A decisão de tornar Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados réus por envolvimento na trama golpista foi unânime na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, mas há sinais de que divergências surgirão no decorrer da ação penal a que os réus responderão.
Há dois pontos centrais sobre os quais os ministros se pronunciaram entre a terça-feira 25 e esta quarta 26: o tamanho das penas impostas a golpistas do 8 de Janeiro de 2023 e a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
De um lado, Alexandre de Moraes, relator do caso, defende com veemência a conduta da Corte no julgamento de pessoas que participaram dos ataques às sedes dos Três Poderes. De outro, Luiz Fux indica discordâncias.
Não têm sido raras também as ocasiões em que Cristiano Zanin diverge de Moraes no momento de fixar a dosimetria das penas — o ministro indicado pelo presidente Lula (PT) costuma propor punições mais brandas.
Integram a Primeira Turma Moraes, Zanin, Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino.
Na última segunda-feira 24, Fux suspendeu o julgamento de Débora Rodrigues dos Santos, famosa por pichar a frase “perdeu, mané” na estátua A Justiça, em frente à sede do STF. Moraes recomendou 14 anos de prisão, enquanto Fux sinaliza que votará por uma pena menor.
“Confesso que, em determinadas ocasiões, me deparo com uma pena exacerbada. Foi por essa razão que pedi vista desse caso, porque quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava”, disse Fux na sessão desta quarta.
O ministro ainda declarou, dirigindo-se a Moraes, que a Corte julgou “sob violenta emoção” os casos do 8 de Janeiro, mas ponderou que os juízes devem “refletir sobre os erros e os acertos”.
Em resposta ao colega, Moraes classificou como “um absurdo” alegar que Débora Rodrigues estaria sob julgamento apenas pela pichação. Segundo ele, a ré “estava há muito tempo nos quartéis pedindo intervenção militar e invadiu com toda a turba”.
Fux inaugurou as divergências na terça-feira 25, quando contestou o fato de Mauro Cid ter prestado nove depoimentos em seu acordo de colaboração. Disse, inclusive, que reavaliará “no momento próprio” a legalidade e a eficácia de delações em série.
Ainda na audiência inaugural do julgamento da denúncia, Fux foi o único a concordar com o pedido das defesas para que o processo descesse a outras instâncias ou, caso permanecesse na Corte, fosse a julgamento no plenário.
O ministro fez também uma ponderação técnica que indica desalinhamento com Moraes: a caracterização dos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, ambos previstos no Código Penal.
Nos dois casos, considera-se crime a mera tentativa, uma vez que não seria possível punir a concretização de um golpe de Estado ou da abolição do Estado Democrático.
“Tenho absoluta certeza de que se fosse em tempos pretéritos, jamais se caracterizaria a tentativa como consumo”, provocou Fux nesta quarta.
Para o magistrado, em “outros tempos” haveria contestações devido a uma suposta violação da Constituição, do princípio da reserva legal e da individualização das condutas.
A própria separação entre os crimes é alvo de questionamento do ministro. De acordo com ele, há quem avalie se tratar de práticas diferentes, ao mesmo tempo em que outros já veem a tentativa de golpe como um atentado ao Estado de Direito.
Fux projeta que, ao longo da instrução do processo, a Corte pode chegar à conclusão de que um dos dois tipos penais é mais abrangente.
“Tudo isso vai ser avaliado”, assegurou. “Existe a tentativa do crime consumado de tentar. Existem atos preparatórios do crime consumado de tentar. Então, a minha crítica a essas figuras públicas é exatamente a falta de verificação desses antecedentes técnicos científicos.”
Para o jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional, Fux comete um equívoco nessa análise. No caso específico, diz o especialista, o crime de tentativa só poderia ser de tentativa. “Golpe de Estado é um crime de empreendimento, em que a tentativa já é a própria consumação. Isso é no mundo todo, não é nenhuma invenção.”
Para fins didáticos, Streck menciona um hipotético plano de assalto a banco. Uma pessoa aluga um veículo para praticar o crime e providencia as armas e a dinamite a serem utilizadas. Na hora crucial, entretanto, ela desiste da empreitada antes de colocá-la em marcha.
Nesse plano de assalto imaginário, não há punição, porque o crime dependeria de um caminho até a consumação. Em outros cenários, como no golpe, a própria tentativa é o crime — e os atos preparatórios são aqueles que levam à consumação. É a base, por exemplo, das condenações contra os envolvidos no 8 de Janeiro.
A PGR atribuiu cinco crimes a Jair Bolsonaro:
- liderança de organização criminosa armada
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
- golpe de Estado
- dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União
- deterioração de patrimônio tombado.
A pena por tentativa de abolição violenta do Estado é de reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência. Já a punição por tentativa de golpe é de quatro a doze anos, mais a pena relacionada à violência.
Se o STF, ao fim da ação penal, decidisse aplicar as penas máximas de cada crime imputado, Bolsonaro receberia uma sentença de 43 anos de prisão. Por ser réu primário, porém, o ex-presidente tende a ser alvo de uma condenação mais branda caso a Corte o considere culpado.
Além do peso simbólico — uma derrota por 5 votos a 0 é politicamente mais dolorosa —, há outro aspecto relevante em uma possível divergência de Fux no futuro julgamento de Bolsonaro. Se uma eventual condenação na Primeira Turma for unânime, a defesa do ex-presidente não poderá apresentar os chamados embargos infringentes, um recurso que permite reavaliar o mérito da decisão.
Até lá, contudo, haverá o desenrolar da ação penal, com coleta de provas, perícia de documentos e depoimentos da defesa e da acusação. Não há data definida para o Supremo julgar Bolsonaro e os demais réus.
A decisão de tornar Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados réus por envolvimento na trama golpista foi unânime na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, mas há sinais de que divergências surgirão no decorrer da ação penal a que os réus responderão.
Há dois pontos centrais sobre os quais os ministros se pronunciaram entre a terça-feira 25 e esta quarta 26: o tamanho das penas impostas a golpistas do 8 de Janeiro de 2023 e a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
De um lado, Alexandre de Moraes, relator do caso, defende com veemência a conduta da Corte no julgamento de pessoas que participaram dos ataques às sedes dos Três Poderes. De outro, Luiz Fux indica discordâncias.
Não têm sido raras também as ocasiões em que Cristiano Zanin diverge de Moraes no momento de fixar a dosimetria das penas — o ministro indicado pelo presidente Lula (PT) costuma propor punições mais brandas.
Integram a Primeira Turma Moraes, Zanin, Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino.
Na última segunda-feira 24, Fux suspendeu o julgamento de Débora Rodrigues dos Santos, famosa por pichar a frase “perdeu, mané” na estátua A Justiça, em frente à sede do STF. Moraes recomendou 14 anos de prisão, enquanto Fux sinaliza que votará por uma pena menor.
“Confesso que, em determinadas ocasiões, me deparo com uma pena exacerbada. Foi por essa razão que pedi vista desse caso, porque quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava”, disse Fux na sessão desta quarta.
O ministro ainda declarou, dirigindo-se a Moraes, que a Corte julgou “sob violenta emoção” os casos do 8 de Janeiro, mas ponderou que os juízes devem “refletir sobre os erros e os acertos”.
Em resposta ao colega, Moraes classificou como “um absurdo” alegar que Débora Rodrigues estaria sob julgamento apenas pela pichação. Segundo ele, a ré “estava há muito tempo nos quartéis pedindo intervenção militar e invadiu com toda a turba”.
Fux inaugurou as divergências na terça-feira 25, quando contestou o fato de Mauro Cid ter prestado nove depoimentos em seu acordo de colaboração. Disse, inclusive, que reavaliará “no momento próprio” a legalidade e a eficácia de delações em série.
Ainda na audiência inaugural do julgamento da denúncia, Fux foi o único a concordar com o pedido das defesas para que o processo descesse a outras instâncias ou, caso permanecesse na Corte, fosse a julgamento no plenário.
O ministro fez também uma ponderação técnica que indica desalinhamento com Moraes: a caracterização dos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, ambos previstos no Código Penal.
Nos dois casos, considera-se crime a mera tentativa, uma vez que não seria possível punir a concretização de um golpe de Estado ou da abolição do Estado Democrático.
“Tenho absoluta certeza de que se fosse em tempos pretéritos, jamais se caracterizaria a tentativa como consumo”, provocou Fux nesta quarta.
Para o magistrado, em “outros tempos” haveria contestações devido a uma suposta violação da Constituição, do princípio da reserva legal e da individualização das condutas.
A própria separação entre os crimes é alvo de questionamento do ministro. De acordo com ele, há quem avalie se tratar de práticas diferentes, ao mesmo tempo em que outros já veem a tentativa de golpe como um atentado ao Estado de Direito.
Fux projeta que, ao longo da instrução do processo, a Corte pode chegar à conclusão de que um dos dois tipos penais é mais abrangente.
“Tudo isso vai ser avaliado”, assegurou. “Existe a tentativa do crime consumado de tentar. Existem atos preparatórios do crime consumado de tentar. Então, a minha crítica a essas figuras públicas é exatamente a falta de verificação desses antecedentes técnicos científicos.”
Para o jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional, Fux comete um equívoco nessa análise. No caso específico, diz o especialista, o crime de tentativa só poderia ser de tentativa. “Golpe de Estado é um crime de empreendimento, em que a tentativa já é a própria consumação. Isso é no mundo todo, não é nenhuma invenção.”
Para fins didáticos, Streck menciona um hipotético plano de assalto a banco. Uma pessoa aluga um veículo para praticar o crime e providencia as armas e a dinamite a serem utilizadas. Na hora crucial, entretanto, ela desiste da empreitada antes de colocá-la em marcha.
Nesse plano de assalto imaginário, não há punição, porque o crime dependeria de um caminho até a consumação. Em outros cenários, como no golpe, a própria tentativa é o crime — e os atos preparatórios são aqueles que levam à consumação. É a base, por exemplo, das condenações contra os envolvidos no 8 de Janeiro.
A PGR atribuiu cinco crimes a Jair Bolsonaro:
- liderança de organização criminosa armada
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
- golpe de Estado
- dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União
- deterioração de patrimônio tombado.
A pena por tentativa de abolição violenta do Estado é de reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência. Já a punição por tentativa de golpe é de quatro a doze anos, mais a pena relacionada à violência.
Se o STF, ao fim da ação penal, decidisse aplicar as penas máximas de cada crime imputado, Bolsonaro receberia uma sentença de 43 anos de prisão. Por ser réu primário, porém, o ex-presidente tende a ser alvo de uma condenação mais branda caso a Corte o considere culpado.
Além do peso simbólico — uma derrota por 5 votos a 0 é politicamente mais dolorosa —, há outro aspecto relevante em uma possível divergência de Fux no futuro julgamento de Bolsonaro. Se uma eventual condenação na Primeira Turma for unânime, a defesa do ex-presidente não poderá apresentar os chamados embargos infringentes, um recurso que permite reavaliar o mérito da decisão.
Até lá, contudo, haverá o desenrolar da ação penal, com coleta de provas, perícia de documentos e depoimentos da defesa e da acusação. Não há data definida para o Supremo julgar Bolsonaro e os demais réus.