Confirmando as expectativas do governo federal e de grande parte do mercado financeiro, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil encerrou o ano de 2024 com um crescimento robusto, de 3,4%, na comparação com o ano anterior.
O que aconteceu
- No ano passado, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB brasileiro foi de R$ 11,7 trilhões.
- Os setores de serviços (3,7%) e indústria (3,3%) registraram alta, enquanto a agropecuária recuou (-3,2%), de acordo com dados do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais.
- No quarto trimestre de 2024, na comparação com o mesmo período do ano anterior, o PIB do Brasil cresceu 0,2% – o que indica uma desaceleração na economia do país nos últimos três meses do ano passado.
A maré pode virar
Apesar de o bom desempenho do PIB ter vindo em linha com as projeções da maioria dos analistas do mercado, a expectativa para 2025 é bem diferente.
De acordo com o último Relatório Focus, divulgado na quarta-feira (5/3) pelo Banco Central (BC), o PIB do Brasil deve fechar 2025 registrando uma alta bem mais modesta, de 2,01%.
Há quatro semanas, os analistas consultados pelo BC projetavam um crescimento de 2,06% para este ano.
Já para 2026, último ano do governo Lula, o mercado financeiro espera que a economia do Brasil avance apenas 1,7%.
“A economia brasileira vem dando sinais mais claros de desaceleração desde o início do trimestre passado, com as baixas nas sondagens mensais. O impulso fiscal do governo e o impulso monetário visto desde o início do ano estão se desacelerando, bem como o ritmo de expansão dos salários”, avalia o economista Maykon Douglas.
“Tal perda de ritmo é mais notável na parcela mais sensível ao crédito, dada a enorme virada de chave pelo BC, ao mesmo tempo em que o desemprego ainda está baixo. Assim, esse panorama tende a se manter ao longo de 2025, sobretudo no segundo semestre, quando tiver passado o efeito do agro mais forte este ano e a economia sentir mais os efeitos do ciclo monetário”, afirma.
Recessão técnica no radar?
Uma série de indicadores divulgados nos últimos meses retratam um movimento de desaceleração em diversos setores e reforçam em parte do mercado a percepção de que a maré está virando – e que o Brasil pode até, no limite, entrar na chamada “recessão técnica” até o fim de 2025.
Pelo menos seis instituições financeiras – Bradesco, Banco BV, Ativa Investimentos, Monte Bravo, Nova Futura e Tendências – já apontam para um cenário de recessão técnica no segundo semestre deste ano. Tecnicamente, ela ocorre quando há dois trimestres consecutivos de queda do Produto Interno Bruto (PIB). Em outras palavras, o país teria uma perda no valor de seus bens e serviços por um período de pelo menos 6 meses.
Segundo Carlos Lopes, economista do BV, a recessão técnica do Brasil só não virá antes da segunda metade do ano por causa das excelentes perspectivas do agronegócio. A expectativa é a de que a safra de grãos, especialmente da soja, bata recorde no primeiro trimestre, o que impulsionará o PIB.
“É bem provável que aconteça uma recessão na segunda metade do ano. Embora esse processo já esteja acontecendo em alguns setores, como indústria e serviços, temos ainda uma ajuda muito grande do agronegócio, que terá uma produção espetacular no primeiro trimestre, o que ajuda o PIB. Outro fator é o mercado de trabalho, que, mesmo com alguns sinais de enfraquecimento, segue muito forte, com crescimento acelerado da renda. Isso tende a sustentar o consumo nos próximos meses”, explica Lopes.
O efeito dos juros altos
Se o “pibão” dos dois primeiros anos do governo Lula – a economia do país já havia crescido 2,9% em 2023 – dificilmente será repetido, as perspectivas para 2025 e 2026 ficam cada vez menos otimistas, à medida que o BC reforça a sinalização de que a taxa básica de juros (Selic) vai continuar subindo para tentar controlar a inflação.
Segundo economistas ouvidos pela reportagem do Metrópoles, o aperto monetário levado a cabo pelo BC, com a sequência de quatro aumentos seguidos na Selic, atualmente em 13,25% ao ano, é o principal fator para o desaquecimento da economia e pode intensificar a recessão técnica que entrou no radar dos analistas.
“Esse é o objetivo do BC. Quando deixa o país com uma taxa real de juro de cerca de 9% [taxa nominal da Selic descontada a inflação], que é um parâmetro completamente distorcido da nossa média histórica, o BC faz uma política monetária de contração, com uma trajetória restritiva de liquidez de crédito na economia. A recessão técnica é algo desejado pelo BC. Ele quer contrair a economia”, afirma Carla Beni, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e conselheira do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP).
“Quando uma empresa pega o Boletim Focus, ela vai ver que, até 2027, não há nenhuma perspectiva de a Selic voltar a um patamar de um dígito. Essa empresa vai deixar de investir aqui. A economia é feita de trajetória e expectativa, e há uma sinalização de manutenção dessa taxa real de juros mais elevada até 2028, o que desestimula demais a parte da economia que produz bens e serviços”, prossegue a economista.
Beni observa que, em breve, o mercado de trabalho deve começar a ser mais duramente afetado por uma política monetária mais austera. “O investimento de hoje é o emprego de amanhã. Se você começa a contrair a economia, o desemprego vai começar a não cair mais a partir do segundo semestre, intensificando esse cenário no ano que vem. Outro grande problema é o custo financeiro do crédito. O brasileiro tem uma renda média baixa, o varejo depende muito do parcelamento, e estamos com um alto grau de endividamento da população. O bolso vai ficando curto”, afirma.
Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, o colegiado afirma que o cenário-base da economia para os próximos meses é de desaceleração da atividade, como consequência da elevação dos juros para combater a pressão inflacionária.
“Se o BC sinaliza que vai continuar subindo os juros, haverá cada vez menos pessoas dispostas a colocar dinheiro na produção. Para o segundo semestre, isso pode realmente ser um movimento mais forte de contração da economia”, emenda Carla Beni.
Segundo as estimativas do Focus, os juros básicos devem fechar 2025 em 15% ao ano. Em 2026, a Selic deve diminuir para 12,25% e, em 2027, para 10,5% – até chegar a 10% em 2028, ainda em dois dígitos.
A taxa básica de juros é o principal instrumento do BC para controlar a inflação. A Selic é utilizada nas negociações de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) e serve de referência para as demais taxas da economia.
Quando o Copom aumenta os juros, como agora, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Assim, taxas mais altas também podem conter a atividade econômica.
Ao reduzir a Selic, por outro lado, a tendência é a de que o crédito fique mais barato, com incentivo à produção e ao consumo, reduzindo o controle da inflação e estimulando a atividade econômica. Não é o que se deve esperar neste momento.
Em janeiro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, ficou em 0,16%, o que representou uma desaceleração em relação a dezembro (0,52%). No acumulado de 2024, a inflação no país foi de 4,83%.
Segundo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta de inflação para o ano passado era de 3%. Como havia um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, a meta seria cumprida se ficasse entre 1,75% e 4,75% – o que não ocorreu.
Desde que o sistema de metas de inflação foi implantado no Brasil, em 1999, foi a oitava vez que o alvo para o IPCA não foi alcançado. Para 2025, a meta de inflação também é de 3%.
Fiscal joga contra
Outro ponto considerado sensível pelo mercado é a desconfiança em relação ao efetivo compromisso do governo Lula com o equilíbrio fiscal. De acordo com relatório da Ativa Investimentos, o pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), no fim do ano passado, não foi suficiente para sinalizar ao mercado que é possível reorganizar as contas públicas. “Ajustes fiscais mais profundos e estruturais são indispensáveis para restaurar a credibilidade e a previsibilidade econômica”, diz a instituição.
No cenário externo, o governo de Donald Trump nos Estados Unidos e o temor acerca de uma possível guerra comercial entre algumas das maiores potências do mundo acabam adicionando ainda mais imprevisibilidade à equação econômica desenhada pelos analistas do mercado.
“A crise de confiança tem um peso grande. Ela não é uma crença, mas vem da observação dos números. Olhamos para as projeções de inflação e não vemos uma convergência para a meta nem para horizontes mais longos em que a conjuntura já não tem um peso tão grande. Também não se acredita que tenhamos uma estabilização da dívida pública até pelo menos 2033”, conclui Carlos Lopes, do BV.
Confirmando as expectativas do governo federal e de grande parte do mercado financeiro, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil encerrou o ano de 2024 com um crescimento robusto, de 3,4%, na comparação com o ano anterior.
O que aconteceu
- No ano passado, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB brasileiro foi de R$ 11,7 trilhões.
- Os setores de serviços (3,7%) e indústria (3,3%) registraram alta, enquanto a agropecuária recuou (-3,2%), de acordo com dados do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais.
- No quarto trimestre de 2024, na comparação com o mesmo período do ano anterior, o PIB do Brasil cresceu 0,2% – o que indica uma desaceleração na economia do país nos últimos três meses do ano passado.
A maré pode virar
Apesar de o bom desempenho do PIB ter vindo em linha com as projeções da maioria dos analistas do mercado, a expectativa para 2025 é bem diferente.
De acordo com o último Relatório Focus, divulgado na quarta-feira (5/3) pelo Banco Central (BC), o PIB do Brasil deve fechar 2025 registrando uma alta bem mais modesta, de 2,01%.
Há quatro semanas, os analistas consultados pelo BC projetavam um crescimento de 2,06% para este ano.
Já para 2026, último ano do governo Lula, o mercado financeiro espera que a economia do Brasil avance apenas 1,7%.
“A economia brasileira vem dando sinais mais claros de desaceleração desde o início do trimestre passado, com as baixas nas sondagens mensais. O impulso fiscal do governo e o impulso monetário visto desde o início do ano estão se desacelerando, bem como o ritmo de expansão dos salários”, avalia o economista Maykon Douglas.
“Tal perda de ritmo é mais notável na parcela mais sensível ao crédito, dada a enorme virada de chave pelo BC, ao mesmo tempo em que o desemprego ainda está baixo. Assim, esse panorama tende a se manter ao longo de 2025, sobretudo no segundo semestre, quando tiver passado o efeito do agro mais forte este ano e a economia sentir mais os efeitos do ciclo monetário”, afirma.
Recessão técnica no radar?
Uma série de indicadores divulgados nos últimos meses retratam um movimento de desaceleração em diversos setores e reforçam em parte do mercado a percepção de que a maré está virando – e que o Brasil pode até, no limite, entrar na chamada “recessão técnica” até o fim de 2025.
Pelo menos seis instituições financeiras – Bradesco, Banco BV, Ativa Investimentos, Monte Bravo, Nova Futura e Tendências – já apontam para um cenário de recessão técnica no segundo semestre deste ano. Tecnicamente, ela ocorre quando há dois trimestres consecutivos de queda do Produto Interno Bruto (PIB). Em outras palavras, o país teria uma perda no valor de seus bens e serviços por um período de pelo menos 6 meses.
Segundo Carlos Lopes, economista do BV, a recessão técnica do Brasil só não virá antes da segunda metade do ano por causa das excelentes perspectivas do agronegócio. A expectativa é a de que a safra de grãos, especialmente da soja, bata recorde no primeiro trimestre, o que impulsionará o PIB.
“É bem provável que aconteça uma recessão na segunda metade do ano. Embora esse processo já esteja acontecendo em alguns setores, como indústria e serviços, temos ainda uma ajuda muito grande do agronegócio, que terá uma produção espetacular no primeiro trimestre, o que ajuda o PIB. Outro fator é o mercado de trabalho, que, mesmo com alguns sinais de enfraquecimento, segue muito forte, com crescimento acelerado da renda. Isso tende a sustentar o consumo nos próximos meses”, explica Lopes.
O efeito dos juros altos
Se o “pibão” dos dois primeiros anos do governo Lula – a economia do país já havia crescido 2,9% em 2023 – dificilmente será repetido, as perspectivas para 2025 e 2026 ficam cada vez menos otimistas, à medida que o BC reforça a sinalização de que a taxa básica de juros (Selic) vai continuar subindo para tentar controlar a inflação.
Segundo economistas ouvidos pela reportagem do Metrópoles, o aperto monetário levado a cabo pelo BC, com a sequência de quatro aumentos seguidos na Selic, atualmente em 13,25% ao ano, é o principal fator para o desaquecimento da economia e pode intensificar a recessão técnica que entrou no radar dos analistas.
“Esse é o objetivo do BC. Quando deixa o país com uma taxa real de juro de cerca de 9% [taxa nominal da Selic descontada a inflação], que é um parâmetro completamente distorcido da nossa média histórica, o BC faz uma política monetária de contração, com uma trajetória restritiva de liquidez de crédito na economia. A recessão técnica é algo desejado pelo BC. Ele quer contrair a economia”, afirma Carla Beni, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e conselheira do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP).
“Quando uma empresa pega o Boletim Focus, ela vai ver que, até 2027, não há nenhuma perspectiva de a Selic voltar a um patamar de um dígito. Essa empresa vai deixar de investir aqui. A economia é feita de trajetória e expectativa, e há uma sinalização de manutenção dessa taxa real de juros mais elevada até 2028, o que desestimula demais a parte da economia que produz bens e serviços”, prossegue a economista.
Beni observa que, em breve, o mercado de trabalho deve começar a ser mais duramente afetado por uma política monetária mais austera. “O investimento de hoje é o emprego de amanhã. Se você começa a contrair a economia, o desemprego vai começar a não cair mais a partir do segundo semestre, intensificando esse cenário no ano que vem. Outro grande problema é o custo financeiro do crédito. O brasileiro tem uma renda média baixa, o varejo depende muito do parcelamento, e estamos com um alto grau de endividamento da população. O bolso vai ficando curto”, afirma.
Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, o colegiado afirma que o cenário-base da economia para os próximos meses é de desaceleração da atividade, como consequência da elevação dos juros para combater a pressão inflacionária.
“Se o BC sinaliza que vai continuar subindo os juros, haverá cada vez menos pessoas dispostas a colocar dinheiro na produção. Para o segundo semestre, isso pode realmente ser um movimento mais forte de contração da economia”, emenda Carla Beni.
Segundo as estimativas do Focus, os juros básicos devem fechar 2025 em 15% ao ano. Em 2026, a Selic deve diminuir para 12,25% e, em 2027, para 10,5% – até chegar a 10% em 2028, ainda em dois dígitos.
A taxa básica de juros é o principal instrumento do BC para controlar a inflação. A Selic é utilizada nas negociações de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) e serve de referência para as demais taxas da economia.
Quando o Copom aumenta os juros, como agora, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Assim, taxas mais altas também podem conter a atividade econômica.
Ao reduzir a Selic, por outro lado, a tendência é a de que o crédito fique mais barato, com incentivo à produção e ao consumo, reduzindo o controle da inflação e estimulando a atividade econômica. Não é o que se deve esperar neste momento.
Em janeiro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, ficou em 0,16%, o que representou uma desaceleração em relação a dezembro (0,52%). No acumulado de 2024, a inflação no país foi de 4,83%.
Segundo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta de inflação para o ano passado era de 3%. Como havia um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, a meta seria cumprida se ficasse entre 1,75% e 4,75% – o que não ocorreu.
Desde que o sistema de metas de inflação foi implantado no Brasil, em 1999, foi a oitava vez que o alvo para o IPCA não foi alcançado. Para 2025, a meta de inflação também é de 3%.
Fiscal joga contra
Outro ponto considerado sensível pelo mercado é a desconfiança em relação ao efetivo compromisso do governo Lula com o equilíbrio fiscal. De acordo com relatório da Ativa Investimentos, o pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), no fim do ano passado, não foi suficiente para sinalizar ao mercado que é possível reorganizar as contas públicas. “Ajustes fiscais mais profundos e estruturais são indispensáveis para restaurar a credibilidade e a previsibilidade econômica”, diz a instituição.
No cenário externo, o governo de Donald Trump nos Estados Unidos e o temor acerca de uma possível guerra comercial entre algumas das maiores potências do mundo acabam adicionando ainda mais imprevisibilidade à equação econômica desenhada pelos analistas do mercado.
“A crise de confiança tem um peso grande. Ela não é uma crença, mas vem da observação dos números. Olhamos para as projeções de inflação e não vemos uma convergência para a meta nem para horizontes mais longos em que a conjuntura já não tem um peso tão grande. Também não se acredita que tenhamos uma estabilização da dívida pública até pelo menos 2033”, conclui Carlos Lopes, do BV.