Com um apelo cada vez maior em um mundo hiperconectado, o trekking e o montanhismo atraem grande número de interessados que, como nada é muito simples, não raro esbarram no custo do que aparentava ser só pegar uma mochila qualquer e sair por aí atrás de um mato para chamar de seu. Calçados e roupas adequados, equipamentos dedicados e toda a traquitana básica que facilita percorrer as trilhas do país, mesmo tendo sido popularizados por grandes redes de produtos esportivos como a francesa Decathlon, ainda estão longe de caber no bolso de boa parte dos que gostariam de aproveitar um contato mais intenso com a natureza.
Algumas iniciativas, entretanto, têm conseguido levar a jovens em algum grau de vulnerabilidade social a experiência do que pode, até, no futuro, virar profissão e abrir novos horizontes. Um desses projetos é o da ONG Favela Radical, localizado na comunidade do Turano, no Rio de Janeiro, que desde 2017 desenvolve diversas atividades ligadas a esporte, tecnologia, educação e sustentabilidade. Por meio da embaixadora do Projeto Azimute, ação social realizada pela OBB (Outward Bound Brasil), a montanhista Aretha Duarte —primeira mulher negra latino-americana a escalar o Everest—, reuniu 12 jovens entre 13 e 15 anos assistidos pela ONG para uma expedição de quase 30 quilômetros pelo Parque Estadual Serra do Papagaio, na Mantiqueira, entre os dias 28 de fevereiro e 4 de março passado.
A primeira surpresa da moçada logo no início da caminhada foi a regra de ouro das jornadas da OBB: nada de celulares, que são deixados longe de seu alcance ao longo de todo o percurso. Eles são também encarregados das diversas tarefas envolvidas em uma caminhada pela natureza, como montar barracas, cozinhar e limpar a área e as tralhas utilizadas. Todos usaram equipamentos e roupas da própria OBB, que financia seus projetos sociais por meio de financiamentos coletivos e doações. A seleção dos participantes foi feita diretamente por Aretha, “por conta da idade e da condição física já demonstrada em outras atividades que já realizamos junto à Favela Radical”.
Curiosamente, e ao contrário da regra normal no cenário do trekking, dos 12 escolhidos apenas dois eram meninos. “Foi a primeira vez que vi um grupo majoritariamente feminino em 13 anos de montanhismo”, ressalta ela, “e para mim isso foi muito especial”.
A reação dos adolescentes, conta Armando Galassini, instrutor da OBB, foi excelente, mesmo enfrentando condições inéditas para eles e adversas para qualquer um. “Já no primeiro dia choveu”, conta ele, “e cada um levava uma mochila cargueira às costas com equipamentos, roupas, barracas, parte dos alimentos, panelas, tudo dividido pelo grupo, era parte da tarefa proposta pelo projeto”.
Ao final de cada dia, todos se sentavam para discutir o que haviam vivenciado. “Havia desafios que eles inicialmente se sentiam incapazes de realizar, mas com o direcionamento correto, didático, percebiam que podiam, sim, e já no dia seguinte tudo era diferente, ia ficando mais fácil”, acrescenta ele. Embora as distâncias percorridas diariamente não fossem muito grandes, a altimetria era pesada, chegando em alguns momentos a desníveis de 500 metros. “É um terreno desafiador”, define Armando. A garotada, entretanto, deu conta do recado até o último momento.
Ao final da experiência, os participantes foram convidados a deixar por escrito suas avaliações sobre a jornada. Sem revelar os nomes, um deles disse que o mais importante havia sido “saber que sou capaz de tudo, basta só me esforçar e ser menos negativo”, ressaltando a importância de ter aprendido “a ter melhor convivência com as pessoas do grupo”.
Para outro que sentiu mais pesadamente os perrengues da expedição, a importância foi descobrir que pode tudo “se for do meu esforço, porque eu sou forte”, relatando sentir que tinha aprendido “a andar no vale da morte”.
“Um detalhe que é muito significativo”, acrescenta Aretha, “é que, quando começamos a jornada, perguntamos a todos quem era a pessoa mais importante para cada um, e todos citavam pai, mãe, alguém da família, mas no final, quando refizemos a pergunta, a resposta era: a pessoa mais importante para mim sou eu mesmo”. Para a montanhista, a experiência mostrou a eles que “precisam se cuidar, se preparar, acreditar em si mesmos, porque se eles não acreditarem e não se determinarem, não vai acontecer”.