A tramitação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 enfrenta mais um capítulo de adiamentos no Congresso Nacional, impactando diretamente o cronograma de pagamento do reajuste salarial dos servidores públicos federais. Previsto inicialmente para ser votado no final de 2024, o texto só deve ser analisado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) no dia 19 de março, conforme anúncio recente do colegiado. Com isso, o incremento nos salários, negociado ao longo do último ano, ficará para a folha de abril, com depósito agendado para o início de maio, e será pago de forma retroativa para compensar os meses de espera.
Esse atraso reflete uma série de entraves políticos e técnicos que têm marcado o processo orçamentário deste ano. A LOA, que define as receitas e despesas da União para o exercício seguinte, deveria ter sido aprovada até 22 de dezembro do ano passado, conforme determina a Constituição. No entanto, questões como a negociação de emendas parlamentares e a aprovação tardia da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) empurraram a votação para 2025, gerando reflexos imediatos no planejamento financeiro do governo e na vida de milhares de servidores.
Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), confirmou a nova projeção durante assembleia da entidade. Ele destacou que, mesmo com a demora, o reajuste será implementado assim que a lei for sancionada, garantindo a quitação dos valores atrasados. A situação, embora inconveniente, não é inédita: nos últimos 20 anos, o Orçamento já enfrentou atrasos em pelo menos três ocasiões — 2013, 2015 e 2021 —, todas resolvidas na penúltima semana de março.
Por que o orçamento de 2025 ainda não foi votado?
A demora na aprovação da LOA 2025 tem raízes em um cenário político complexo que envolve disputas entre o Congresso, o Executivo e até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos principais pontos de impasse foi a discussão sobre as emendas parlamentares, que ganharam destaque nos últimos anos por seu volume crescente. Em 2023, essas emendas de comissão atingiram R$ 6,9 bilhões, valor que mais que dobrou em 2024, chegando a R$ 14,2 bilhões. Para este ano, foi estabelecido um teto de R$ 11,5 bilhões, resultado de um acordo entre os três Poderes, mas a definição de regras de transparência e execução ainda atrasou o andamento do projeto.
Outro fator determinante foi a votação de medidas fiscais no final de 2024, como o pacote de corte de gastos e a revisão da LDO, que só ocorreu em 18 de dezembro. O senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator da LOA, justificou o adiamento pela necessidade de ajustes no texto, especialmente após mudanças como a atualização do salário mínimo, que impacta despesas previdenciárias e benefícios sociais. Esses elementos exigiram cálculos mais precisos, o que levou a CMO a reprogramar a análise para março.
Além disso, a composição da comissão deve ser renovada após o dia 25 de março, o que adiciona pressão ao cronograma. O deputado Júlio Arcoverde (PP-PI), presidente da CMO, definiu um calendário apertado: a reunião de líderes está marcada para 11 de março, a leitura do relatório final para o dia 18, e a votação, enfim, para o dia 19. Após a aprovação na comissão, o texto ainda precisará passar pelo Plenário do Congresso Nacional, previsto para o dia 20.
Impactos do atraso no funcionalismo e na gestão pública
O adiamento da LOA 2025 não afeta apenas os servidores públicos, mas também o funcionamento do governo federal como um todo. Sem a lei orçamentária aprovada, o Executivo opera em regime de execução provisória, limitado a despesas essenciais ou obrigatórias, como salários, aposentadorias e custeio de serviços básicos de saúde e educação. Para investimentos em novos projetos, como obras ou programas sociais, o governo fica restrito a um doze avos do valor previsto no projeto original por mês, o que trava iniciativas importantes.
No caso do funcionalismo, o reajuste negociado em 2024 varia conforme a categoria, mas depende da sanção da LOA para entrar em vigor. Após a votação no Congresso, os Ministérios do Planejamento e Orçamento e da Fazenda terão de analisar o texto sob aspectos fiscais, enquanto o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos fará os ajustes técnicos necessários. Esse processo, que deve levar algumas semanas, inviabiliza o pagamento na folha de março — depositada em abril —, adiando o incremento para maio.
A situação gerou mobilização entre os servidores. Representantes sindicais lotaram a Câmara dos Deputados e organizaram protestos no Aeroporto de Brasília nesta semana, prometendo manter a pressão até a votação. O sentimento é de frustração, já que o atraso prolonga a espera por um benefício já acordado, enquanto o governo tenta equilibrar as contas públicas e atender às demandas parlamentares.
Cronograma apertado: o que esperar até a votação
Com a data de 19 de março definida para a votação na CMO, o processo orçamentário entra em sua fase decisiva. Confira o calendário oficial divulgado pelo presidente da comissão, Júlio Arcoverde:
- 11 de março: Reunião de líderes para discutir o relatório final e buscar consensos.
- 18 de março: Leitura do relatório do senador Angelo Coronel e apresentação de destaques.
- 19 de março: Votação do Projeto de Lei Orçamentária Anual na Comissão Mista de Orçamento.
- 20 de março: Análise e votação no Plenário do Congresso Nacional.
Esse cronograma, embora apertado, é essencial para evitar um atraso ainda maior, como o ocorrido em 1994, quando o Orçamento só foi aprovado em outubro, após 14 meses de tramitação. A expectativa é que, após a sanção presidencial, o governo consiga regularizar a execução financeira e iniciar os pagamentos pendentes.
Principais pontos em jogo no orçamento de 2025
A LOA 2025 traz debates que vão além do reajuste dos servidores. O texto original, enviado pelo governo em agosto de 2024, sofreu alterações significativas durante a tramitação. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, enviou ofício à CMO solicitando ajustes, como o aumento de recursos para o programa Pé-de-Meia, que oferece incentivo financeiro a estudantes, e a recomposição de verbas para o Vale-Gás. Por outro lado, há propostas de cortes, como R$ 7,7 bilhões no Bolsa Família e R$ 6,3 bilhões no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), voltado para escolas em tempo integral.
O relator Angelo Coronel enfrenta o desafio de conciliar essas demandas com as novas regras das emendas parlamentares e as limitações fiscais. O teto de R$ 11,5 bilhões para emendas de comissão busca frear o crescimento desenfreado observado nos últimos anos, mas ainda exige negociações intensas entre os líderes partidários. Enquanto isso, o governo tenta garantir a retomada de programas afetados pelo atraso, como o Plano Safra, que recebeu R$ 4 bilhões via medida provisória em fevereiro.
A votação na próxima semana será um teste para a articulação política do Executivo e do Legislativo, que precisam alinhar interesses diversos em um curto espaço de tempo. Para os servidores, resta a expectativa de que o processo se conclua sem novos imprevistos.
Histórico de atrasos: uma prática recorrente?
Nos últimos anos, o Brasil já enfrentou situações semelhantes de atraso na aprovação do Orçamento. Em 2013, 2015 e 2021, a LOA só foi sancionada na penúltima semana de março, sempre por motivos que envolveram disputas políticas ou questões técnicas. Em 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro, a votação ficou para março de 2021, enquanto em 2014, sob Dilma Rousseff, o texto foi aprovado no mesmo mês de 2015. Desde a Constituição de 1988, foram pelo menos 11 casos em que a lei orçamentária só ganhou aval após dezembro.
Esse histórico mostra que, embora indesejada, a execução provisória não é uma novidade. Em situações de emergência, como desastres naturais ou operações de segurança, o governo mantém a capacidade de agir, mas investimentos estratégicos ficam comprometidos. Para 2025, o impacto mais sentido até agora foi a suspensão temporária de linhas de financiamento do Plano Safra, resolvida com a edição de uma medida provisória.
Enquanto o Congresso corre contra o tempo, a sociedade acompanha os desdobramentos. O atraso na LOA reflete não apenas questões técnicas, mas também o peso das negociações políticas em um ano que já começou com desafios fiscais e sociais.
