Pietro Maria Bardi, um dos fundadores do Masp, tinha tino para negócios. Para compor o acervo de seu então recém-inaugurado Museu de Arte de São Paulo, ele comprou, durante um período de dez anos a partir do final da década de 1940, uma pequena coleção de pinturas de Renoir.
À época, Pierre-Auguste Renoir, um dos grandes nomes do impressionismo francês, estava subvalorizado no mercado internacional —o que hoje parece impensável. Bardi arrematou 11 retratos, um gênero de pintura considerado menor em relação à paisagem naquele momento, e também uma paisagem. O pacote foi completo com uma escultura da fase tardia da carreira do artista.
Neste conjunto estava o óleo “Rosa e Azul — As Meninas Cahen d’Anvers”, de 1881, o retrato das filhas do abastado banqueiro Louis Cahen d’Anvers —”a de azul, Elisabeth, com seu ar vaidoso, e a de rosa, Alice, com um certo enfado, quase beirando as lágrimas”, escreve o curador Fernando Oliva sobre a pintura, que se tornou uma das obras-primas do movimento impressionista e, para o Masp, um dos trabalhos de seu acervo que mais chamam público ao museu.
Até há poucos dias, “Rosa e Azul” estava na seleção de obras do acervo do museu exibida em seu prédio original. A partir desta sexta, o quadro pode ser visto no anexo, como parte da mostra “Renoir no Masp”, a principal das cinco exposições que marcam a abertura para o público do novo edifício do Masp, uma estrutura de aparência monolítica vizinha ao monumento vermelho de concreto projetado por Lina Bo Bardi.
Organizada por Oliva, “Renoir no Masp” traz a público, pela primeira vez em 23 anos, a totalidade das obras do impressionista compradas por Bardi, numa mostra que é um conjunto precioso de pinturas e também uma demonstração da força do acervo do museu, detentor da principal coleção de arte europeia do Hemisfério Sul.
A exposição abre com uma pintura de diferentes perspectivas do rosto de Jean Renoir, um dos filhos do pintor, ilustrado com 11 anos na inconfundível estética onírica do impressionista. Ao lado estão dois retratos de outro filho seu, Claude, compondo uma tríade de obras raramente expostas.
Em seguida, chegamos ao cerne da mostra. Oliva mostra à reportagem um dos destaques, o “Retrato da Condessa de Pourtalès”, dama da alta sociedade parisiense do final do século 19 que é mencionada em trechos do clássico “Em Busca do Tempo Perdido”, do escritor Marcel Proust.
“O Renoir é o pintor da mulher moderna. Essas mulheres são livres, elas estão nos seus domínios, tanto as ricas quanto as burguesas. São mulheres em posição de poder”, afirma ele, sobre a pintura. “Elas estão o tempo todo exibindo os seus atributos de classe, de poder, sejam as roupas, as joias, a residência sempre muito opulenta —a opulência dos tecidos, das cortinas, dos sofás, das cadeiras.”
Oliva conta que a técnica de Renoir foi impulsionada pelos avanços da indústria na virada para o século 20. As tintas passaram a ser vendidas em tubos fáceis de serem carregados, o que facilitava a pintura fora do ateliê, e as cores se multiplicavam, com novas tonalidades de vermelho e azul. Renoir e Claude Monet, diz o curador, executavam telas com 15 a 20 cores diferentes, algo impensável antes.
Surgiram também os pinceis chatos, possibilitando uma pintura livre e rápida que deixa as suas marcas na tela. Esta técnica que imita o efeito de uma espátula é uma das responsáveis por criar a assinatura estética do impressionismo, em que os cenários onde os personagens são retratados parecem borrados.
As obras-primas de Renoir estão expostas em cavaletes que vão dividir opiniões. Elas são fixadas em peças de inox em formato de meia-lua, apoiadas no chão por dois pés, sendo que um deles é calcado num pequeno monte de espuma. O design da arquiteta Juliana Godoy tenta atualizar os famosos cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi, uma das marcas registradas da expografia do museu.
Além de trazer a público a sua coleção de Renoir, o Masp comemora a sua expansão com outras quatro exposições, todas no novo prédio —a área expositiva do museu, agora, passa a ser 66% maior. Num dos andares há uma mostra sobre artes da África, no outro, uma de arte geométrica, num terceiro, uma com obras e artefatos contando a história do Masp e, por fim, há um vídeo do britânico Isaac Julien sobre Lina Bo Bardi, com Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.
Com a abertura para visitantes a partir desta sexta, após anos de obras, o novo prédio do Masp passa também a abrigar o restaurante A Baianeira, anteriormente situado no subsolo do edifício original. Além disso, conta com uma versão ampliada da loja de design do museu, com produtos selecionados por Adélia Borges, uma das principais pesquisadoras de design brasileiro.
A ideia da loja, diz Borges, é apresentar “uma visão não hierarquizada da cultura”, isto é, misturar o consagrado com o design popular. Por exemplo, estão expostos lado a lado o banco Mocho, um clássico de Sérgio Rodrigues, com um banquinho feito com galho de árvore por um artesão da Ilha do Ferro, um povoado do sertão alagoano.
Afora isso, há edições limitadas, como uma coleção de joias inspiradas nas obras de Luiz Sacilotto desenhadas por sua nora, Áurea Sacilotto, e um móbile da série das derrapadas de pneu da artista Regina Silveira, além das joias esculturais de Carlos Penna, que faz acessórios desejáveis.
O Masp aproveita a abertura do novo prédio para lançar uma reformulação de sua comunicação visual. O logotipo antigo muda —a letra “m” perde as diagonais e a fonte fica mais pesada. Segundo o designer Leo Porto, que desenvolveu o novo logo com seu sócio, Felipe Rocha, a ideia era criar uma sigla com linhas mais retas, que remetesse tanto ao desenho do prédio original de Lina Bo Bardi quanto ao do novo edifício, projetado pela firma Metro Arquitetos.
“A gente sempre sentiu que o logo anterior parecia um pouco arbitrário nesse sentido, porque não víamos as diagonais em nenhum aspecto arquitetônico ou elemento pré-existente”, diz Porto.
A dupla também projetou um conjunto de duas barras —uma vermelha, na horizontal, usada junto a uma preta, na vertical—, para representar ambos os edifícios. Assim, a marca Masp pode ser comunicada sem a necessidade de que as letras sejam soletradas, afirma Porto. É uma forma gráfica de mostrar que “são dois prédios, mas o museu é um só”, ele diz.