O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) aceitou, nesta sexta-feira (21/3), a queixa-crime ofertada pelo professor Estevam Thompson, da Universidade de Brasília (UnB), contra o youtuber Wilker Leão, aluno da instituição.
Ao analisar a queixa-crime, a promotora de Justiça Larissa Cerqueira considerou que a denúncia “atendeu aos pressupostos processuais de admissibilidade”, e que os fatos descritos pelo professor são de competência do MPDFT.
Agora, Wilker deve ser ouvido, e o caso deve ir à Justiça.
“Inaceitável”
O professor Estevam Thompson, que dá aulas de História da África, emitiu uma carta aberta nesta sexta-feira (leia na íntegra ao fim do texto). No texto, o educador afirma que o interesse de Wilker é apenas “sabotar as aulas e criar conteúdo para o seu canal de YouTube”. “Para além de atacar a liberdade de cátedra na UnB, WLS expõe também seus colegas, sem a menor consideração sobre as consequências de seus atos e o perigo que ele promove com seu discurso de ódio. Eu mesmo já recebi diversas ameaças, inclusive em seu nome, fatos documentados que estão sendo investigados pela Polícia Civil do DF”, alerta o docente.
“Embora por vezes ele tente, em seus vídeos, passar uma imagem calma e respeitosa, fora das filmagens ele se comporta de forma cínica e provocadora, desrespeitando e ameaçando quem não concorda com seus métodos e objetivos. WLS distorce as falas, inverte contextos e dá interpretações completamente equivocadas sobre o que está sendo dito, seja por ignorância, seja por má-fé”, declara Estevam.
O advogado Melillo Dinis, que defende o professor judicialmente neste caso, considera que o imbróglio entre Wilker e a comunidade acadêmica é “sintoma de três crises simultâneas”. Melillo elenca: “A educação virou arena permanente; as redes (anti)sociais são espaços de ataques desproporcionais e ilegais; e as instituições públicas e os órgãos de controle estão sem saber como reagir diante dos casos graves que não cessa.”
Para o jurista, trata-se de um caso de “abuso estudantil”. “O estudante prevalece de sua posição nas redes sociais, com centenas de milhares de seguidores, para manipular o ambiente da sala de aula, destruir a imagem profissional do professor e exercer o seu poder de forma abusiva”, afirma. Leia o posicionamento na íntegra ao fim do texto.
Entenda o caso
- Wilker Leão é um youtuber de direita que ganhou notoriedade em 2022, quando se envolveu em confusão com o ex-presidente Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada.
- As confusões causadas pelo aluno na UnB começaram em agosto de 2024, quando uma professora registrou boletim de ocorrência acusando o rapaz de gravar as aulas e postar trechos fora de contexto.
- No mês seguinte, o youtuber foi acusado de vazar dados pessoais de colegas da universidade e de incentivar seus seguidores a praticarem invasões e agressões contra os estudantes.
- Wilker não parou e seguiu gravando as aulas e criando conteúdo para suas redes. Os maiores embates ocorriam justamente com Estevam Thompson, que dá aula de História da África.
- Em dezembro, a reitora da UnB, Rozana Naves, decidiu suspender o aluno das aulas de História do Brasil 1 e História da África por 60 dias, considerando que as gravações do youtuber geravam “prejuízo ao regular andamento de disciplinas”.
- Após a notícia da suspensão, Wilker usou suas redes sociais para dizer que estaria sendo perseguido. “[O processo] foi feito sem sequer me dar direito ao contraditório e à ampla defesa”, reclamou.
- O prazo de 60 dias chegou ao fim, e o estudante tem o direito de voltar às aulas neste semestre, que começa na próxima segunda (24/3). Ele fez questão de se matricular nas mesmas matérias das quais foi expulso e também se inscreveu em Pensamento LGBT Brasileiro.
- O posicionamento atual da UnB é de acompanhar o andamento do processo disciplinar discente aberto em desfavor de Wilker, bem como reiterar que “a gravação e a divulgação de conteúdos das aulas sem autorização do professor não são permitidas, podendo configurar violação de direitos autorais.”
- O Ministério da Educação (MEC) afirma que a decisão de afastá-lo ou não é da própria UnB.
- Hoje, Wilker Leão tem 905 mil inscritos em seu canal, no YouTube. O padrão de gravar durante as aulas segue nos vídeos mais recentes, mesmo em período de férias acadêmicas.
Wilker não retornou a nenhum dos contatos feitos pela reportagem do Metrópoles. O espaço segue aberto.
Leia as cartas do professor Estevam Thompson e do advogado Melillo Dinis na íntegra:
Estevam Thompson:
Wilker Leão de Sá (WLS) está matriculado no curso de História da UnB. Mas o seu interesse é apenas sabotar as aulas e criar conteúdo para o seu canal de Youtube, onde declaradamente promove uma campanha difamatória contra a educação pública no Brasil, tendo como foco principal a Universidade de Brasília e seus professores. Para além de atacar a liberdade de cátedra na UnB, WLS expõe também seus colegas, sem a menor consideração sobre as consequências de seus atos e o perigo que ele promove com seu discurso de ódio. Eu mesmo já recebi diversas ameaças, inclusive em seu nome, fatos documentados que estão sendo investigados pela Polícia Civil do DF.
Dentro de sala, WLS tem um comportamento inaceitável para um estudante de universidade, desrespeitando a autoridade dos docentes e tentando, através de ameaças, determinar qual a matéria deve ser dada, e sob qual perspectiva. Ele utiliza-se de frases prontas e de um discurso pré-concebido para atrapalhar as aulas e criar polêmicas vazias, desprovidas de fundamento e que funcionam apenas para causar barulho e tensão. Durante as aulas, ele não somente filma sem permissão, mas fala constantemente para os seus “influenciados”, interrompendo a fala do professor e seu raciocínio, por vezes fazendo comentários impróprios para provocar a reação dos presentes na sala. Tudo documentado por ele mesmo e exposto para seus seguidores.
Embora por vezes ele tente, em seus vídeos, passar uma imagem calma e respeitosa, fora das filmagens ele se comporta de forma cínica e provocadora, desrespeitando e ameaçando quem não concorda com seus métodos e objetivos. WLS distorce as falas, inverte contextos e dá interpretações completamente equivocadas sobre o que está sendo dito, seja por ignorância, seja por má-fé. A ele, só importa coletar imagens que possa editar e distorcer para corroborar seus discurso pré-fabricado de que a UnB é um espaço de doutrinação marxista. Ironicamente, o Departamento de História da UnB é notório pela grande variedade epistêmica e temática de seu corpo docente, sendo claro para aqueles que não estão doutrinados por esse discurso de ódio contra o ensino superior, de que tudo não passa de uma falácia para ganhar dinheiro e tentar se projetar politicamente.
Acredito que a atual reitoria da Universidade de Brasília tem que tomar medidas rigorosas e céleres contra esses ataques, ou estará se arriscando a abrir um precedente perigoso. Não é normal que um aluno que não goste do professor ou da matéria que ele leciona tenha o direito de expor seus colegas e professores, incitando o discurso de ódio das redes sociais sem a menor preocupação sobre as consequências de seus atos.
A universidade é um espaço plural, onde a discussão respeitosa e embasada faz parte do nosso cotidiano. Essa pluralidade está pautada na tolerância. Mas como nos ensina o filósofo britânico Karl Popper, temos que estar preparados para defender essa tolerância do assalto da intolerância, ou seremos destruídos por ela.
Melillo Dinis:
O caso do estudante Wilker Leão de Sá na UnB é sintoma de três crises simultâneas: a educação virou arena permanente; as redes (anti)sociais são espaços de ataques desproporcionais e ilegais; e as instituições públicas e os órgãos de controle estão sem saber como reagir diante dos casos graves que não cessam. Na minha experiência como advogado de muitos casos acadêmicos e da educação, evidente que este tem outro patamar. Há muitas repercussões no campo jurídico, tanto no administrativo, como no cível e no penal.
Defino o ocorrido como “abuso estudantil”, quando o estudante prevalece de sua posição nas redes sociais, com centenas de milhares de seguidores, para manipular o ambiente da sala de aula, destruir a imagem profissional do professor e exercer o seu poder de forma abusiva, causando sequelas tão ou mais dolorosas do que abusos físicos, destruindo o ambiente de ensino-aprendizagem, a partir de um projeto pessoal do discente, seja político, seja econômico ou seja paranoico. Lamento muito que tenha sido necessário ao professor a adoção de medidas para se defender de tantos ataques e proteger o seu trabalho docente, reconhecido pelos seus pares e alunos. Entretanto, confio nas instituições e na resistência individual e coletiva dos professores da UnB, em sua luta por um ensino inclusivo, democrático e competente ao longo de sua existência. E confio no poder judiciário.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) aceitou, nesta sexta-feira (21/3), a queixa-crime ofertada pelo professor Estevam Thompson, da Universidade de Brasília (UnB), contra o youtuber Wilker Leão, aluno da instituição.
Ao analisar a queixa-crime, a promotora de Justiça Larissa Cerqueira considerou que a denúncia “atendeu aos pressupostos processuais de admissibilidade”, e que os fatos descritos pelo professor são de competência do MPDFT.
Agora, Wilker deve ser ouvido, e o caso deve ir à Justiça.
“Inaceitável”
O professor Estevam Thompson, que dá aulas de História da África, emitiu uma carta aberta nesta sexta-feira (leia na íntegra ao fim do texto). No texto, o educador afirma que o interesse de Wilker é apenas “sabotar as aulas e criar conteúdo para o seu canal de YouTube”. “Para além de atacar a liberdade de cátedra na UnB, WLS expõe também seus colegas, sem a menor consideração sobre as consequências de seus atos e o perigo que ele promove com seu discurso de ódio. Eu mesmo já recebi diversas ameaças, inclusive em seu nome, fatos documentados que estão sendo investigados pela Polícia Civil do DF”, alerta o docente.
“Embora por vezes ele tente, em seus vídeos, passar uma imagem calma e respeitosa, fora das filmagens ele se comporta de forma cínica e provocadora, desrespeitando e ameaçando quem não concorda com seus métodos e objetivos. WLS distorce as falas, inverte contextos e dá interpretações completamente equivocadas sobre o que está sendo dito, seja por ignorância, seja por má-fé”, declara Estevam.
O advogado Melillo Dinis, que defende o professor judicialmente neste caso, considera que o imbróglio entre Wilker e a comunidade acadêmica é “sintoma de três crises simultâneas”. Melillo elenca: “A educação virou arena permanente; as redes (anti)sociais são espaços de ataques desproporcionais e ilegais; e as instituições públicas e os órgãos de controle estão sem saber como reagir diante dos casos graves que não cessa.”
Para o jurista, trata-se de um caso de “abuso estudantil”. “O estudante prevalece de sua posição nas redes sociais, com centenas de milhares de seguidores, para manipular o ambiente da sala de aula, destruir a imagem profissional do professor e exercer o seu poder de forma abusiva”, afirma. Leia o posicionamento na íntegra ao fim do texto.
Entenda o caso
- Wilker Leão é um youtuber de direita que ganhou notoriedade em 2022, quando se envolveu em confusão com o ex-presidente Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada.
- As confusões causadas pelo aluno na UnB começaram em agosto de 2024, quando uma professora registrou boletim de ocorrência acusando o rapaz de gravar as aulas e postar trechos fora de contexto.
- No mês seguinte, o youtuber foi acusado de vazar dados pessoais de colegas da universidade e de incentivar seus seguidores a praticarem invasões e agressões contra os estudantes.
- Wilker não parou e seguiu gravando as aulas e criando conteúdo para suas redes. Os maiores embates ocorriam justamente com Estevam Thompson, que dá aula de História da África.
- Em dezembro, a reitora da UnB, Rozana Naves, decidiu suspender o aluno das aulas de História do Brasil 1 e História da África por 60 dias, considerando que as gravações do youtuber geravam “prejuízo ao regular andamento de disciplinas”.
- Após a notícia da suspensão, Wilker usou suas redes sociais para dizer que estaria sendo perseguido. “[O processo] foi feito sem sequer me dar direito ao contraditório e à ampla defesa”, reclamou.
- O prazo de 60 dias chegou ao fim, e o estudante tem o direito de voltar às aulas neste semestre, que começa na próxima segunda (24/3). Ele fez questão de se matricular nas mesmas matérias das quais foi expulso e também se inscreveu em Pensamento LGBT Brasileiro.
- O posicionamento atual da UnB é de acompanhar o andamento do processo disciplinar discente aberto em desfavor de Wilker, bem como reiterar que “a gravação e a divulgação de conteúdos das aulas sem autorização do professor não são permitidas, podendo configurar violação de direitos autorais.”
- O Ministério da Educação (MEC) afirma que a decisão de afastá-lo ou não é da própria UnB.
- Hoje, Wilker Leão tem 905 mil inscritos em seu canal, no YouTube. O padrão de gravar durante as aulas segue nos vídeos mais recentes, mesmo em período de férias acadêmicas.
Wilker não retornou a nenhum dos contatos feitos pela reportagem do Metrópoles. O espaço segue aberto.
Leia as cartas do professor Estevam Thompson e do advogado Melillo Dinis na íntegra:
Estevam Thompson:
Wilker Leão de Sá (WLS) está matriculado no curso de História da UnB. Mas o seu interesse é apenas sabotar as aulas e criar conteúdo para o seu canal de Youtube, onde declaradamente promove uma campanha difamatória contra a educação pública no Brasil, tendo como foco principal a Universidade de Brasília e seus professores. Para além de atacar a liberdade de cátedra na UnB, WLS expõe também seus colegas, sem a menor consideração sobre as consequências de seus atos e o perigo que ele promove com seu discurso de ódio. Eu mesmo já recebi diversas ameaças, inclusive em seu nome, fatos documentados que estão sendo investigados pela Polícia Civil do DF.
Dentro de sala, WLS tem um comportamento inaceitável para um estudante de universidade, desrespeitando a autoridade dos docentes e tentando, através de ameaças, determinar qual a matéria deve ser dada, e sob qual perspectiva. Ele utiliza-se de frases prontas e de um discurso pré-concebido para atrapalhar as aulas e criar polêmicas vazias, desprovidas de fundamento e que funcionam apenas para causar barulho e tensão. Durante as aulas, ele não somente filma sem permissão, mas fala constantemente para os seus “influenciados”, interrompendo a fala do professor e seu raciocínio, por vezes fazendo comentários impróprios para provocar a reação dos presentes na sala. Tudo documentado por ele mesmo e exposto para seus seguidores.
Embora por vezes ele tente, em seus vídeos, passar uma imagem calma e respeitosa, fora das filmagens ele se comporta de forma cínica e provocadora, desrespeitando e ameaçando quem não concorda com seus métodos e objetivos. WLS distorce as falas, inverte contextos e dá interpretações completamente equivocadas sobre o que está sendo dito, seja por ignorância, seja por má-fé. A ele, só importa coletar imagens que possa editar e distorcer para corroborar seus discurso pré-fabricado de que a UnB é um espaço de doutrinação marxista. Ironicamente, o Departamento de História da UnB é notório pela grande variedade epistêmica e temática de seu corpo docente, sendo claro para aqueles que não estão doutrinados por esse discurso de ódio contra o ensino superior, de que tudo não passa de uma falácia para ganhar dinheiro e tentar se projetar politicamente.
Acredito que a atual reitoria da Universidade de Brasília tem que tomar medidas rigorosas e céleres contra esses ataques, ou estará se arriscando a abrir um precedente perigoso. Não é normal que um aluno que não goste do professor ou da matéria que ele leciona tenha o direito de expor seus colegas e professores, incitando o discurso de ódio das redes sociais sem a menor preocupação sobre as consequências de seus atos.
A universidade é um espaço plural, onde a discussão respeitosa e embasada faz parte do nosso cotidiano. Essa pluralidade está pautada na tolerância. Mas como nos ensina o filósofo britânico Karl Popper, temos que estar preparados para defender essa tolerância do assalto da intolerância, ou seremos destruídos por ela.
Melillo Dinis:
O caso do estudante Wilker Leão de Sá na UnB é sintoma de três crises simultâneas: a educação virou arena permanente; as redes (anti)sociais são espaços de ataques desproporcionais e ilegais; e as instituições públicas e os órgãos de controle estão sem saber como reagir diante dos casos graves que não cessam. Na minha experiência como advogado de muitos casos acadêmicos e da educação, evidente que este tem outro patamar. Há muitas repercussões no campo jurídico, tanto no administrativo, como no cível e no penal.
Defino o ocorrido como “abuso estudantil”, quando o estudante prevalece de sua posição nas redes sociais, com centenas de milhares de seguidores, para manipular o ambiente da sala de aula, destruir a imagem profissional do professor e exercer o seu poder de forma abusiva, causando sequelas tão ou mais dolorosas do que abusos físicos, destruindo o ambiente de ensino-aprendizagem, a partir de um projeto pessoal do discente, seja político, seja econômico ou seja paranoico. Lamento muito que tenha sido necessário ao professor a adoção de medidas para se defender de tantos ataques e proteger o seu trabalho docente, reconhecido pelos seus pares e alunos. Entretanto, confio nas instituições e na resistência individual e coletiva dos professores da UnB, em sua luta por um ensino inclusivo, democrático e competente ao longo de sua existência. E confio no poder judiciário.