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20 Mar 2025, Thu

Cônsul africano “vendeu” imunidade diplomática para 4 chefões do PCC

A esquerda Marinel Bozhanaj, criminoso de origem albanesa e um dos principais líderes do PCC, com cônsul de Moçambique


São Paulo — O “concierge’ do Primeiro Comando da Capital (PCC) Willian Barile Agati, também conhecido como Senna, se beneficiou da proximidade com Deusdete Januário Gonçalves, na época em que este atuava como cônsul-honorário da República de Moçambique em Minas Gerais, para estabelecer relações criminosas que o ajudaram a fechar negócios que atendiam aos interesses da cúpula da facção.

Ostentando uma vida de luxo, resultante das operações de tráfico internacional de drogas — mas fingindo ser um empresário bem-sucedido —, Senna mantinha relações com gente influente por intermédio do então cônsul, como indica investigação da Polícia Federal (PF).

“Seu vínculo com Moçambique é um dos principais demonstrativos da sua influência e protagonismo no crime organizado transnacional”, diz trecho de relatório, obtido pela reportagem.

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Régis Agati Carneiro, primo do concierge

Reprodução/PF

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A esquerda Marinel Bozhanaj, criminoso de origem albanesa e um dos principais líderes do PCC, com cônsul de Moçambique

Reprodução/PF

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Cônsul de Moçambique (esq) com o “concierge” do PCC

Atualmente, o “concierge” está atrás das grandes, na mesma penitenciária de segurança máxima de Brasília (DF) na qual cumpre pena, desde 2023, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC.

Base do PCC em Moçambique

A investigação da PF mostra que o “concierge” estabeleceu uma base da facção brasileira em Moçambique, ao menos desde julho de 2018, quando Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, foi contratado como adido comercial do Consulado Honorário de Moçambique em Minas Gerais.

Tuta se tornaria a principal liderança do PCC fora do sistema carcerário, responsável pelas relações comerciais ilegais e pela logística para realizá-las para a facção. Ele está oficialmente foragido, mas existe a suspeita de que teria sido assassinado por supostamente desviar dinheiro da organização criminosa. Tuta teria ajudado a facção a lavar R$ 1 bilhão.

Na ocasião da contratação de Tuta, como destacado pela PF, Senna “já tinha vínculo empregatício no referido consulado”, mantendo “relação de proximidade” com o cônsul Deusdete Januário Gonçalves — a ponto de ambos posarem para uma foto apertando as mãos em frente ao prédio da representação diplomática (foto de destaque).

Venda de imunidade

Fazendo jus ao papel de “concierge” do PCC, Senna oferecia “produtos” e “serviços” para membros da facção, como a compra de carteiras de cônsul, dando aos criminosos imunidade diplomática. Para isso, como mostra a investigação da PF, as carteiras consulares eram comercializadas por Deusdete, cada uma, por R$ 2 milhões.

De acordo com o documento policial, o cônsul justificava o alto valor com promessas de privilégios, como “imunidades inerentes à atividade consular, principalmente a inviolabilidade dos escritórios de representação consular, nos quais a polícia não poderia adentrar”. Os escritórios do consulado africano, em outras palavras, poderiam ser usados para movimentar recursos e guardar o dinheiro resultante dos negócios ilegais da facção.

Quatro altos membros do PCC compraram as carteiras. Além de Senna e de Tuta, também tinham o documento Régis Agati Carneiro, primo do “concierge”, e Marinel Bozhanaj, criminoso de origem albanesa e um dos principais líderes do PCC. Todos estavam no quadro de funcionários do consulado de Moçambique em Belo Horizonte, ainda de acordo com a PF.

Sócio de Marcola preso

Um indício forte dos interesses da facção em realizar negócios a partir de Moçambique foi a prisão de Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, em 13 de abril de 2020. Ele é sócio e braço direito de Marcola.

Fuminho ficou foragido no país africano por 20 anos até ser preso. De lá, mantinha relações comerciais que resultavam em ganhos milionários para ele e seu sócio. Apesar de braço direito de Marcola nos negócios, Fuminho não é membro do PCC.

Antes de ser detido, ele atuava como o principal fornecedor de drogas para a maior facção criminosa do Brasil, negociando cargas com produtores do Peru, Bolívia, Colômbia e Paraguai. Remessas ilegais de drogas eram remetidas, a partir desses países, principalmente por via marítima, para a Europa e para a África.

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Tuta é oficialmente considerado foragido

Reprodução/X

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Tuta fazia voos em jatinhos

Reprodução/MPSP

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Tuta levava vida de luxo, segundo investigação

Reprodução/MPSP

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Investigadores acreditam que Tuta possa ter sido morto após PCC identificar desvio de dinheiro

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Tuta (à esquerda) exerceu cargo de adido no Consulado de Moçambique

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Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, Já foi considerado número 1 do PCC nas ruas

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Tuta ocupou o posto de principal líder do PCC nas ruas entre 2020 e 2022, quando foi expulso da facção

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Tuta trabalhou como adido entre 2018 e 2019, com salário de R$ 10 mil

Reprodução/X

Planos de fuga

No mesmo dia da prisão de Fuminho, Senna criou um grupo de troca de mensagens no qual incluiu o cônsul africano. Nas mensagens foram deliberadas duas possibilidades de tirar o sócio de Marcola da cadeia, denominadas “linha lícita” e “linha ilícita”.

Na primeira opção, iriam contratar advogados e tentar libertar Fuminho, por vias legais ou, na “pior das hipóteses”, evitar que ele fosse extraditado para o Brasil — o que acabou acontecendo seis dias após sua prisão.

A outra linha seria tentar corromper policiais e gente do alto escalação do governo moçambicano por meio do pagamento de “propinas vultosas”.

Caso o plano por vias ilegais desse certo, a objetivo da facão era embarcar Fuminho em um avião para levá-lo até um local “seguro”, dentre os quais era cogitada a região dos Bálcãs.

Como mostra a investigação, Deusdete cobrava valores altos para usar sua influência e interceder junto a autoridades que pudessem eventualmente ajudar na fuga do sócio de Marcola.

Em um processo do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Deusdete descreveu Tuta como “um homem de grande idoneidade” e que “desempenhava sua função corretamente” no consulado.

O depoimento da autoridade consular consta em uma sentença proferida em fevereiro do ano passado, na qual Tuta — à revelia — e outros três integrantes do PCC foram condenados por associação criminosa e lavagem de R$ 1 bilhão provenientes do tráfico internacional de drogas.

“Preenchia requisitos”

Tuta trabalhou como adido diplomático entre 2018 e 2019, com carteira assinada. Deusdete afirmou em seu depoimento que o membro do PCC “preenchia todos os requisitos necessários” para o cargo.

Ainda de acordo com o depoimento, Tuta apresentou sua folha de antecedentes à Justiça Federal e Justiça mineira antes de ser contratado pelo consulado. Deusdete destacou, ainda, que Tuta se apresentava como uma pessoa simples, sem ostentar nenhum tipo de riqueza.

Quando o então cônsul foi intimado a falar como testemunha de defesa de Tuta ao TJSP no processo de lavagem de R$ 1 bilhão, Deusdete o desligou do quadro de funcionários do consulado.

A defesa de Deusdete não foi localizada. O Consulado de Moçambique foi questionado, mas não se manifestou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

São Paulo — O “concierge’ do Primeiro Comando da Capital (PCC) Willian Barile Agati, também conhecido como Senna, se beneficiou da proximidade com Deusdete Januário Gonçalves, na época em que este atuava como cônsul-honorário da República de Moçambique em Minas Gerais, para estabelecer relações criminosas que o ajudaram a fechar negócios que atendiam aos interesses da cúpula da facção.

Ostentando uma vida de luxo, resultante das operações de tráfico internacional de drogas — mas fingindo ser um empresário bem-sucedido —, Senna mantinha relações com gente influente por intermédio do então cônsul, como indica investigação da Polícia Federal (PF).

“Seu vínculo com Moçambique é um dos principais demonstrativos da sua influência e protagonismo no crime organizado transnacional”, diz trecho de relatório, obtido pela reportagem.

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Régis Agati Carneiro, primo do concierge

Reprodução/PF

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A esquerda Marinel Bozhanaj, criminoso de origem albanesa e um dos principais líderes do PCC, com cônsul de Moçambique

Reprodução/PF

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Cônsul de Moçambique (esq) com o “concierge” do PCC

Atualmente, o “concierge” está atrás das grandes, na mesma penitenciária de segurança máxima de Brasília (DF) na qual cumpre pena, desde 2023, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC.

Base do PCC em Moçambique

A investigação da PF mostra que o “concierge” estabeleceu uma base da facção brasileira em Moçambique, ao menos desde julho de 2018, quando Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, foi contratado como adido comercial do Consulado Honorário de Moçambique em Minas Gerais.

Tuta se tornaria a principal liderança do PCC fora do sistema carcerário, responsável pelas relações comerciais ilegais e pela logística para realizá-las para a facção. Ele está oficialmente foragido, mas existe a suspeita de que teria sido assassinado por supostamente desviar dinheiro da organização criminosa. Tuta teria ajudado a facção a lavar R$ 1 bilhão.

Na ocasião da contratação de Tuta, como destacado pela PF, Senna “já tinha vínculo empregatício no referido consulado”, mantendo “relação de proximidade” com o cônsul Deusdete Januário Gonçalves — a ponto de ambos posarem para uma foto apertando as mãos em frente ao prédio da representação diplomática (foto de destaque).

Venda de imunidade

Fazendo jus ao papel de “concierge” do PCC, Senna oferecia “produtos” e “serviços” para membros da facção, como a compra de carteiras de cônsul, dando aos criminosos imunidade diplomática. Para isso, como mostra a investigação da PF, as carteiras consulares eram comercializadas por Deusdete, cada uma, por R$ 2 milhões.

De acordo com o documento policial, o cônsul justificava o alto valor com promessas de privilégios, como “imunidades inerentes à atividade consular, principalmente a inviolabilidade dos escritórios de representação consular, nos quais a polícia não poderia adentrar”. Os escritórios do consulado africano, em outras palavras, poderiam ser usados para movimentar recursos e guardar o dinheiro resultante dos negócios ilegais da facção.

Quatro altos membros do PCC compraram as carteiras. Além de Senna e de Tuta, também tinham o documento Régis Agati Carneiro, primo do “concierge”, e Marinel Bozhanaj, criminoso de origem albanesa e um dos principais líderes do PCC. Todos estavam no quadro de funcionários do consulado de Moçambique em Belo Horizonte, ainda de acordo com a PF.

Sócio de Marcola preso

Um indício forte dos interesses da facção em realizar negócios a partir de Moçambique foi a prisão de Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, em 13 de abril de 2020. Ele é sócio e braço direito de Marcola.

Fuminho ficou foragido no país africano por 20 anos até ser preso. De lá, mantinha relações comerciais que resultavam em ganhos milionários para ele e seu sócio. Apesar de braço direito de Marcola nos negócios, Fuminho não é membro do PCC.

Antes de ser detido, ele atuava como o principal fornecedor de drogas para a maior facção criminosa do Brasil, negociando cargas com produtores do Peru, Bolívia, Colômbia e Paraguai. Remessas ilegais de drogas eram remetidas, a partir desses países, principalmente por via marítima, para a Europa e para a África.

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Tuta é oficialmente considerado foragido

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Tuta fazia voos em jatinhos

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Tuta levava vida de luxo, segundo investigação

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Investigadores acreditam que Tuta possa ter sido morto após PCC identificar desvio de dinheiro

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Tuta (à esquerda) exerceu cargo de adido no Consulado de Moçambique

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Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, Já foi considerado número 1 do PCC nas ruas

Reprodução/MPSP

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Tuta ocupou o posto de principal líder do PCC nas ruas entre 2020 e 2022, quando foi expulso da facção

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Tuta trabalhou como adido entre 2018 e 2019, com salário de R$ 10 mil

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Planos de fuga

No mesmo dia da prisão de Fuminho, Senna criou um grupo de troca de mensagens no qual incluiu o cônsul africano. Nas mensagens foram deliberadas duas possibilidades de tirar o sócio de Marcola da cadeia, denominadas “linha lícita” e “linha ilícita”.

Na primeira opção, iriam contratar advogados e tentar libertar Fuminho, por vias legais ou, na “pior das hipóteses”, evitar que ele fosse extraditado para o Brasil — o que acabou acontecendo seis dias após sua prisão.

A outra linha seria tentar corromper policiais e gente do alto escalação do governo moçambicano por meio do pagamento de “propinas vultosas”.

Caso o plano por vias ilegais desse certo, a objetivo da facão era embarcar Fuminho em um avião para levá-lo até um local “seguro”, dentre os quais era cogitada a região dos Bálcãs.

Como mostra a investigação, Deusdete cobrava valores altos para usar sua influência e interceder junto a autoridades que pudessem eventualmente ajudar na fuga do sócio de Marcola.

Em um processo do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Deusdete descreveu Tuta como “um homem de grande idoneidade” e que “desempenhava sua função corretamente” no consulado.

O depoimento da autoridade consular consta em uma sentença proferida em fevereiro do ano passado, na qual Tuta — à revelia — e outros três integrantes do PCC foram condenados por associação criminosa e lavagem de R$ 1 bilhão provenientes do tráfico internacional de drogas.

“Preenchia requisitos”

Tuta trabalhou como adido diplomático entre 2018 e 2019, com carteira assinada. Deusdete afirmou em seu depoimento que o membro do PCC “preenchia todos os requisitos necessários” para o cargo.

Ainda de acordo com o depoimento, Tuta apresentou sua folha de antecedentes à Justiça Federal e Justiça mineira antes de ser contratado pelo consulado. Deusdete destacou, ainda, que Tuta se apresentava como uma pessoa simples, sem ostentar nenhum tipo de riqueza.

Quando o então cônsul foi intimado a falar como testemunha de defesa de Tuta ao TJSP no processo de lavagem de R$ 1 bilhão, Deusdete o desligou do quadro de funcionários do consulado.

A defesa de Deusdete não foi localizada. O Consulado de Moçambique foi questionado, mas não se manifestou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.



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