
O Aprendiz da Extrema-Direita
por Fernando Nogueira da Costa
Na preparação para um seminário com os colegas sobre a política econômica do governo Trump e o pensamento da extrema-direita, tive de conter minha ânsia de vômito quando vejo sua cara. Em busca de informação a seu respeito, resolvi assistir dois filmes sobre o Trump: inicialmente vi um documentário e depois ‘O Aprendiz’, cinebiografia do jovem Donald Trump, ambos no Prime Video.
Dirigido por Ali Abbasi, o longa rendeu indicações de “Melhor Ator” para Sebastian Stan e “Melhor Ator Coadjuvante” para Jeremy Strong. “Espero um filme fajuto e sem classe sobre mim, chamado ‘O Aprendiz’, fracassar. É uma produção barata, difamatória e politicamente nojenta, lançada estrategicamente antes da eleição presidencial de 2024 para tentar prejudicar o maior movimento político da história do nosso país”, escreveu o arrogante atual presidente dos Estados Unidos.
As três regras de seu advogado Roy Cohn, utilizadas por ele ao longo de sua carreira, auxiliam na compreensão da personalidade singular de Trump. Regra nº 1: ataque, ataque e ataque. Regra nº 2: não admita nada, negue tudo. Regra nº 3: sempre proclame vitória e nunca admita derrota.
Mas as ideias da extrema-direita o guiam ou ele é apenas o oportunista de sempre, aliás como muitos submissos políticos latino-americanos? Aproveita-se da onda de radicalismo da extrema-direita, como houve no pré-guerra mundial, durante a Grande Depressão dos anos 30 do século XX?
A direita radical é caracterizada por buscar uma base fundamentalmente nova para o pensamento conservador e por tirar consequências revolucionárias dessa nova base. Suas visões são conflitantes, abrangendo teorias culturais, espirituais e materialistas da vida política.
Embora muitos membros dessa re-evolução conservadora rejeitassem o regime nazista, eles buscam um caminho para o Ocidente ir além do liberalismo meritocrático anglo-americano e do anacrônico comunismo soviético. Culpam esses ideais pelo caos político e pela decadência cultural.
A direita insiste na convicção de as desigualdades serem naturais e, enquanto tal, não são elimináveis. Diz as desigualdades sociais talvez possam ser diminuídas quando se favorecer a competitividade geral, por isso, minimiza a proteção social e maximiza o esforço individual.
Para ela, cada indivíduo é particular e diferente dos demais. Quem acha relevante, para a melhor convivência, a diversidade e/ou a competitividade, pode ser classificado como individualista de direita. Acredita a essência humana ser essencialmente egoísta e imutável.
O liberalismo (considerado de esquerda nos Estados Unidos) seria falso em sua descrição da vida humana ao imaginar indivíduos com as mesmas necessidades e sociedades harmonizadas pacificamente. A verdade, segundo a direita radical, é a herança de modos de pensar e agir de nossas origens etnoculturais não ter condições de ser superada. A identidade humana é primordialmente herdada.
Ao promover a igualdade de estilos de vida, o liberalismo torna as pessoas incapazes de responder às questões básicas da vida. Ao desarraigar as pessoas de comunidades e papéis sociais históricos, desencadeia uma ansiosa preocupação com o pertencimento a grupos identitários.
Os extremistas de direita fazem um protesto moral contra o pressuposto niilismo do mundo pós-liberal. É uma tentativa de imaginar um mundo após o liberalismo.
Assim como no passado alguns direitistas esnobes revelaram desprezo por Hitler e pelo movimento nazista, composto por “idiotas” e pela “escória” da sociedade, motivados por “niilismo” e “ódio”, tal como “o gado” daqui, pensadores de direita adotam o relativismo cultural. Cada cultura possui sua própria psicologia, ciências, artes e políticas, sendo incomensurável ou sem medida comum com outra.
Os neofascistas acreditam na mortalidade das culturas, prevendo o surgimento de líderes populistas eleitos, crescente animosidade racial e crises ambientais. Comparam a fase final do liberalismo ocidental com a queda do Império Romano, devido à mistura de povos e à movimentação de fronteiras.
O “tradicionalismo” é uma corrente de pensamento em busca de identificar os princípios superiores compartilhados pelas grandes tradições espirituais do mundo. Pratica uma rejeição radical dos princípios da modernidade, entre os quais o igualitarismo, o individualismo e o progressismo histórico.
Prega o retorno aos princípios da “Tradição”, vistos como hierárquicos, espiritualmente orientados e enraizados em outra ordem. A história não é linear e progressiva, mas sim cíclica, com Eras de ascensão e declínio de ideologias.
Alguns pensadores da direita extremista criticam as teorias raciais do nazismo por seu foco excessivo na biologia e materialismo e defendem uma concepção mais espiritual da raça, ligada à herança cultural. Veem a pureza racial biológica como insuficiente para a revitalização de um povo.
Apresentam críticas ao cristianismo como fosse fator-chave na dissolução da ordem tradicional e na gênese de valores modernos rejeitados por eles, como o igualitarismo. A espiritualidade cristã impede os crentes de atingir o ápice mais alto da autoafirmação individualista. Lamentam o crescente apoio da igreja moderna à democracia liberal e sua defesa de direitos naturais pela igualdade humana.
A II Guerra Mundial é examinada como um conflito entre as ideologias de liberalismo e comunismo, consideradas filosoficamente relacionadas pela crença na igualdade humana. Uma corrente da direita faz a tentativa “heroica” de construir uma sociedade capaz de escapar dessas ideologias.
Neonazistas não escondem seu antissemitismo virulento. Veem a história ocidental como uma luta eterna contra os judeus, a quem acusam de favorecer o materialismo, o triunfo da economia, a oposição ao absolutismo e à unidade religiosa do Ocidente, em defesa da liberdade de comércio e usura.
A direita vê o “marxismo cultural” como uma arma intelectual, criada pelo “espírito judaico”, para corroer os fundamentos da cultura ocidental. Os marxistas fazem uma crítica destrutiva e promovem valores capazes de minarem a identidade ocidental e sua compulsão inata para a dominação cultural.
Os eurocêntricos de direita defendem a importância da cultura, da história e das tradições europeias como elementos definidores da identidade. Está ligada àquilo distinto de um grupo diante os outros. O pertencimento a um grupo seria fundamental para a realização humana e para a atribuição de significado à vida.
O paganismo cultua muitos deuses e dirige críticas ao cristianismo, vendo-o como incompatível com a identidade e os valores europeus. O homem pagão experimenta o lugar onde nasce como uma relação de filiação, enquanto no monoteísmo bíblico, a terra não é uma pátria original. Desse modo, o cristianismo contribuiu para o universalismo e o individualismo, rejeitados por essa corrente.
A direita radical critica o cristianismo por inventar a autonomia individual em decisões sobre si. Ela também o culpa por desmantelar as desigualdades humanas, em vez de reforçá-las. A crítica não se centra na intolerância do cristianismo para com os de fora, mas sim pela sua abertura a eles.
A direita radical americana representa a ascensão de um movimento político capaz de eleger Donald Trump por duas vezes. Explorou a política para a classe média americana e o ressentimento de uma maioria deslocada, sugerindo a mudança de foco do Partido Republicano para temas nacionalistas e populistas. Estes, e não a ortodoxia do livre mercado, constituem o cerne do Partido Republicano e sua estratégia mais viável para o sucesso eleitoral.
Os pensadores da direita radical criticam as pretensões universalistas do liberalismo ao aplicar os mesmos princípios a todos os indivíduos e culturas. Eles defendem uma visão mais relativista ou particularista do mundo, onde diferentes culturas e grupos possuem seus próprios valores e identidades únicas.
Em resumo, embora compartilhem uma forte oposição ao liberalismo ocidental e seus princípios, os pensadores da direita radical apresentam diagnósticos e soluções diversas, enraizadas em diferentes tradições intelectuais e focadas em diferentes aspectos da crise percebida. Suas convergências residem na rejeição do universalismo e da narrativa de progresso liberal, enquanto suas divergências se manifestam em suas explicações para a decadência ocidental e em suas visões de uma desejável (des)ordem pós-liberal.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
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O Aprendiz da Extrema-Direita
por Fernando Nogueira da Costa
Na preparação para um seminário com os colegas sobre a política econômica do governo Trump e o pensamento da extrema-direita, tive de conter minha ânsia de vômito quando vejo sua cara. Em busca de informação a seu respeito, resolvi assistir dois filmes sobre o Trump: inicialmente vi um documentário e depois ‘O Aprendiz’, cinebiografia do jovem Donald Trump, ambos no Prime Video.
Dirigido por Ali Abbasi, o longa rendeu indicações de “Melhor Ator” para Sebastian Stan e “Melhor Ator Coadjuvante” para Jeremy Strong. “Espero um filme fajuto e sem classe sobre mim, chamado ‘O Aprendiz’, fracassar. É uma produção barata, difamatória e politicamente nojenta, lançada estrategicamente antes da eleição presidencial de 2024 para tentar prejudicar o maior movimento político da história do nosso país”, escreveu o arrogante atual presidente dos Estados Unidos.
As três regras de seu advogado Roy Cohn, utilizadas por ele ao longo de sua carreira, auxiliam na compreensão da personalidade singular de Trump. Regra nº 1: ataque, ataque e ataque. Regra nº 2: não admita nada, negue tudo. Regra nº 3: sempre proclame vitória e nunca admita derrota.
Mas as ideias da extrema-direita o guiam ou ele é apenas o oportunista de sempre, aliás como muitos submissos políticos latino-americanos? Aproveita-se da onda de radicalismo da extrema-direita, como houve no pré-guerra mundial, durante a Grande Depressão dos anos 30 do século XX?
A direita radical é caracterizada por buscar uma base fundamentalmente nova para o pensamento conservador e por tirar consequências revolucionárias dessa nova base. Suas visões são conflitantes, abrangendo teorias culturais, espirituais e materialistas da vida política.
Embora muitos membros dessa re-evolução conservadora rejeitassem o regime nazista, eles buscam um caminho para o Ocidente ir além do liberalismo meritocrático anglo-americano e do anacrônico comunismo soviético. Culpam esses ideais pelo caos político e pela decadência cultural.
A direita insiste na convicção de as desigualdades serem naturais e, enquanto tal, não são elimináveis. Diz as desigualdades sociais talvez possam ser diminuídas quando se favorecer a competitividade geral, por isso, minimiza a proteção social e maximiza o esforço individual.
Para ela, cada indivíduo é particular e diferente dos demais. Quem acha relevante, para a melhor convivência, a diversidade e/ou a competitividade, pode ser classificado como individualista de direita. Acredita a essência humana ser essencialmente egoísta e imutável.
O liberalismo (considerado de esquerda nos Estados Unidos) seria falso em sua descrição da vida humana ao imaginar indivíduos com as mesmas necessidades e sociedades harmonizadas pacificamente. A verdade, segundo a direita radical, é a herança de modos de pensar e agir de nossas origens etnoculturais não ter condições de ser superada. A identidade humana é primordialmente herdada.
Ao promover a igualdade de estilos de vida, o liberalismo torna as pessoas incapazes de responder às questões básicas da vida. Ao desarraigar as pessoas de comunidades e papéis sociais históricos, desencadeia uma ansiosa preocupação com o pertencimento a grupos identitários.
Os extremistas de direita fazem um protesto moral contra o pressuposto niilismo do mundo pós-liberal. É uma tentativa de imaginar um mundo após o liberalismo.
Assim como no passado alguns direitistas esnobes revelaram desprezo por Hitler e pelo movimento nazista, composto por “idiotas” e pela “escória” da sociedade, motivados por “niilismo” e “ódio”, tal como “o gado” daqui, pensadores de direita adotam o relativismo cultural. Cada cultura possui sua própria psicologia, ciências, artes e políticas, sendo incomensurável ou sem medida comum com outra.
Os neofascistas acreditam na mortalidade das culturas, prevendo o surgimento de líderes populistas eleitos, crescente animosidade racial e crises ambientais. Comparam a fase final do liberalismo ocidental com a queda do Império Romano, devido à mistura de povos e à movimentação de fronteiras.
O “tradicionalismo” é uma corrente de pensamento em busca de identificar os princípios superiores compartilhados pelas grandes tradições espirituais do mundo. Pratica uma rejeição radical dos princípios da modernidade, entre os quais o igualitarismo, o individualismo e o progressismo histórico.
Prega o retorno aos princípios da “Tradição”, vistos como hierárquicos, espiritualmente orientados e enraizados em outra ordem. A história não é linear e progressiva, mas sim cíclica, com Eras de ascensão e declínio de ideologias.
Alguns pensadores da direita extremista criticam as teorias raciais do nazismo por seu foco excessivo na biologia e materialismo e defendem uma concepção mais espiritual da raça, ligada à herança cultural. Veem a pureza racial biológica como insuficiente para a revitalização de um povo.
Apresentam críticas ao cristianismo como fosse fator-chave na dissolução da ordem tradicional e na gênese de valores modernos rejeitados por eles, como o igualitarismo. A espiritualidade cristã impede os crentes de atingir o ápice mais alto da autoafirmação individualista. Lamentam o crescente apoio da igreja moderna à democracia liberal e sua defesa de direitos naturais pela igualdade humana.
A II Guerra Mundial é examinada como um conflito entre as ideologias de liberalismo e comunismo, consideradas filosoficamente relacionadas pela crença na igualdade humana. Uma corrente da direita faz a tentativa “heroica” de construir uma sociedade capaz de escapar dessas ideologias.
Neonazistas não escondem seu antissemitismo virulento. Veem a história ocidental como uma luta eterna contra os judeus, a quem acusam de favorecer o materialismo, o triunfo da economia, a oposição ao absolutismo e à unidade religiosa do Ocidente, em defesa da liberdade de comércio e usura.
A direita vê o “marxismo cultural” como uma arma intelectual, criada pelo “espírito judaico”, para corroer os fundamentos da cultura ocidental. Os marxistas fazem uma crítica destrutiva e promovem valores capazes de minarem a identidade ocidental e sua compulsão inata para a dominação cultural.
Os eurocêntricos de direita defendem a importância da cultura, da história e das tradições europeias como elementos definidores da identidade. Está ligada àquilo distinto de um grupo diante os outros. O pertencimento a um grupo seria fundamental para a realização humana e para a atribuição de significado à vida.
O paganismo cultua muitos deuses e dirige críticas ao cristianismo, vendo-o como incompatível com a identidade e os valores europeus. O homem pagão experimenta o lugar onde nasce como uma relação de filiação, enquanto no monoteísmo bíblico, a terra não é uma pátria original. Desse modo, o cristianismo contribuiu para o universalismo e o individualismo, rejeitados por essa corrente.
A direita radical critica o cristianismo por inventar a autonomia individual em decisões sobre si. Ela também o culpa por desmantelar as desigualdades humanas, em vez de reforçá-las. A crítica não se centra na intolerância do cristianismo para com os de fora, mas sim pela sua abertura a eles.
A direita radical americana representa a ascensão de um movimento político capaz de eleger Donald Trump por duas vezes. Explorou a política para a classe média americana e o ressentimento de uma maioria deslocada, sugerindo a mudança de foco do Partido Republicano para temas nacionalistas e populistas. Estes, e não a ortodoxia do livre mercado, constituem o cerne do Partido Republicano e sua estratégia mais viável para o sucesso eleitoral.
Os pensadores da direita radical criticam as pretensões universalistas do liberalismo ao aplicar os mesmos princípios a todos os indivíduos e culturas. Eles defendem uma visão mais relativista ou particularista do mundo, onde diferentes culturas e grupos possuem seus próprios valores e identidades únicas.
Em resumo, embora compartilhem uma forte oposição ao liberalismo ocidental e seus princípios, os pensadores da direita radical apresentam diagnósticos e soluções diversas, enraizadas em diferentes tradições intelectuais e focadas em diferentes aspectos da crise percebida. Suas convergências residem na rejeição do universalismo e da narrativa de progresso liberal, enquanto suas divergências se manifestam em suas explicações para a decadência ocidental e em suas visões de uma desejável (des)ordem pós-liberal.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
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