no interior da Bahia, somos criadas entendendo que as filhas mais novas tinham obrigação de cuidar dos pais, então era o destino delas virar moças velhas. Ou você se casava, ou ficava perto dos pais para cuidar deles”, relata.
O fim do amor?
Para a psicóloga Natalia Aguiar, é preciso que os indivíduos se lembrem do valor das relações interpessoais. “De forma nenhuma o amor acabou. Inclusive, acredito que nós, enquanto seres humanos, não fomos feitos para vivermos sozinhos. Nós precisamos uns dos outros e precisamos estar com o outro, seja em um relacionamento, seja em uma família, seja em um ciclo de amizades… nós precisamos do outro porque somos, sim, seres dependentes. Nós dependemos dos outros para viver. Não somos bichos, somos humanos”, defende a psicóloga.
Ela defende que os cuidados do outro são parte fundamental do crescimento humano. “A gente se apegar a alguém é uma necessidade tanto quanto comer, beber, se alimentar ou dormir — é uma necessidade fisiológica. Então, para garantir a nossa sobrevivência, precisamos estar apegados a alguém mais forte, mais inteligente e mais sábio do que nós, especialmente lá na primeira infância. Mas a necessidade de apego percorre toda a vida.”
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