Série “A imprensa e o poder”, publicada em dezembro de 1979 no Jornal da Tarde
Como funcionam os dois braços da Secom
Nesta reportagem de uma série, Luis Nassif mostra como o ministro Farhat dividiu sua estratégia de controle da informação em duas frentes principais
Num sistema de comunicação de massa, a verdade é proporcional à intensidade com que um fato é veiculado. Assim, pode haver duas formas eficientes de se defender das críticas: simplesmente censurá-las (quando há condições para tanto) ou encobri-las, com um alarido maior.
A Secretaria de Comunicação Social (Secom), evidentemente, não é partidária de soluções simplistas.
Assim, Farhat dividiu sua estratégia de controle da informação em duas frentes principais. De um lado, aceita a inevitabilidade da liberdade de Imprensa e trata de organizar formas eficientes de atuação junto aos órgãos privados.
Num primeiro momento, tenta-se impedir os vazamentos de informações oficiais, canalizando-as para o sistema de comunicação social do governo. Se esse objetivo for alcançado, dará à Secom um enorme poder de barganha para tratar com a Imprensa já que essa situação lhe conferirá monopólio de fato da distribuição da grande matéria-prima jornalística, que é a notícia do governo.
Ao mesmo tempo, a Secom planeja unificar todas as verbas publicitárias do governo, que hoje em dia é o grande anunciante, para a maioria das publicações. Concretizando esse esquema, nada a impediria de passar à pressão direta sobre as publicações. A não ser e á ressalva é dos próprios homens da Secom as propaladas convicções democrático-liberais do ministro Said Farhat, justamente o homem que está montando esse esquema.
Imprensa estatal
A segunda frente da estratégica de Farhat é a montagem de uma imprensa estatal. O primeiro passo será colocar em funcionamento o que se pretende seja uma superagência estatal de notícias, especializada em todo tipo de notícia oficial. Por meio dela, a Secom pretende transmitir o que ela chama de “verdade do governo” a todos os jornais e rádios do País.
Atualmente, por sua própria estrutura financeira e redacional, a maioria dos jornais acaba veiculando diretamente o que lhes é fornecido pelas agências de notícias. Não há condições de trabalharem a informação, analisarem-na, apresentar outros enfoques. Assim, as “verdades” da Secom poderão passar a ser transmitidas voluntariamente por uma imensa rede de pequenos jornais, sem que nenhuma outra “verdade” lhe faça concorrência.
Finalmente, se seus planos se concretizarem, a agência poderá tornar-se indispensável para grande parte dos pequenos jornais. E, como ós preços por esses serviços serão um objetivo secundário, haverá, na prática, uma política de dumping, que afastará a concorrência das agências privadas. Por outro lado, esse esquema poderá implicar um enfraquecimento financeiro ainda maior da Imprensa privada, que tem em suas agências uma forma de diluir seus custos.
Para a chamada imprensa falada, os planos são idênticos. Através da Radiobrás, a Secom começa a aparelhar a TV Nacional de Brasília, para que ela se torne a central produtora de uma nova rede de televisão, a ser constituída pelo aliciamento das emissoras independentes. E a Rádio Nacional de Brasília fará o mesmo com as emissoras de rádio.
“Objetividade”
E, para que não se acuse essa estrutura de se constituir num instrumento de controle ideológico, os homens da Secom costumam enfatizar que respeitarão estritamente os critérios de objetividade jornalística. Na recente cobertura da viagem de Figueiredo a Florianópolis a “objetividade” da Secom transmitiu as “verdades” do governo.
E, para seus leitores em Florianópolis, não houve vaias, incidentes, não colocaram a mãe do presidente em pauta, e ele não saiu para um desforço pessoal com os manifestantes.
EBN: fábrica de notícias
A estrutura do que se pretende seja a maior agência brasileira de notícias – a Empresa Brasileira de Notícias (EBN) – está instalada no edifício Venâncio, no setor comercial sul de Brasília, aguardando a remoção para dois andares reformados do edifício Toufik, a pouca distância dali.
A sua restruturação é recente. No início deste ano, Said Farhat encarregou o publicitário Apolônio Salles Júnior, 44 anos, de organizar um grupo de estudos para avaliar a situação da Agência Nacional e, com seus despojos, lançar as bases para a criação da EBN.
Velho frequentador dos meios oficiais, Salles Júnior voltou para o amplo regaço do governo, que o abrigou em seu primeiro emprego, como funcionário da extinta Superintendência de Moeda e Crédito (Sumoc). Em 1958, mesmo ano em que seu pai, o senador Apolônio Salles deixava a política, Salles Júnior entrava para o Senado, com o emprego de redator, ao qual ele acumulou o de secretário particular do ex-senador paulista Auro de Moura Andrade. Deixou a política em 1964, para acompanhar o irmão Mauro Salles, que assumia a direção da TV Globo. Seguiu com ele para a publicidade, tornando-se diretor da Salles Interamericana de Publicidade. E, finalmente, completou o percurso, voltando para um emprego público.
Com essa tríplice experiência – em coisas do governo, da comunicação e da publicidade – Salles Júnior organizou o grupo de estudos, composto por ele próprio, Arnaldo Luiz de Assis (ex-diretor geral da AN) e pelo jornalista Marco Antônio Kraemer, homem de Golbery na Assessoria de Imprensa do Planalto.
Levantamento
De maio a setembro o grupo procedeu a levantamentos do pessoal e equipamentos da AN, velha máquina de propaganda oficial, fundada há 43 anos, em plena época do Estado Novo e que, em vida, jamais passou de um enorme e esclerosado organismo burocrático..
De maio a setembro o grupo procedeu a levantamentos do pessoal e equipamentos da AN, velha máquina de propaganda oficial, fundada há 43 anos, em plena época do Estado Novo e que, em vida, jamais passou de um enorme e esclerosado organismo burocrático.
– Ela teve grande destaque na época do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP; uma espécie de Secom do Estado Novo) reconhece Salles Júnior. Depois decaiu.
Na verdade, o espírito que animou a sua criação esgotou-se em 1945, com o fim do Estado Novo. E a AN chegou aos dias atuais mais conhecida pelo passado de glórias da rádio Nacional do Rio-emissora que ela absorveu em 1940 do que pela eficácia da Voz do Brasil e de seus jornais semanais para cinema.
Quando Salles Júnior chegou, a antiga estrutura já estava esfacelada. As rádios, mais a TV Nacional de Brasília, já haviam sido absorvidas pela Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobrás). Mesmo assim, a AN conservava uma equipe de cerca de 700 funcionários, metade no Rio, o restante espalhado por 17 sucursais, em diversas capitais do País.
Esses funcionários foram enquadrados na categoria “quadro suplementar em extinção” inclusive 150 deles, que não possuíam contrato de trabalho com a AN- com a possibilidade de solicitar a transferência para a EBN desde que estivessem dispostos a se mudar para Brasília. A perspectiva da mudança acabou fazendo com que grande parte apressasse seus processos de aposentadoria.
Os superplanos da EBN
No Rio, a AN se distribuía por dois prédios, equipados com rede de telex, 14 máquinas de telefotos e um setor de cinema aparelhado para produzir documentários.
A EBN herdou esses equipamentos, mais os prédios públicos ocupados pela AN, mais uma dotação em espécie, perfazendo um total equivalente a Cr$ 90 milhões.
É com essa estrutura, enfim, que Salles pretende organizar a futura superagência estatal. Para tanto, ele dividiu a empresa em três diretorias – a de jornalismo, a de publicidade e a financeira. E confiou a primeira ao jornalista Luiz Adolpho Pinheiro, um mineiro que desembarcou em Brasília em 1970 e percorreu diversas redações importantes até estacionar em um emprego público na Assessoria de Imprensa do Ministério da Fazenda e numa coluna diária no Correio Braziliense.
Pinheiro, por sua vez, praticamente convocou toda a editoria de esportes do Correio Braziliense para seu “estado-maior”, lotando-a no departamento de jornalismo que será o encarregado de operar a agência. Para o outro departamento, de produção geral, encarregado de elaborar os documentários oficiais para cinema, foi convocado o jornalista mineiro Oswaldo Amorim, que trabalhava na sucursal brasiliense da Veja.
O departamento de Amorim é o que oferece menos dificuldades técnicas. A extinta AN era bem abastecida de equipamentos cinematográficos. Haverá apenas uma mudança de filosofia:
-Em vez de ficarmos filmando só o presidente – explica Amorim – nós vamos fazer documentários sobre os locais percorridos pelo presidente, e situá-lo nesses locais, sempre enfatizando atos e fatos da administração.
A rigor, haverá apenas uma dificuldade para se cumprir a missão. Trata-se da compulsão artística dos homens da segurança do presidente, que costumam exercer uma certa pressão psicológica sobre os cinegrafistas para serem filmados.
Já o departamento de jornalismo, confiado ao jornalista Lélio Raphanelli – o editor de esportes do Correio Braziliense — terá um duro encargo; colocar em pleno funcionamento, num prazo de cinco a seis meses, a superagência estatal de notícias.
– Meus planos são de fazer da EBN a primeira agência brasileira a trabalhar em período integral, seguindo o modelo das agências internacionais – revela Luiz Adolpho.
Para tanto, ele pretende constituir uma frota de 40 carros a álcool, para reportagem, equipados com sistema de rádio, enquanto que na redação haverá gravadores acoplados em telefones. Dentro de alguns dias, além disso, haverá um concurso para preenchimento do quadro de pessoal. Cerca de 40 vagas, entre redatores, repórteres, revisores e fotógrafos, com ofertas salariais entre Cr$ 22 mil e Cr$ 60 mil, acrescida de vantagens extras, já institucionalizadas pela burocracia brasiliense, como apartamento funcional de graça.
Na agência, haverá duas formas combinadas de captar a notícia: através de sua rede de telex, significa um custo com que as agências de notícias privadas ainda não ousaram arcar. Para um projeto privado ter viabilidade econômica, não se pode ultrapassar um certo limite de horas-telex.
Para a EBN, os custos não serão problema.
Como possuirá outras fontes de receita, ela pretende cobrar por seus serviços – mas só eventualmente.
-No início, vamos fazer de graça, para mostrar que existimos e do que somos capazes explica Salles Júnior. – Depois passaremos a cobrar de acordo com a capacidade de cada cliente.
Mesmo assim, há uma certeza:
-Em breve, a EBN será tão importante que mesmo aqueles jornais que foram contra terão de comprar o nosso material para não ficarem por fora – garante Pinheiro.
Publicidade
A fonte de receitas da EBN ficará por conta da corretagem pela veiculação da publicidade legal dos organismos públicos, além dos recursos orçamentários. Por publicidade legal se entende aquelas publicações obrigatórias por lei, como licitações de compra e venda, leilões, editais, concursos públicos, balanços, etc.
Desde 1969 a AN estava habilitada, por lei, não só a assumir a veiculação da publicidade legal como de toda e qualquer outra forma de publicidade governamental. Por falta de estrutura, ela se fixou apenas na legal que a rigor não exige nenhum trabalho de criação artística ou de veiculação. Trata-se apenas de recolher os documentos do cliente, encaminhá-los para as publicações determinadas por ele e recolher os 20% de comissão.
Mesmo assim, a AN acabou perdendo, nos últimos anos, grandes contas de publicidade legal para a agência MPM-Casabranca. Só a conta do Banco Central deverá possibilitar à MPM, este ano, um faturamento da ordem de Cr$ 17 milhões.
No ano passado, a receita da AN com esse tipo de publicidade, foi de Cr$ 12 milhões. O decreto que criou a EBN conservou-a nos limites da publicidade legal e sua diretoria de publicidade absorveu essas contas, administradas até então pela Unidade de Convênios e Publicidade Legal (UCPL) da AN, e pretende agora reconquistar os grandes clientes estatais.
Para diretor de publicidade foi convidado Afonso Heliodoro dos Santos, mineiro de Diamantina e sub-chefe da Casa Civil de seu conterrâneo, Juscelino Kubitschek, ocasião em que empreendeu algumas tentativas precursoras de marketing governamental. Como o “Navio da Esperança”, velho cargueiro do Lloyd, candidato a sucata, que, reformado, visitou diversos portos com uma exposição ambulante sobre o Plano de Metas.
Afonso organizou o departamento com a estrutura de uma pequena agência de publicidade, com setores de atendimento, tráfego, mídia, arte e produção. Ao todo, não mais de 12 pessoas. E até criou uma frase de efeito:
– Não queremos o cliente por decreto, mas conquistá-lo com nossos serviços.
Pelo visto, a EBN não tem muita fé no sucesso inicial do departamento. Para o ano que vem, há uma previsão de arrecadação de Crş 40 milhões com publicidade
legal que, deflacionados, vão significar quase a mesma coisa que os Cr$ 12 milhões arrecadados no ano passado pela UCPL.
A diferença, o Tesouro cobre.
O carro de mosquitos
Vista hoje, ainda impregnada do mofo da extinta Agência Nacional, a EBN não sugere em nada a superagência de notícias que se anuncia. Provisoriamente instalada em algumas salas do edifício Venâncio, ela continua mais para AN do que para EBN.
Numa das salas, mal dividida, com dois ambientes pelados, por onde se distribuem meia dúzia de cadeiras e escrivaninhas, o jornalista Ivaldo de Mello Medeiros exibe um ar cansado. Velho profissional, ele ingressou há 17 anos na AN e ocupa há quatro anos o cargo de editor da Voz do Brasil – mais precisamente daquela primeira meia hora inicial, que apresenta notícias do País e do Executivo.
– Já recebemos os primeiros resultados dos índices de audiência em São Paulo e eles foram muito acima de nossas expectativas.
Ele não sabe precisar direito quais eram as suas expectativas, e também não guardou de memória os resultados. Mas já tem alguns planos jornalísticos óbvios para a Voz:
– Vamos dar cada vez mais notícia do dia e cada vez menos notícias frias.
Esse material diário será fornecido pela agência de notícias. No momento, o que pode ser considerado um embrião dela – o departamento de reportagem da EBN – além de fornecer parte do noticiário da Voz, elabora 4 edições diárias para as rádios e 3 para jornais do Boletim da EBN.
Esse Boletim é, na verdade, um insosso amontoado de notícias sobre o dia-a-dia das autoridades, viagens, visitas, inaugurações e notas de pequena ou nenhuma importância. E, como o release da administração pública é importante para o Boletim, às vezes ele oferece aos seus leitores pequenas jóias de objetividade jornalística, como a informação certamente exclusiva pelo inusitado, de que “o carro de mosquitos da Feema percorre à noite as ruas do bairro carioca de Marechal Hermes”, que aparece em uma de suas últimas edições.
Para elaborar esse boletim, a EBN conta com 13 jornalistas (3 repórteres e 10 redatores) em Brasília, mais a rede de sucursais. A maioria deles está na faixa de colaboradores – os chamados “recibados” – com salários de Cr$ 7 mil.
Notícias mais selecionadas contêm a sinopse o boletim diário, elaborado exclusivamente para leitura do presidente e das principais autoridades do regime, que traz um resumo dos principais jornais brasileiros.
Trabalham na sinopse cerca de 50 pessoas, em todo o País, recolhendo, de madrugada, as principais manchetes, notícias e editoriais dos diários mais importantes.
As notícias das principais Capitais (menos de Belo Horizonte, cuja sucursal foi desativada após o rumoroso caso da falsificação das sinopses para beneficiar o então candidato a governador Francelino Pereira) convergem às 2 da madrugada para o Rio. De lá são enviadas para Brasília, que se encarrega de acrescentar o resumo dos jornais locais.
Sua tiragem é limitada – cerca de 350 exemplares. O primeiro deles chega pontualmente às 6h40 da manhã na Granja do Torto, residência oficial do presidente.
Leia também:
Série “A imprensa e o poder”, publicada em dezembro de 1979 no Jornal da Tarde
Como funcionam os dois braços da Secom
Nesta reportagem de uma série, Luis Nassif mostra como o ministro Farhat dividiu sua estratégia de controle da informação em duas frentes principais
Num sistema de comunicação de massa, a verdade é proporcional à intensidade com que um fato é veiculado. Assim, pode haver duas formas eficientes de se defender das críticas: simplesmente censurá-las (quando há condições para tanto) ou encobri-las, com um alarido maior.
A Secretaria de Comunicação Social (Secom), evidentemente, não é partidária de soluções simplistas.
Assim, Farhat dividiu sua estratégia de controle da informação em duas frentes principais. De um lado, aceita a inevitabilidade da liberdade de Imprensa e trata de organizar formas eficientes de atuação junto aos órgãos privados.
Num primeiro momento, tenta-se impedir os vazamentos de informações oficiais, canalizando-as para o sistema de comunicação social do governo. Se esse objetivo for alcançado, dará à Secom um enorme poder de barganha para tratar com a Imprensa já que essa situação lhe conferirá monopólio de fato da distribuição da grande matéria-prima jornalística, que é a notícia do governo.
Ao mesmo tempo, a Secom planeja unificar todas as verbas publicitárias do governo, que hoje em dia é o grande anunciante, para a maioria das publicações. Concretizando esse esquema, nada a impediria de passar à pressão direta sobre as publicações. A não ser e á ressalva é dos próprios homens da Secom as propaladas convicções democrático-liberais do ministro Said Farhat, justamente o homem que está montando esse esquema.
Imprensa estatal
A segunda frente da estratégica de Farhat é a montagem de uma imprensa estatal. O primeiro passo será colocar em funcionamento o que se pretende seja uma superagência estatal de notícias, especializada em todo tipo de notícia oficial. Por meio dela, a Secom pretende transmitir o que ela chama de “verdade do governo” a todos os jornais e rádios do País.
Atualmente, por sua própria estrutura financeira e redacional, a maioria dos jornais acaba veiculando diretamente o que lhes é fornecido pelas agências de notícias. Não há condições de trabalharem a informação, analisarem-na, apresentar outros enfoques. Assim, as “verdades” da Secom poderão passar a ser transmitidas voluntariamente por uma imensa rede de pequenos jornais, sem que nenhuma outra “verdade” lhe faça concorrência.
Finalmente, se seus planos se concretizarem, a agência poderá tornar-se indispensável para grande parte dos pequenos jornais. E, como ós preços por esses serviços serão um objetivo secundário, haverá, na prática, uma política de dumping, que afastará a concorrência das agências privadas. Por outro lado, esse esquema poderá implicar um enfraquecimento financeiro ainda maior da Imprensa privada, que tem em suas agências uma forma de diluir seus custos.
Para a chamada imprensa falada, os planos são idênticos. Através da Radiobrás, a Secom começa a aparelhar a TV Nacional de Brasília, para que ela se torne a central produtora de uma nova rede de televisão, a ser constituída pelo aliciamento das emissoras independentes. E a Rádio Nacional de Brasília fará o mesmo com as emissoras de rádio.
“Objetividade”
E, para que não se acuse essa estrutura de se constituir num instrumento de controle ideológico, os homens da Secom costumam enfatizar que respeitarão estritamente os critérios de objetividade jornalística. Na recente cobertura da viagem de Figueiredo a Florianópolis a “objetividade” da Secom transmitiu as “verdades” do governo.
E, para seus leitores em Florianópolis, não houve vaias, incidentes, não colocaram a mãe do presidente em pauta, e ele não saiu para um desforço pessoal com os manifestantes.
EBN: fábrica de notícias
A estrutura do que se pretende seja a maior agência brasileira de notícias – a Empresa Brasileira de Notícias (EBN) – está instalada no edifício Venâncio, no setor comercial sul de Brasília, aguardando a remoção para dois andares reformados do edifício Toufik, a pouca distância dali.
A sua restruturação é recente. No início deste ano, Said Farhat encarregou o publicitário Apolônio Salles Júnior, 44 anos, de organizar um grupo de estudos para avaliar a situação da Agência Nacional e, com seus despojos, lançar as bases para a criação da EBN.
Velho frequentador dos meios oficiais, Salles Júnior voltou para o amplo regaço do governo, que o abrigou em seu primeiro emprego, como funcionário da extinta Superintendência de Moeda e Crédito (Sumoc). Em 1958, mesmo ano em que seu pai, o senador Apolônio Salles deixava a política, Salles Júnior entrava para o Senado, com o emprego de redator, ao qual ele acumulou o de secretário particular do ex-senador paulista Auro de Moura Andrade. Deixou a política em 1964, para acompanhar o irmão Mauro Salles, que assumia a direção da TV Globo. Seguiu com ele para a publicidade, tornando-se diretor da Salles Interamericana de Publicidade. E, finalmente, completou o percurso, voltando para um emprego público.
Com essa tríplice experiência – em coisas do governo, da comunicação e da publicidade – Salles Júnior organizou o grupo de estudos, composto por ele próprio, Arnaldo Luiz de Assis (ex-diretor geral da AN) e pelo jornalista Marco Antônio Kraemer, homem de Golbery na Assessoria de Imprensa do Planalto.
Levantamento
De maio a setembro o grupo procedeu a levantamentos do pessoal e equipamentos da AN, velha máquina de propaganda oficial, fundada há 43 anos, em plena época do Estado Novo e que, em vida, jamais passou de um enorme e esclerosado organismo burocrático..
De maio a setembro o grupo procedeu a levantamentos do pessoal e equipamentos da AN, velha máquina de propaganda oficial, fundada há 43 anos, em plena época do Estado Novo e que, em vida, jamais passou de um enorme e esclerosado organismo burocrático.
– Ela teve grande destaque na época do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP; uma espécie de Secom do Estado Novo) reconhece Salles Júnior. Depois decaiu.
Na verdade, o espírito que animou a sua criação esgotou-se em 1945, com o fim do Estado Novo. E a AN chegou aos dias atuais mais conhecida pelo passado de glórias da rádio Nacional do Rio-emissora que ela absorveu em 1940 do que pela eficácia da Voz do Brasil e de seus jornais semanais para cinema.
Quando Salles Júnior chegou, a antiga estrutura já estava esfacelada. As rádios, mais a TV Nacional de Brasília, já haviam sido absorvidas pela Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobrás). Mesmo assim, a AN conservava uma equipe de cerca de 700 funcionários, metade no Rio, o restante espalhado por 17 sucursais, em diversas capitais do País.
Esses funcionários foram enquadrados na categoria “quadro suplementar em extinção” inclusive 150 deles, que não possuíam contrato de trabalho com a AN- com a possibilidade de solicitar a transferência para a EBN desde que estivessem dispostos a se mudar para Brasília. A perspectiva da mudança acabou fazendo com que grande parte apressasse seus processos de aposentadoria.
Os superplanos da EBN
No Rio, a AN se distribuía por dois prédios, equipados com rede de telex, 14 máquinas de telefotos e um setor de cinema aparelhado para produzir documentários.
A EBN herdou esses equipamentos, mais os prédios públicos ocupados pela AN, mais uma dotação em espécie, perfazendo um total equivalente a Cr$ 90 milhões.
É com essa estrutura, enfim, que Salles pretende organizar a futura superagência estatal. Para tanto, ele dividiu a empresa em três diretorias – a de jornalismo, a de publicidade e a financeira. E confiou a primeira ao jornalista Luiz Adolpho Pinheiro, um mineiro que desembarcou em Brasília em 1970 e percorreu diversas redações importantes até estacionar em um emprego público na Assessoria de Imprensa do Ministério da Fazenda e numa coluna diária no Correio Braziliense.
Pinheiro, por sua vez, praticamente convocou toda a editoria de esportes do Correio Braziliense para seu “estado-maior”, lotando-a no departamento de jornalismo que será o encarregado de operar a agência. Para o outro departamento, de produção geral, encarregado de elaborar os documentários oficiais para cinema, foi convocado o jornalista mineiro Oswaldo Amorim, que trabalhava na sucursal brasiliense da Veja.
O departamento de Amorim é o que oferece menos dificuldades técnicas. A extinta AN era bem abastecida de equipamentos cinematográficos. Haverá apenas uma mudança de filosofia:
-Em vez de ficarmos filmando só o presidente – explica Amorim – nós vamos fazer documentários sobre os locais percorridos pelo presidente, e situá-lo nesses locais, sempre enfatizando atos e fatos da administração.
A rigor, haverá apenas uma dificuldade para se cumprir a missão. Trata-se da compulsão artística dos homens da segurança do presidente, que costumam exercer uma certa pressão psicológica sobre os cinegrafistas para serem filmados.
Já o departamento de jornalismo, confiado ao jornalista Lélio Raphanelli – o editor de esportes do Correio Braziliense — terá um duro encargo; colocar em pleno funcionamento, num prazo de cinco a seis meses, a superagência estatal de notícias.
– Meus planos são de fazer da EBN a primeira agência brasileira a trabalhar em período integral, seguindo o modelo das agências internacionais – revela Luiz Adolpho.
Para tanto, ele pretende constituir uma frota de 40 carros a álcool, para reportagem, equipados com sistema de rádio, enquanto que na redação haverá gravadores acoplados em telefones. Dentro de alguns dias, além disso, haverá um concurso para preenchimento do quadro de pessoal. Cerca de 40 vagas, entre redatores, repórteres, revisores e fotógrafos, com ofertas salariais entre Cr$ 22 mil e Cr$ 60 mil, acrescida de vantagens extras, já institucionalizadas pela burocracia brasiliense, como apartamento funcional de graça.
Na agência, haverá duas formas combinadas de captar a notícia: através de sua rede de telex, significa um custo com que as agências de notícias privadas ainda não ousaram arcar. Para um projeto privado ter viabilidade econômica, não se pode ultrapassar um certo limite de horas-telex.
Para a EBN, os custos não serão problema.
Como possuirá outras fontes de receita, ela pretende cobrar por seus serviços – mas só eventualmente.
-No início, vamos fazer de graça, para mostrar que existimos e do que somos capazes explica Salles Júnior. – Depois passaremos a cobrar de acordo com a capacidade de cada cliente.
Mesmo assim, há uma certeza:
-Em breve, a EBN será tão importante que mesmo aqueles jornais que foram contra terão de comprar o nosso material para não ficarem por fora – garante Pinheiro.
Publicidade
A fonte de receitas da EBN ficará por conta da corretagem pela veiculação da publicidade legal dos organismos públicos, além dos recursos orçamentários. Por publicidade legal se entende aquelas publicações obrigatórias por lei, como licitações de compra e venda, leilões, editais, concursos públicos, balanços, etc.
Desde 1969 a AN estava habilitada, por lei, não só a assumir a veiculação da publicidade legal como de toda e qualquer outra forma de publicidade governamental. Por falta de estrutura, ela se fixou apenas na legal que a rigor não exige nenhum trabalho de criação artística ou de veiculação. Trata-se apenas de recolher os documentos do cliente, encaminhá-los para as publicações determinadas por ele e recolher os 20% de comissão.
Mesmo assim, a AN acabou perdendo, nos últimos anos, grandes contas de publicidade legal para a agência MPM-Casabranca. Só a conta do Banco Central deverá possibilitar à MPM, este ano, um faturamento da ordem de Cr$ 17 milhões.
No ano passado, a receita da AN com esse tipo de publicidade, foi de Cr$ 12 milhões. O decreto que criou a EBN conservou-a nos limites da publicidade legal e sua diretoria de publicidade absorveu essas contas, administradas até então pela Unidade de Convênios e Publicidade Legal (UCPL) da AN, e pretende agora reconquistar os grandes clientes estatais.
Para diretor de publicidade foi convidado Afonso Heliodoro dos Santos, mineiro de Diamantina e sub-chefe da Casa Civil de seu conterrâneo, Juscelino Kubitschek, ocasião em que empreendeu algumas tentativas precursoras de marketing governamental. Como o “Navio da Esperança”, velho cargueiro do Lloyd, candidato a sucata, que, reformado, visitou diversos portos com uma exposição ambulante sobre o Plano de Metas.
Afonso organizou o departamento com a estrutura de uma pequena agência de publicidade, com setores de atendimento, tráfego, mídia, arte e produção. Ao todo, não mais de 12 pessoas. E até criou uma frase de efeito:
– Não queremos o cliente por decreto, mas conquistá-lo com nossos serviços.
Pelo visto, a EBN não tem muita fé no sucesso inicial do departamento. Para o ano que vem, há uma previsão de arrecadação de Crş 40 milhões com publicidade
legal que, deflacionados, vão significar quase a mesma coisa que os Cr$ 12 milhões arrecadados no ano passado pela UCPL.
A diferença, o Tesouro cobre.
O carro de mosquitos
Vista hoje, ainda impregnada do mofo da extinta Agência Nacional, a EBN não sugere em nada a superagência de notícias que se anuncia. Provisoriamente instalada em algumas salas do edifício Venâncio, ela continua mais para AN do que para EBN.
Numa das salas, mal dividida, com dois ambientes pelados, por onde se distribuem meia dúzia de cadeiras e escrivaninhas, o jornalista Ivaldo de Mello Medeiros exibe um ar cansado. Velho profissional, ele ingressou há 17 anos na AN e ocupa há quatro anos o cargo de editor da Voz do Brasil – mais precisamente daquela primeira meia hora inicial, que apresenta notícias do País e do Executivo.
– Já recebemos os primeiros resultados dos índices de audiência em São Paulo e eles foram muito acima de nossas expectativas.
Ele não sabe precisar direito quais eram as suas expectativas, e também não guardou de memória os resultados. Mas já tem alguns planos jornalísticos óbvios para a Voz:
– Vamos dar cada vez mais notícia do dia e cada vez menos notícias frias.
Esse material diário será fornecido pela agência de notícias. No momento, o que pode ser considerado um embrião dela – o departamento de reportagem da EBN – além de fornecer parte do noticiário da Voz, elabora 4 edições diárias para as rádios e 3 para jornais do Boletim da EBN.
Esse Boletim é, na verdade, um insosso amontoado de notícias sobre o dia-a-dia das autoridades, viagens, visitas, inaugurações e notas de pequena ou nenhuma importância. E, como o release da administração pública é importante para o Boletim, às vezes ele oferece aos seus leitores pequenas jóias de objetividade jornalística, como a informação certamente exclusiva pelo inusitado, de que “o carro de mosquitos da Feema percorre à noite as ruas do bairro carioca de Marechal Hermes”, que aparece em uma de suas últimas edições.
Para elaborar esse boletim, a EBN conta com 13 jornalistas (3 repórteres e 10 redatores) em Brasília, mais a rede de sucursais. A maioria deles está na faixa de colaboradores – os chamados “recibados” – com salários de Cr$ 7 mil.
Notícias mais selecionadas contêm a sinopse o boletim diário, elaborado exclusivamente para leitura do presidente e das principais autoridades do regime, que traz um resumo dos principais jornais brasileiros.
Trabalham na sinopse cerca de 50 pessoas, em todo o País, recolhendo, de madrugada, as principais manchetes, notícias e editoriais dos diários mais importantes.
As notícias das principais Capitais (menos de Belo Horizonte, cuja sucursal foi desativada após o rumoroso caso da falsificação das sinopses para beneficiar o então candidato a governador Francelino Pereira) convergem às 2 da madrugada para o Rio. De lá são enviadas para Brasília, que se encarrega de acrescentar o resumo dos jornais locais.
Sua tiragem é limitada – cerca de 350 exemplares. O primeiro deles chega pontualmente às 6h40 da manhã na Granja do Torto, residência oficial do presidente.
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