Breaking
16 Mar 2025, Sun


Com alta nos preços, famílias de Florianópolis, capital com a maior inflação do segmento, trocam alimentos básicos por opções mais baratas

Em uma quinta-feira de março, Silvânia*, de 38 anos, e Antônio*, de 31, foram a um mercado atacadista de Florianópolis fazer compras de itens básicos para alimentação, que consomem cerca de 80% do salário do casal. “No mercado, compramos só o essencial, como café… bem, café não dá mais para comprar, tivemos que trocar por achocolatado”, lamenta o casal, compartilhando um cenário de malabarismos para adequar o salário no final do mês.

Prateleira com cafés, com valores impactada por inflação de alimentosInflação de alimentos muda o hábito e priva trabalhadores de comprar alimentos como café e carne – Foto: ND/Matheus Bastos

Silvânia e Antônio só conseguem fazer as compras com muita pesquisa e mudando hábitos antes consolidados. Ela acompanha redes sociais de diversos atacadistas em Florianópolis para saber o momento e o mercado certo para ir.

“Tenho que pesquisar muito, mas nem os atacadistas estão baratos; só conseguimos vir em dias de promoção”, relata.

Mesmo morando em uma região mais central da cidade, eles recorrem a atacadistas no Sul da Ilha e na região continental. “O custo do combustível também pesa, mas não tem outro jeito. Em março não conseguimos fazer a compra do mês. O preço de tudo subiu muito. Compramos fracionado em mercados diferentes”, conta Antônio.

Prateleira com achocolatados da marca nescauFamílias trocam o café por achocolatado devido à alta na inflação de alimentos – Foto: ND/Matheus Bastos

O cenário de alta de inflação de alimentos pesa em Florianópolis

A inflação de alimentos é a principal vilã econômica dos brasileiros em 2025. As famílias se deparam com grandes aumentos nos preços, e o cenário para moradores de Florianópolis é ainda mais crítico. A inflação na cidade é a maior do Brasil, em comparação com outras 16 capitais, superior inclusive à média nacional nos últimos 12 meses.

Segundo o ICV (Índice de Custo de Vida), desenvolvido pela Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), em um ano o acumulado na capital catarinense ficou em 6,66%, enquanto a inflação nacional ficou na casa de 5,06%.

O café, aliás, foi o principal vilão da inflação em Florianópolis, com a maior variação de preço nos últimos 12 meses, entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025.

  1. Café na versão em pó: 64,7%;
  2. Café na versão solúvel: 57,8%;
  3. Filé mignon: 32,8%;
  4. Azeite de oliva: 28,6%.

Todos tiveram a produção afetada nos últimos meses por conta de problemas climáticos, o que impacta na inflação em Florianópolis.

Segundo José Álvaro de Lima Cardoso, economista supervisor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), há previsão de uma safra robusta neste ano, o que poderia causar uma melhora nos preços. Apesar disso, ele reconhece que é só uma possibilidade, que pode demorar a fazer efeito nos preços dos alimentos.

O economista sugere que a população precisa exigir do governo medidas de combate à inflação de alimentos e consequentes aumentos dos preços.

“Não existe política econômica mais eficiente do que defender a economia do povo e dos trabalhadores”, enfatiza.

A mais recente política de combate ao aumento dos preços foi anunciada em 6 de março pelo governo federal e depois confirmada no dia 13, quando 11 alimentos passaram ter imposto zerado na importação. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) sugeriu que os governadores zerassem impostos estaduais.

Santa Catarina respondeu ao pedido com o argumento de prejuízo de R$ 1 bilhão na arrecadação e informou que já pratica tributo reduzido de 7% em itens da cesta básica, como arroz, feijão, carnes e miudezas de aves e de suíno, leite esterilizado longa vida, farinha de trigo, pão francês, entre outros.

Inflação de alimentos provoca mudança de hábitos de catarinenses

De acordo com o economista José Cardoso, durante os períodos de inflação de alimentos elevada, é comum haver substituições de produtos por correspondentes mais baratos, como a carne pelo ovo.

“Essa situação pode resultar em piora na saúde, aumento da pressão financeira e redução da qualidade de vida”, afirma.

É o que acontece com o casal Silvânia e Antônio. Além do café, a carne de boi deu lugar à de porco por ser “menos salgada para o bolso” no período de alta na inflação de alimentos. A manteiga, o iogurte e o queijo foram cortados da lista de compras da família.

Silvânia fala que carne de boi só é adquirida quando tem uma promoção muito benéfica. “Estou pensando em comprar um freezer para estocar a carne quando está mais barata”, afirma.

Inflação chegou no bolso dos catarinenses – Foto: Joédson Alves/Agência Brasil/NDInflação chegou no bolso dos catarinenses – Foto: Joédson Alves/Agência Brasil/ND

Os dois também revelam que antes tinham uma parte do orçamento separado para emergências, mas tudo foi repassado para conseguir fazer as compras do mercado.

O economista do Dieese aponta que as substituições alimentares motivadas por fatores econômicos podem impactar a qualidade de vida das pessoas de diversas maneiras, sobretudo a nutricional.

A substituição nutricional é uma prática em momentos de crise inflacionária entre as famílias brasileiras e significa um grande rebaixamento na qualidade de vida.

“Com o cobertor salarial curto, as famílias são forçadas a reduzir o consumo de produtos mais nutritivos e optam por opções mais baratas e menos saudáveis”, comenta Cardoso, destacando os casos de trocas de café por achocolatado no cenário de alta da inflação de alimentos.

Trocas necessárias para não faltar alimento em casa

Carne de boi é trocada por frango, ovos e carne de porco por serem mais baratas – Foto: Matheus Bastos/NDCarne de boi é trocada por frango, ovos e carne de porco por serem mais baratas – Foto: Matheus Bastos/ND

Douglas*, de 35 anos, é auxiliar de rampa de aeroporto e pai de três filhas. Ele não trocou o hábito de tomar café, mas afirmou que “mais vale tomar um achocolatado que um café”.

Para tentar não deixar faltar alimentos em casa, ele precisa fazer trabalhos por fora, como jardineiro. “Quando eu era mais novo, queria algo e não podia ter. Por isso faço de tudo para não faltar nada para minhas filhas”, garante.

Na readequação das compras, a família de Douglas deixou a carne de boi de lado e come mais frango e ovo.

Inflação de alimentos mudou hábito da família de Douglas, em Florianópolis – Foto: Matheus Bastos/NDInflação de alimentos mudou hábito da família de Douglas, em Florianópolis – Foto: Matheus Bastos/ND

A compra de mercado para a casa de Douglas chega próximo de R$ 2.800 mensais, quase toda a renda da família. A esposa dele é dona de casa e cuida das filhas de 1, 13 e 14 anos, esta portadora de autismo e muito apegada à mãe. “Ela não consegue trabalhar fora de casa. Diria que é quase impossível ocorrer”, confessa.

Apesar do sacrifício para conseguir sobreviver todo mês, o auxiliar de rampa de aeroporto pensa que “vale mais a pena gastar com comida que com remédio”.

* Silvânia, Antônio e Douglas não compartilharam o sobrenome para o ND Mais

Com alta nos preços, famílias de Florianópolis, capital com a maior inflação do segmento, trocam alimentos básicos por opções mais baratas

Em uma quinta-feira de março, Silvânia*, de 38 anos, e Antônio*, de 31, foram a um mercado atacadista de Florianópolis fazer compras de itens básicos para alimentação, que consomem cerca de 80% do salário do casal. “No mercado, compramos só o essencial, como café… bem, café não dá mais para comprar, tivemos que trocar por achocolatado”, lamenta o casal, compartilhando um cenário de malabarismos para adequar o salário no final do mês.

Prateleira com cafés, com valores impactada por inflação de alimentosInflação de alimentos muda o hábito e priva trabalhadores de comprar alimentos como café e carne – Foto: ND/Matheus Bastos

Silvânia e Antônio só conseguem fazer as compras com muita pesquisa e mudando hábitos antes consolidados. Ela acompanha redes sociais de diversos atacadistas em Florianópolis para saber o momento e o mercado certo para ir.

“Tenho que pesquisar muito, mas nem os atacadistas estão baratos; só conseguimos vir em dias de promoção”, relata.

Mesmo morando em uma região mais central da cidade, eles recorrem a atacadistas no Sul da Ilha e na região continental. “O custo do combustível também pesa, mas não tem outro jeito. Em março não conseguimos fazer a compra do mês. O preço de tudo subiu muito. Compramos fracionado em mercados diferentes”, conta Antônio.

Prateleira com achocolatados da marca nescauFamílias trocam o café por achocolatado devido à alta na inflação de alimentos – Foto: ND/Matheus Bastos

O cenário de alta de inflação de alimentos pesa em Florianópolis

A inflação de alimentos é a principal vilã econômica dos brasileiros em 2025. As famílias se deparam com grandes aumentos nos preços, e o cenário para moradores de Florianópolis é ainda mais crítico. A inflação na cidade é a maior do Brasil, em comparação com outras 16 capitais, superior inclusive à média nacional nos últimos 12 meses.

Segundo o ICV (Índice de Custo de Vida), desenvolvido pela Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), em um ano o acumulado na capital catarinense ficou em 6,66%, enquanto a inflação nacional ficou na casa de 5,06%.

O café, aliás, foi o principal vilão da inflação em Florianópolis, com a maior variação de preço nos últimos 12 meses, entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025.

  1. Café na versão em pó: 64,7%;
  2. Café na versão solúvel: 57,8%;
  3. Filé mignon: 32,8%;
  4. Azeite de oliva: 28,6%.

Todos tiveram a produção afetada nos últimos meses por conta de problemas climáticos, o que impacta na inflação em Florianópolis.

Segundo José Álvaro de Lima Cardoso, economista supervisor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), há previsão de uma safra robusta neste ano, o que poderia causar uma melhora nos preços. Apesar disso, ele reconhece que é só uma possibilidade, que pode demorar a fazer efeito nos preços dos alimentos.

O economista sugere que a população precisa exigir do governo medidas de combate à inflação de alimentos e consequentes aumentos dos preços.

“Não existe política econômica mais eficiente do que defender a economia do povo e dos trabalhadores”, enfatiza.

A mais recente política de combate ao aumento dos preços foi anunciada em 6 de março pelo governo federal e depois confirmada no dia 13, quando 11 alimentos passaram ter imposto zerado na importação. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) sugeriu que os governadores zerassem impostos estaduais.

Santa Catarina respondeu ao pedido com o argumento de prejuízo de R$ 1 bilhão na arrecadação e informou que já pratica tributo reduzido de 7% em itens da cesta básica, como arroz, feijão, carnes e miudezas de aves e de suíno, leite esterilizado longa vida, farinha de trigo, pão francês, entre outros.

Inflação de alimentos provoca mudança de hábitos de catarinenses

De acordo com o economista José Cardoso, durante os períodos de inflação de alimentos elevada, é comum haver substituições de produtos por correspondentes mais baratos, como a carne pelo ovo.

“Essa situação pode resultar em piora na saúde, aumento da pressão financeira e redução da qualidade de vida”, afirma.

É o que acontece com o casal Silvânia e Antônio. Além do café, a carne de boi deu lugar à de porco por ser “menos salgada para o bolso” no período de alta na inflação de alimentos. A manteiga, o iogurte e o queijo foram cortados da lista de compras da família.

Silvânia fala que carne de boi só é adquirida quando tem uma promoção muito benéfica. “Estou pensando em comprar um freezer para estocar a carne quando está mais barata”, afirma.

Inflação chegou no bolso dos catarinenses – Foto: Joédson Alves/Agência Brasil/NDInflação chegou no bolso dos catarinenses – Foto: Joédson Alves/Agência Brasil/ND

Os dois também revelam que antes tinham uma parte do orçamento separado para emergências, mas tudo foi repassado para conseguir fazer as compras do mercado.

O economista do Dieese aponta que as substituições alimentares motivadas por fatores econômicos podem impactar a qualidade de vida das pessoas de diversas maneiras, sobretudo a nutricional.

A substituição nutricional é uma prática em momentos de crise inflacionária entre as famílias brasileiras e significa um grande rebaixamento na qualidade de vida.

“Com o cobertor salarial curto, as famílias são forçadas a reduzir o consumo de produtos mais nutritivos e optam por opções mais baratas e menos saudáveis”, comenta Cardoso, destacando os casos de trocas de café por achocolatado no cenário de alta da inflação de alimentos.

Trocas necessárias para não faltar alimento em casa

Carne de boi é trocada por frango, ovos e carne de porco por serem mais baratas – Foto: Matheus Bastos/NDCarne de boi é trocada por frango, ovos e carne de porco por serem mais baratas – Foto: Matheus Bastos/ND

Douglas*, de 35 anos, é auxiliar de rampa de aeroporto e pai de três filhas. Ele não trocou o hábito de tomar café, mas afirmou que “mais vale tomar um achocolatado que um café”.

Para tentar não deixar faltar alimentos em casa, ele precisa fazer trabalhos por fora, como jardineiro. “Quando eu era mais novo, queria algo e não podia ter. Por isso faço de tudo para não faltar nada para minhas filhas”, garante.

Na readequação das compras, a família de Douglas deixou a carne de boi de lado e come mais frango e ovo.

Inflação de alimentos mudou hábito da família de Douglas, em Florianópolis – Foto: Matheus Bastos/NDInflação de alimentos mudou hábito da família de Douglas, em Florianópolis – Foto: Matheus Bastos/ND

A compra de mercado para a casa de Douglas chega próximo de R$ 2.800 mensais, quase toda a renda da família. A esposa dele é dona de casa e cuida das filhas de 1, 13 e 14 anos, esta portadora de autismo e muito apegada à mãe. “Ela não consegue trabalhar fora de casa. Diria que é quase impossível ocorrer”, confessa.

Apesar do sacrifício para conseguir sobreviver todo mês, o auxiliar de rampa de aeroporto pensa que “vale mais a pena gastar com comida que com remédio”.

* Silvânia, Antônio e Douglas não compartilharam o sobrenome para o ND Mais



Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *