A Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP) contrariou precedente do próprio órgão colegiado ao liberar a ministra da Cultura, a cantora Margareth Menezes, para realizar shows pagos com dinheiro público de municípios e estados.
Conforme revelo a coluna nesta sexta-feira (14/3), as prefeituras de Salvador e de Fortaleza pagaram R$ 640 mil para Margareth Menezes cantar no Carnaval deste ano. Nesse feriado, a artista também participou de três eventos apoiados pelo governo do PT na Bahia, mas o Executivo estadual e a assessoria da cantora se recusaram a informar os valores pagos para contratá-la.
Em janeiro de 2023, a Comissão de Ética havia concluído que Margareth deveria “se abster de receber remuneração, vantagens ou benefícios dos entes públicos de qualquer esfera de Poder”. Desde então, porém, a CEP tem modificado o entendimento e autorizou a realização de shows com verba pública dos estados e municípios, desde que não se tenham utilizado mecanismos federais de incentivo à cultura.
Um mês antes do Carnaval deste ano, Margareth foi às pressas à Comissão de Ética Pública para esclarecer se poderia receber dinheiro público de entes municipais e estaduais. Contrariando a decisão anterior de janeiro de 2023, a CEP concluiu que, sim, ela pode receber dinheiro público para realizar shows, desde que a verba não seja federal.
A Comissão de Ética Pública é atualmente formada por sete pessoas, sendo que seis delas foram indicadas pelo presidente Lula. Logo no início do governo, o petista destituiu, em ato sem precedentes, três membros do órgão que tinham mandato até 2025 e haviam sido indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Hoje a CEP é presidida por Manoel Caetano Ferreira Filho, ex-advogado de Lula.
“Deve-se diferenciar a mera relação contratual entre artista e ente público da caracterização de conflito de interesses. Para que este último ocorra, seria necessário que o evento ou entidade contratante estivesse subordinado a alguma decisão administrativa do Ministério da Cultura, ou que houvesse alguma relação de influência decisória da ministra sobre o ente contratante, o que não se verifica nesse caso”, escreveu Manoel Filho, em despacho proferido de fevereiro deste ano, após Margareth Menezes exigir resposta “urgente” da Comissão.
“Assim, desde que inexista qualquer influência da ministra na destinação de recursos públicos estaduais ou municipais em favor de sua contratação, não há configuração de conflito de interesses”, prosseguiu o presidente da CEP.
Em janeiro de 2023, após assumir o cargo de ministra da Cultura, Margareth já havia procurado a Comissão de Ética Pública para saber se poderia realizar shows privados ou pagos com dinheiro público que haviam sido fechados antes de ela tomar posse no governo. Na ocasião, o conselheiro João Henrique Nascimento de Freitas, indicado por Bolsonaro, concluiu que um ministro que cuida de verbas para um setor não pode ser beneficiado pessoalmente por esses recursos. A decisão foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
“Destaque-se, também, que a consulente deve se abster de receber remuneração, vantagens ou benefícios dos entes públicos de qualquer esfera de Poder, inclusive aqueles recursos oriundos das leis de incentivo à cultura”, escreveu o relator.
Essa decisão sequer foi citada no despacho deste ano que liberou Margareth Menezes para realizar os shows bancados com verbas estaduais e municipais.
À coluna, o atual presidente da CEP, Manoel Filho, confirmou que houve uma “evolução no entendimento”. “Apesar de na decisão de 30/01/23 [do então conselheiro João Henrique de Nascimento Freitas] constar que ela não poderia receber recursos ‘dos entes públicos de qualquer esfera do Poder’, nas outras três decisões, especialmente nas duas mais recentes, de 2024 e 2025, a vedação ficou restrita ao recebimento de recursos públicos federais”, afirmou.
“Segundo estas decisões, a ministra pode receber recursos públicos municipais ou estaduais, desde que não haja ‘utilização de recursos públicos federais’, como reafirmado na decisão de 04/02/2025. Portanto, este é o atual entendimento da CEP, manifestado de forma unânime nas três referidas ocasiões”, explicou o advogado.
Os shows de Margareth no Carnaval 2025
As contratações são feitas por meio da Pedra do Mar Produções Artísticas LTDA, empresa que detém a exclusividade da cantora baiana. Margareth era sócia da companhia até agosto do ano passado, quando repassou todas as suas cotas, em um total de R$ 5 mil, para a empresária Jaqueline Matos de Azevedo, que agencia a carreira da artista.
Os contratos foram firmados pelas prefeituras por inexigibilidade, ou seja, sem a realização de licitação, o que é comum nesses tipos de eventos públicos que envolvem artistas.
A Prefeitura de Salvador, por meio da Empresa Salvador Turismo (Saltur), contratou a cantora e ministra da Cultura por R$ 290 mil, segundo documento obtido pela coluna. Ela se apresentou em dois eventos na capital baiana promovidos pelo executivo municipal. O primeiro deles foi em 27 de fevereiro, ainda na quinta-feira anterior ao feriado, quando a artista cantou na Abertura do Carnaval de Salvador e celebrou os 40 anos do Axé Music. Já no domingo de Carnaval, dia 2 de março, apresentou-se no Trio Pipoca.
Também em Salvador, Margareth Menezes cantou no Bloco Os Mascarados, em 27 de fevereiro (quinta-feira); no Trio da Cultura, em 1º de março (sábado); e no Show do Oscar do Carna Pelô, em 2 de março (domingo). Em todos esses eventos, há referências de apoio financeiro do governo da Bahia, mas nem o Executivo estadual nem a assessoria da cantora informaram os valores de contratação.
Do alto dos trios elétricos, entre refrões do clássico “Dandalunda”, a artista aproveitou para parabenizar o governo da Bahia e a Prefeitura de Salvador “pelo Carnaval maravilhoso que estamos fazendo”. “A cidade está linda”, entoou.
Margareth encerrou a turnê de Carnaval em Fortaleza. A prefeitura local contratou a artista por R$ 350 mil para a realização de um show na terça-feira (4/3). Do valor total do contrato, R$ 150 mil foram pagos a título de cachê da ministra, de acordo com a proposta de orçamento enviada pela artista à Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). Outros R$ 34,1 mil foram destinados à empresária da cantora, R$ 33,3 mil à equipe técnica e a cachês de músicos, R$ 80 mil a passagens, hospedagens e alimentação e R$ 52,5 mil a impostos.

Na proposta de orçamento, a equipe de Margareth Menezes destacou ainda que o cachê artístico não poderia ser feito por meio de verba federal e acrescentou que todo o material de divulgação deveria ser aprovado previamente com a equipe da artista.
O que diz Margareth Menezes
Procurada, a assessoria da cantora enviou a seguinte nota:
“Cumpre explicar que a artista está autorizada pela Comissão de Ética da Presidência da República a realizar, dentre outros, shows para empresas privadas, municípios e estados da federação, deste que tais contratações não envolvam recursos públicos federais.
Durante o carnaval, Margareth exerceu sua profissão de cantora fora do horário de trabalho, garantindo que suas apresentações não interferissem nas responsabilidades do seu cargo, seguindo todos os preceitos legais. Os valores são públicos e dizem respeito ao cachê da artista e custos de hospedagem e deslocamento.
Importante destacar que estamos falando de artista de referência nacional e internacional, reconhecida como criadora do movimento brasileiro afropop, e seu papel para a Bahia e para nosso país. Este ano festejamos os 40 anos do Axé, um movimento histórico que tem em Margareth Menezes uma de suas expoentes, e que esteve presente em todos os carnavais neste longo período”.
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP) contrariou precedente do próprio órgão colegiado ao liberar a ministra da Cultura, a cantora Margareth Menezes, para realizar shows pagos com dinheiro público de municípios e estados.
Conforme revelo a coluna nesta sexta-feira (14/3), as prefeituras de Salvador e de Fortaleza pagaram R$ 640 mil para Margareth Menezes cantar no Carnaval deste ano. Nesse feriado, a artista também participou de três eventos apoiados pelo governo do PT na Bahia, mas o Executivo estadual e a assessoria da cantora se recusaram a informar os valores pagos para contratá-la.
Em janeiro de 2023, a Comissão de Ética havia concluído que Margareth deveria “se abster de receber remuneração, vantagens ou benefícios dos entes públicos de qualquer esfera de Poder”. Desde então, porém, a CEP tem modificado o entendimento e autorizou a realização de shows com verba pública dos estados e municípios, desde que não se tenham utilizado mecanismos federais de incentivo à cultura.
Um mês antes do Carnaval deste ano, Margareth foi às pressas à Comissão de Ética Pública para esclarecer se poderia receber dinheiro público de entes municipais e estaduais. Contrariando a decisão anterior de janeiro de 2023, a CEP concluiu que, sim, ela pode receber dinheiro público para realizar shows, desde que a verba não seja federal.
A Comissão de Ética Pública é atualmente formada por sete pessoas, sendo que seis delas foram indicadas pelo presidente Lula. Logo no início do governo, o petista destituiu, em ato sem precedentes, três membros do órgão que tinham mandato até 2025 e haviam sido indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Hoje a CEP é presidida por Manoel Caetano Ferreira Filho, ex-advogado de Lula.
“Deve-se diferenciar a mera relação contratual entre artista e ente público da caracterização de conflito de interesses. Para que este último ocorra, seria necessário que o evento ou entidade contratante estivesse subordinado a alguma decisão administrativa do Ministério da Cultura, ou que houvesse alguma relação de influência decisória da ministra sobre o ente contratante, o que não se verifica nesse caso”, escreveu Manoel Filho, em despacho proferido de fevereiro deste ano, após Margareth Menezes exigir resposta “urgente” da Comissão.
“Assim, desde que inexista qualquer influência da ministra na destinação de recursos públicos estaduais ou municipais em favor de sua contratação, não há configuração de conflito de interesses”, prosseguiu o presidente da CEP.
Em janeiro de 2023, após assumir o cargo de ministra da Cultura, Margareth já havia procurado a Comissão de Ética Pública para saber se poderia realizar shows privados ou pagos com dinheiro público que haviam sido fechados antes de ela tomar posse no governo. Na ocasião, o conselheiro João Henrique Nascimento de Freitas, indicado por Bolsonaro, concluiu que um ministro que cuida de verbas para um setor não pode ser beneficiado pessoalmente por esses recursos. A decisão foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
“Destaque-se, também, que a consulente deve se abster de receber remuneração, vantagens ou benefícios dos entes públicos de qualquer esfera de Poder, inclusive aqueles recursos oriundos das leis de incentivo à cultura”, escreveu o relator.
Essa decisão sequer foi citada no despacho deste ano que liberou Margareth Menezes para realizar os shows bancados com verbas estaduais e municipais.
À coluna, o atual presidente da CEP, Manoel Filho, confirmou que houve uma “evolução no entendimento”. “Apesar de na decisão de 30/01/23 [do então conselheiro João Henrique de Nascimento Freitas] constar que ela não poderia receber recursos ‘dos entes públicos de qualquer esfera do Poder’, nas outras três decisões, especialmente nas duas mais recentes, de 2024 e 2025, a vedação ficou restrita ao recebimento de recursos públicos federais”, afirmou.
“Segundo estas decisões, a ministra pode receber recursos públicos municipais ou estaduais, desde que não haja ‘utilização de recursos públicos federais’, como reafirmado na decisão de 04/02/2025. Portanto, este é o atual entendimento da CEP, manifestado de forma unânime nas três referidas ocasiões”, explicou o advogado.
Os shows de Margareth no Carnaval 2025
As contratações são feitas por meio da Pedra do Mar Produções Artísticas LTDA, empresa que detém a exclusividade da cantora baiana. Margareth era sócia da companhia até agosto do ano passado, quando repassou todas as suas cotas, em um total de R$ 5 mil, para a empresária Jaqueline Matos de Azevedo, que agencia a carreira da artista.
Os contratos foram firmados pelas prefeituras por inexigibilidade, ou seja, sem a realização de licitação, o que é comum nesses tipos de eventos públicos que envolvem artistas.
A Prefeitura de Salvador, por meio da Empresa Salvador Turismo (Saltur), contratou a cantora e ministra da Cultura por R$ 290 mil, segundo documento obtido pela coluna. Ela se apresentou em dois eventos na capital baiana promovidos pelo executivo municipal. O primeiro deles foi em 27 de fevereiro, ainda na quinta-feira anterior ao feriado, quando a artista cantou na Abertura do Carnaval de Salvador e celebrou os 40 anos do Axé Music. Já no domingo de Carnaval, dia 2 de março, apresentou-se no Trio Pipoca.
Também em Salvador, Margareth Menezes cantou no Bloco Os Mascarados, em 27 de fevereiro (quinta-feira); no Trio da Cultura, em 1º de março (sábado); e no Show do Oscar do Carna Pelô, em 2 de março (domingo). Em todos esses eventos, há referências de apoio financeiro do governo da Bahia, mas nem o Executivo estadual nem a assessoria da cantora informaram os valores de contratação.
Do alto dos trios elétricos, entre refrões do clássico “Dandalunda”, a artista aproveitou para parabenizar o governo da Bahia e a Prefeitura de Salvador “pelo Carnaval maravilhoso que estamos fazendo”. “A cidade está linda”, entoou.
Margareth encerrou a turnê de Carnaval em Fortaleza. A prefeitura local contratou a artista por R$ 350 mil para a realização de um show na terça-feira (4/3). Do valor total do contrato, R$ 150 mil foram pagos a título de cachê da ministra, de acordo com a proposta de orçamento enviada pela artista à Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). Outros R$ 34,1 mil foram destinados à empresária da cantora, R$ 33,3 mil à equipe técnica e a cachês de músicos, R$ 80 mil a passagens, hospedagens e alimentação e R$ 52,5 mil a impostos.

Na proposta de orçamento, a equipe de Margareth Menezes destacou ainda que o cachê artístico não poderia ser feito por meio de verba federal e acrescentou que todo o material de divulgação deveria ser aprovado previamente com a equipe da artista.
O que diz Margareth Menezes
Procurada, a assessoria da cantora enviou a seguinte nota:
“Cumpre explicar que a artista está autorizada pela Comissão de Ética da Presidência da República a realizar, dentre outros, shows para empresas privadas, municípios e estados da federação, deste que tais contratações não envolvam recursos públicos federais.
Durante o carnaval, Margareth exerceu sua profissão de cantora fora do horário de trabalho, garantindo que suas apresentações não interferissem nas responsabilidades do seu cargo, seguindo todos os preceitos legais. Os valores são públicos e dizem respeito ao cachê da artista e custos de hospedagem e deslocamento.
Importante destacar que estamos falando de artista de referência nacional e internacional, reconhecida como criadora do movimento brasileiro afropop, e seu papel para a Bahia e para nosso país. Este ano festejamos os 40 anos do Axé, um movimento histórico que tem em Margareth Menezes uma de suas expoentes, e que esteve presente em todos os carnavais neste longo período”.