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Quem quer comprar terras raras?
por Fernando JG Landgraf
As terras raras fazem parte dos minerais estratégicos por motivos geopolíticos. Nem é um negócio muito grande, mas é dominado pela China, tem preços voláteis, o futuro da mobilidade elétrica depende delas e algumas de suas aplicações tem uso militar. A principal aplicação das terras raras, aquela que define sua criticidade, se dá nos super-ímãs inventados 40 anos atrás. Os 17 elementos, que juntos formam as terras raras, ocorrem conjuntamente na natureza, são quimicamente semelhantes, mas só alguns formam compostos que tem propriedades magnéticas excepcionais: praseodímio, neodímio, disprósio e térbio.
Um importante minério foi recentemente identificado em grande quantidade no Brasil, muito mais simples de extrair os elementos químicos úteis, apesar do seu baixo teor: as argilas iônicas. Até onde poderão ir as empresas que detém direitos de pesquisa ou de lavra desses minérios? Exportarão um concentrado de terras raras? Farão a separação dos elementos individuais úteis? Teremos uma fábrica de ímãs de terras raras no Brasil?
Uma importante questão é, quem compra? Vários projetos de mineração estão em curso, pretendendo desenvolver o processo de concentração do conjunto de elementos de terras raras, para exportação. Não é viável exportar o minério bruto, pois o teor de terras raras é em geral menor do que 3%. O minério precisa ser processado para concentrar o teor de terras raras. O mercado comprador desses concentrados são as empresas que fazem a separação de cada elemento químico das terras raras, um processo hidrometalúrgico complexo, demorado e caro, que envolve operações de extração por solventes, troca iônica e cristalização.
Esse mercado comprador está basicamente localizado na China, assim como os próximos elos da cadeia até o produto final, os ímãs de terras raras. A China produz algo como 90% desses ímãs usados no mundo. Aproximadamente 150.000 t de ímãs são produzidos anualmente, usados nos discos rígidos das nuvens, nos motores dos carros elétricos e nos geradores eólicos. Empresas chinesas separam 90% das terras raras do mundo. A Australia aparece como segundo lugar nesse mercado, com base em uma empresa, a Lynas, que faz a separação na Malasia e tem crescido e sobrevivido graças ao interesse de fabricantes japoneses de ímãs. O governo americano está colaborando no financiamento de uma instalação de separação da Lynas no estado do Texas. A produção americana de concentrado de terras foi retomada, na mina de Mountain Pass (MP). O governo americano ofereceu vantagens para essa mineradora construir uma instalação de separação, pois hoje ela vende tudo para a China. São projetos em constituição, ameaçados pela redução momentânea dos preços das terras raras no mercado mundial.
O primeiro produtor brasileiro desse concentrado, a Mineração Serra Verde, tem sua produção já comprometida para os chineses. Hoje, o único comprador independente é a Neo Performance, que processa até 3000t por ano e declarou interesse em comprar concentrado da Meteoric, empresa australiana que está desenvolvendo seu processo em Poços de Caldas. Uma empresa americana, a Energy Fuels, anunciou que já está em operação a primeira fase de uma planta de separação em White Mesa, Utah, EUA, e menciona ter adquirido reservas no estado da Bahia.
Vários outros projetos de concentração de terras raras estão em pesquisa no Brasil. A questão é aquela, “quem comprará o concentrado”? Existe demanda suficiente para todas essas ofertas?
Os preços do óxido de neodímio hoje são bem maiores do que o histórico da década de 2010, excluído o pico de 2011. O preço médio do Nd metálico entre 2015 e 2020 foi de US50/kg, subiu para US200 em janeiro de 2022 e hoje, agosto de 2024, está em US70.
Discute-se a viabilidade de estabelecer aqui no Brasil uma instalação de separação. O Centro de Pesquisas Minerais CETEM, no RJ, tem acumulado experiência laboratorial na separação por solvente. É o suficiente para projetar uma instalação industrial? Que empresa se interessaria por isso? A Meteoric e outras aceitam trabalhar nessa hipótese.
Volta novamente a mesma questão: mas quem compraria os óxidos de neodímio produzidos por uma iniciativa brasileira? Para transformar o óxido em metal, fundir a liga neodímio-ferro-boro, teria que ser uma empresa produtora de ímãs.
O SENAI CIT-MG vai operar em breve uma instalação semi-industrial de fabricação de ímãs, que pode incentivar empreendedores a investir. Ouantas empresas fabricantes de ímãs existem fora da China? Poucas. A principal empresa alemã, VAC, beneficiou-se de ajuda do governo americano para produzir ímãs, na Carolina do Sul. A Neo Performance, que fabrica uma classe diferente de ímãs, os bonded-magnets (5% do mercado total de ímãs), na Tailândia, anunciou que vai montar fábrica de ímãs sinterizados na Europa. A mineradora MP afirma investir numa fábrica de ímãs com capacidade para 1000 toneladas por ano. No Japão, a antiga Hitachi Metals, agora chamada Proterial, é o principal fabricante.
Por fim, quem compra os ímãs? A indústria automobilística, a de discos rígidos, a de geradores eólicos, por exemplo, vão se dispor a pagar mais por um produto “ocidental” se o preço chines for imbatível? Os fabricantes chineses de carros elétricos que estão sendo instalados no Brasil trarão da China seus motores a ímã de terras raras?
A riqueza mineral brasileira não é suficiente para garantir o tal adensamento das subsequentes cadeias produtivas. É possível conceber uma política industrial que agregue mais valor? Outros estão fazendo isso: os Estados Unidos lançaram várias ações de apoio a iniciativas industriais de separação de terras raras e fabricação de ímãs. Em março de 2024 a União Europeia editou o Ato das Matérias Primas Críticas, com iniciativas para garantir o acesso da Europa às terras raras. Com o intuito de proteger a sua posição dominante, em dezembro de 2023 a China proibiu a exportação de tecnologia e equipamentos da cadeia das terras raras.
Qualquer plano brasileiro tem que demonstrar, ao menos no papel, sua viabilidade. Quem compra? No caso dos concentrados brasileiros, a tarefa me parece ser das próprias junior miners. Para avançarmos em direção à separação, é necessário estabelecer a escala mínima economicamente viável, identificar candidatos a compradores de óxidos e estabelecer alianças, ao menos no papel, que indiquem o interesse real na futura compra. Se avançarmos ainda mais, na direção de uma fábrica de ímãs, também será necessário estabelecer a escala viável e buscar os compradores adequados a essa escala. Essas alianças precisam ser estabelecidas antes de investir mais pesadamente nesses caminhos. Onde buscar as alianças? Nos EUA, Europa, no Japão, na China?
Fernando JG Landgraf, professor titular da Escola Politécnica da USP, coordenador do INCT sobre ímãs de terras raras
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
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Quem quer comprar terras raras?
por Fernando JG Landgraf
As terras raras fazem parte dos minerais estratégicos por motivos geopolíticos. Nem é um negócio muito grande, mas é dominado pela China, tem preços voláteis, o futuro da mobilidade elétrica depende delas e algumas de suas aplicações tem uso militar. A principal aplicação das terras raras, aquela que define sua criticidade, se dá nos super-ímãs inventados 40 anos atrás. Os 17 elementos, que juntos formam as terras raras, ocorrem conjuntamente na natureza, são quimicamente semelhantes, mas só alguns formam compostos que tem propriedades magnéticas excepcionais: praseodímio, neodímio, disprósio e térbio.
Um importante minério foi recentemente identificado em grande quantidade no Brasil, muito mais simples de extrair os elementos químicos úteis, apesar do seu baixo teor: as argilas iônicas. Até onde poderão ir as empresas que detém direitos de pesquisa ou de lavra desses minérios? Exportarão um concentrado de terras raras? Farão a separação dos elementos individuais úteis? Teremos uma fábrica de ímãs de terras raras no Brasil?
Uma importante questão é, quem compra? Vários projetos de mineração estão em curso, pretendendo desenvolver o processo de concentração do conjunto de elementos de terras raras, para exportação. Não é viável exportar o minério bruto, pois o teor de terras raras é em geral menor do que 3%. O minério precisa ser processado para concentrar o teor de terras raras. O mercado comprador desses concentrados são as empresas que fazem a separação de cada elemento químico das terras raras, um processo hidrometalúrgico complexo, demorado e caro, que envolve operações de extração por solventes, troca iônica e cristalização.
Esse mercado comprador está basicamente localizado na China, assim como os próximos elos da cadeia até o produto final, os ímãs de terras raras. A China produz algo como 90% desses ímãs usados no mundo. Aproximadamente 150.000 t de ímãs são produzidos anualmente, usados nos discos rígidos das nuvens, nos motores dos carros elétricos e nos geradores eólicos. Empresas chinesas separam 90% das terras raras do mundo. A Australia aparece como segundo lugar nesse mercado, com base em uma empresa, a Lynas, que faz a separação na Malasia e tem crescido e sobrevivido graças ao interesse de fabricantes japoneses de ímãs. O governo americano está colaborando no financiamento de uma instalação de separação da Lynas no estado do Texas. A produção americana de concentrado de terras foi retomada, na mina de Mountain Pass (MP). O governo americano ofereceu vantagens para essa mineradora construir uma instalação de separação, pois hoje ela vende tudo para a China. São projetos em constituição, ameaçados pela redução momentânea dos preços das terras raras no mercado mundial.
O primeiro produtor brasileiro desse concentrado, a Mineração Serra Verde, tem sua produção já comprometida para os chineses. Hoje, o único comprador independente é a Neo Performance, que processa até 3000t por ano e declarou interesse em comprar concentrado da Meteoric, empresa australiana que está desenvolvendo seu processo em Poços de Caldas. Uma empresa americana, a Energy Fuels, anunciou que já está em operação a primeira fase de uma planta de separação em White Mesa, Utah, EUA, e menciona ter adquirido reservas no estado da Bahia.
Vários outros projetos de concentração de terras raras estão em pesquisa no Brasil. A questão é aquela, “quem comprará o concentrado”? Existe demanda suficiente para todas essas ofertas?
Os preços do óxido de neodímio hoje são bem maiores do que o histórico da década de 2010, excluído o pico de 2011. O preço médio do Nd metálico entre 2015 e 2020 foi de US50/kg, subiu para US200 em janeiro de 2022 e hoje, agosto de 2024, está em US70.
Discute-se a viabilidade de estabelecer aqui no Brasil uma instalação de separação. O Centro de Pesquisas Minerais CETEM, no RJ, tem acumulado experiência laboratorial na separação por solvente. É o suficiente para projetar uma instalação industrial? Que empresa se interessaria por isso? A Meteoric e outras aceitam trabalhar nessa hipótese.
Volta novamente a mesma questão: mas quem compraria os óxidos de neodímio produzidos por uma iniciativa brasileira? Para transformar o óxido em metal, fundir a liga neodímio-ferro-boro, teria que ser uma empresa produtora de ímãs.
O SENAI CIT-MG vai operar em breve uma instalação semi-industrial de fabricação de ímãs, que pode incentivar empreendedores a investir. Ouantas empresas fabricantes de ímãs existem fora da China? Poucas. A principal empresa alemã, VAC, beneficiou-se de ajuda do governo americano para produzir ímãs, na Carolina do Sul. A Neo Performance, que fabrica uma classe diferente de ímãs, os bonded-magnets (5% do mercado total de ímãs), na Tailândia, anunciou que vai montar fábrica de ímãs sinterizados na Europa. A mineradora MP afirma investir numa fábrica de ímãs com capacidade para 1000 toneladas por ano. No Japão, a antiga Hitachi Metals, agora chamada Proterial, é o principal fabricante.
Por fim, quem compra os ímãs? A indústria automobilística, a de discos rígidos, a de geradores eólicos, por exemplo, vão se dispor a pagar mais por um produto “ocidental” se o preço chines for imbatível? Os fabricantes chineses de carros elétricos que estão sendo instalados no Brasil trarão da China seus motores a ímã de terras raras?
A riqueza mineral brasileira não é suficiente para garantir o tal adensamento das subsequentes cadeias produtivas. É possível conceber uma política industrial que agregue mais valor? Outros estão fazendo isso: os Estados Unidos lançaram várias ações de apoio a iniciativas industriais de separação de terras raras e fabricação de ímãs. Em março de 2024 a União Europeia editou o Ato das Matérias Primas Críticas, com iniciativas para garantir o acesso da Europa às terras raras. Com o intuito de proteger a sua posição dominante, em dezembro de 2023 a China proibiu a exportação de tecnologia e equipamentos da cadeia das terras raras.
Qualquer plano brasileiro tem que demonstrar, ao menos no papel, sua viabilidade. Quem compra? No caso dos concentrados brasileiros, a tarefa me parece ser das próprias junior miners. Para avançarmos em direção à separação, é necessário estabelecer a escala mínima economicamente viável, identificar candidatos a compradores de óxidos e estabelecer alianças, ao menos no papel, que indiquem o interesse real na futura compra. Se avançarmos ainda mais, na direção de uma fábrica de ímãs, também será necessário estabelecer a escala viável e buscar os compradores adequados a essa escala. Essas alianças precisam ser estabelecidas antes de investir mais pesadamente nesses caminhos. Onde buscar as alianças? Nos EUA, Europa, no Japão, na China?
Fernando JG Landgraf, professor titular da Escola Politécnica da USP, coordenador do INCT sobre ímãs de terras raras
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
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