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Maioria envergonhada
por Antonio Machado
Com a reforma ministerial do governo se revelando um troca-troca entre petistas visando apenas a reeleição, apesar de o presidente Lula ser minoritário no Congresso, o foco das atenções começa a mudar para a nova direção da Câmara e do Senado. O que ela fará?
A questão crucial passa a ser se os novos dirigentes serão apenas gestores de emendas parlamentares ou vão atuar como líderes de um dos três poderes da República, conscientes da gravidade do momento no mundo sem lei e do mais forte de Trump. A resposta é decisiva.
Com poucas expectativas de mudanças de fundo, já que o presidente abriu precocemente a campanha sucessória no fim do ano passado e demarcou território ao anunciar que déficit fiscal é “bobagem” e é usado por quem está “querendo viver de especulação”, que “quem faz o PIB crescer não é o patrão, é o povo que trabalha”, ele chamou a oposição para a briga. E oposição não é bem Bolsonaro, inabilitado pelo TSE até 2030 e sujeito a ser condenado à prisão pelo STF pela tentativa de insurreição em 8 de janeiro de 2023.
Oposição, de fato, deveria ser a representada pelos partidos que comandam mais de dois terços das bancadas de deputados e senadores por vontade do eleitor (e pelos sortilégios das verbas das emendas ao orçamento federal e do fundo partidário). É uma oposição, lato sensu, com visão e crenças homogêneas – tanto quanto a dos partidos de esquerda que orbitam o PT. Razões espúrias a dividem.
O acesso ampliado às emendas, originalmente restritas somente às de liberação individual por parlamentar conforme a Constituição, e o fundo bilionário com dinheiro público que sustenta os partidos são os fatores que conspurcaram a atividade parlamentar, levando a segundo plano as questões nacionais e o desenvolvimento – trocados pela ânsia por verbas para injetar nos feudos eleitorais.
Destes males o empresariado foi cúmplice. Afastou-se muito mais do que a prudência recomenda do mundo político, indo a ele apenas para influenciar decisões setoriais ou tirar proveito de projetos de lei (como os tais “jabutis”, inclusões alheias ao objetivo da proposição votada). Tais vícios permearam todos os governos desde a redemocratização. Os sinais, hoje, são de exaustão absoluta.
Satisfeitos com desaforos
A se crer no que acontece no mundo, onde o governante no poder é derrotado e substituído por opções não convencionais (tipo Trump, e pela segunda vez), e as pesquisas aqui corroboram, espera-se que os interessados na sorte do país, e eles existem, pensem maior.
O álibi da governabilidade não tem que implicar, necessariamente, essa vida dupla da parcela majoritária no eleitorado dos partidos de centro e de centro-direita, que elegem seus representantes como antítese do PT e depois correm para pegar uma boquinha com Lula.
Isso se volta contra o próprio Congresso, hoje com a avaliação mais baixa entre as instituições da República. Um economista, em artigo recente, disse que o Congresso tem de ser responsabilizado também pela irresponsabilidade fiscal. Num evento do BTG, um dos personagens do mercado financeiro respondeu a uma pergunta sobre o motivo de o ano ter começado calmo nos indicadores do câmbio e dos juros dizendo que se devia ao “recesso do Congresso”.
Gracinhas à parte, a verdade é que se a maioria conservadora no Congresso não tivesse apoiado os projetos dos governos Lula 1 e 2 e mesmo da Dilma, em seu primeiro mandato, não teria havido nem o Bolsa Família nem o PAC, o programa de obras de infraestrutura.
O estranho é que nenhum desses partidos ditos “aliados” chamou algum dia para si o mérito compartilhado dos programas populares, que viraram marca dos governos petistas. Nem contestaram o mau juízo que os afeta com o argumento da governabilidade.
Sem diferencial inovador
Falar sério sobre o presente e o amanhã do país deveria começar pela conceituação apropriada, por exemplo, do desempenho do PIB em 2024. Cresceu 3,4% (ou 2,94%, com o ajuste por dias úteis, que vão ser menos neste ano). Foi o quarto ano seguido de aumento acima da média de 10 anos, um bom resultado, sim. Mas não excepcional. Tais aumentos os EUA vêm tendo há anos, embora sua decadência econômica seja visível, além do enorme mal-estar social.
Como destaca o economista Fernando Montero, o crescimento contou com um forte aditivo de 5 pontos de percentagem do PIB de gastos públicos de 2022 a meados de 2024, sobretudo transferências de renda (mais de 25 milhões de pessoas foram incorporadas desde o convencimento por Bolsonaro de que bolsa social é feita para gerar resultado eleitoral, não bem eliminar a pobreza de forma perene).
O investimento ano passado chegou a 17% do PIB, outra rubrica que teve destaque. Só que países emergentes bem-sucedidos crescem sua taxa de investimentos a um ritmo acima de 23 a 25% do PIB há mais de duas décadas. E, excluindo o gasto em infraestrutura, o grosso do que se investe no Brasil, especialmente em manufatura, é para a reprodução do que já está defasado em boa parte do mundo.
Não há o diferencial inovador que fez a China, seguido de Índia, Coreia do Sul, pôr a manufatura e a tecnologia dos EUA a reboque.
Cadê o instinto da política?
Quando se verifica o que está mudando o mundo para valer e o que deu e continua dando certo nos países que espirocaram o cérebro de Trump, nós deveríamos estar do lado dos vencedores.
Tome-se a inteligência artificial. Em sua formação, os três itens mais relevantes são os dados digitais, semicondutores e a energia para alimentar os data centers. Desses, temos posição privilegiada na geração de energia, inclusive limpa. Mas, por falta de demanda e de rede de distribuição, boa parte foi desligada pelo Operador Nacional do Sistema, implicando fortes danos aos empreendedores.
Deveríamos estar voando com data centers escaláveis, mas com 15 órgãos federais cuidando da área é que não se vai a lugar algum. Nem ao menos conseguimos entregar a identidade digital única…
O resultado: nos últimos dez anos, a partir de 2015, o PIB da Índia foi o que mais cresceu no mundo, 77%, segundo o FMI. China, 74%; Turquia, 59%; EUA, 28%; média mundial, 35%. E nós? Meros 8%!
Está na hora de a (boa) política seguir o instinto, entender o que o eleitor procura e olhar para longe – 10, 20 anos à frente.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Maioria envergonhada
por Antonio Machado
Com a reforma ministerial do governo se revelando um troca-troca entre petistas visando apenas a reeleição, apesar de o presidente Lula ser minoritário no Congresso, o foco das atenções começa a mudar para a nova direção da Câmara e do Senado. O que ela fará?
A questão crucial passa a ser se os novos dirigentes serão apenas gestores de emendas parlamentares ou vão atuar como líderes de um dos três poderes da República, conscientes da gravidade do momento no mundo sem lei e do mais forte de Trump. A resposta é decisiva.
Com poucas expectativas de mudanças de fundo, já que o presidente abriu precocemente a campanha sucessória no fim do ano passado e demarcou território ao anunciar que déficit fiscal é “bobagem” e é usado por quem está “querendo viver de especulação”, que “quem faz o PIB crescer não é o patrão, é o povo que trabalha”, ele chamou a oposição para a briga. E oposição não é bem Bolsonaro, inabilitado pelo TSE até 2030 e sujeito a ser condenado à prisão pelo STF pela tentativa de insurreição em 8 de janeiro de 2023.
Oposição, de fato, deveria ser a representada pelos partidos que comandam mais de dois terços das bancadas de deputados e senadores por vontade do eleitor (e pelos sortilégios das verbas das emendas ao orçamento federal e do fundo partidário). É uma oposição, lato sensu, com visão e crenças homogêneas – tanto quanto a dos partidos de esquerda que orbitam o PT. Razões espúrias a dividem.
O acesso ampliado às emendas, originalmente restritas somente às de liberação individual por parlamentar conforme a Constituição, e o fundo bilionário com dinheiro público que sustenta os partidos são os fatores que conspurcaram a atividade parlamentar, levando a segundo plano as questões nacionais e o desenvolvimento – trocados pela ânsia por verbas para injetar nos feudos eleitorais.
Destes males o empresariado foi cúmplice. Afastou-se muito mais do que a prudência recomenda do mundo político, indo a ele apenas para influenciar decisões setoriais ou tirar proveito de projetos de lei (como os tais “jabutis”, inclusões alheias ao objetivo da proposição votada). Tais vícios permearam todos os governos desde a redemocratização. Os sinais, hoje, são de exaustão absoluta.
Satisfeitos com desaforos
A se crer no que acontece no mundo, onde o governante no poder é derrotado e substituído por opções não convencionais (tipo Trump, e pela segunda vez), e as pesquisas aqui corroboram, espera-se que os interessados na sorte do país, e eles existem, pensem maior.
O álibi da governabilidade não tem que implicar, necessariamente, essa vida dupla da parcela majoritária no eleitorado dos partidos de centro e de centro-direita, que elegem seus representantes como antítese do PT e depois correm para pegar uma boquinha com Lula.
Isso se volta contra o próprio Congresso, hoje com a avaliação mais baixa entre as instituições da República. Um economista, em artigo recente, disse que o Congresso tem de ser responsabilizado também pela irresponsabilidade fiscal. Num evento do BTG, um dos personagens do mercado financeiro respondeu a uma pergunta sobre o motivo de o ano ter começado calmo nos indicadores do câmbio e dos juros dizendo que se devia ao “recesso do Congresso”.
Gracinhas à parte, a verdade é que se a maioria conservadora no Congresso não tivesse apoiado os projetos dos governos Lula 1 e 2 e mesmo da Dilma, em seu primeiro mandato, não teria havido nem o Bolsa Família nem o PAC, o programa de obras de infraestrutura.
O estranho é que nenhum desses partidos ditos “aliados” chamou algum dia para si o mérito compartilhado dos programas populares, que viraram marca dos governos petistas. Nem contestaram o mau juízo que os afeta com o argumento da governabilidade.
Sem diferencial inovador
Falar sério sobre o presente e o amanhã do país deveria começar pela conceituação apropriada, por exemplo, do desempenho do PIB em 2024. Cresceu 3,4% (ou 2,94%, com o ajuste por dias úteis, que vão ser menos neste ano). Foi o quarto ano seguido de aumento acima da média de 10 anos, um bom resultado, sim. Mas não excepcional. Tais aumentos os EUA vêm tendo há anos, embora sua decadência econômica seja visível, além do enorme mal-estar social.
Como destaca o economista Fernando Montero, o crescimento contou com um forte aditivo de 5 pontos de percentagem do PIB de gastos públicos de 2022 a meados de 2024, sobretudo transferências de renda (mais de 25 milhões de pessoas foram incorporadas desde o convencimento por Bolsonaro de que bolsa social é feita para gerar resultado eleitoral, não bem eliminar a pobreza de forma perene).
O investimento ano passado chegou a 17% do PIB, outra rubrica que teve destaque. Só que países emergentes bem-sucedidos crescem sua taxa de investimentos a um ritmo acima de 23 a 25% do PIB há mais de duas décadas. E, excluindo o gasto em infraestrutura, o grosso do que se investe no Brasil, especialmente em manufatura, é para a reprodução do que já está defasado em boa parte do mundo.
Não há o diferencial inovador que fez a China, seguido de Índia, Coreia do Sul, pôr a manufatura e a tecnologia dos EUA a reboque.
Cadê o instinto da política?
Quando se verifica o que está mudando o mundo para valer e o que deu e continua dando certo nos países que espirocaram o cérebro de Trump, nós deveríamos estar do lado dos vencedores.
Tome-se a inteligência artificial. Em sua formação, os três itens mais relevantes são os dados digitais, semicondutores e a energia para alimentar os data centers. Desses, temos posição privilegiada na geração de energia, inclusive limpa. Mas, por falta de demanda e de rede de distribuição, boa parte foi desligada pelo Operador Nacional do Sistema, implicando fortes danos aos empreendedores.
Deveríamos estar voando com data centers escaláveis, mas com 15 órgãos federais cuidando da área é que não se vai a lugar algum. Nem ao menos conseguimos entregar a identidade digital única…
O resultado: nos últimos dez anos, a partir de 2015, o PIB da Índia foi o que mais cresceu no mundo, 77%, segundo o FMI. China, 74%; Turquia, 59%; EUA, 28%; média mundial, 35%. E nós? Meros 8%!
Está na hora de a (boa) política seguir o instinto, entender o que o eleitor procura e olhar para longe – 10, 20 anos à frente.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
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