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31 Mar 2025, Mon

"O discurso masculinista está chegando nos meninos muito cedo", diz psicóloga sobre radicalização de jovens na internet




Série impulsionou debate sobre radicalização online que leva a comportamentos prejudiciais inclusive na vida adulta dos homens A série Adolescência tem sido um dos tópicos mais discutidos nesta semana por levantar questões sobre masculinidade, violência de gênero, crise nas escolas e a urgência de abordar a influência de discursos masculinistas entre os jovens nas redes sociais. O debate foi impulsionado pela história fictícia de Jamie Miller, um adolescente de 13 anos acusado do assassinato de sua colega de classe, Katie. Ao longo dos quatro episódios, a narrativa explora como ideologias misóginas presentes em comunidades na internet podem impactar negativamente o comportamento de adolescentes.
“A proliferação desse discurso masculinista está chegando nos meninos muito cedo, quando estão na fase de construção de identidade muito frágil — não é à toa que na série o personagem principal é um adolescente de 13 anos, quando a permeabilidade a diferentes discursos é maior”, diz Anna Cláudia Eutrópio, psicóloga e doutora em Educação.
Com trajetória de mais de 20 anos na educação em sexualidade, a psicóloga autora do livro Adolescências: diálogos transformadores diz que observa cada vez mais jovens entrando em contato com esses discursos internet e, que sem espaços coletivos de escuta, a conversa sobre masculinidade acaba acontecendo somente a partir destes conteúdos.
“As figuras masculinas vêm com carga afetiva, não precisa ser de sangue, mas pode ser um pai, professor, vizinho, uma figura que venha com afeto. Se essa voz se silencia, o jovem vai escutar as vozes da internet como verdade. É importante que várias vozes cheguem e sejam problematizadas no coletivo.”

Etarismo na adolescência
Nos quatro episódios, a série apresenta a influência dos pais, da escola e dos amigos do personagem principal e como tudo isso pode influenciar negativamente o desenvolvimento emocional de adolescentes — o que, neste caso, levou a comportamentos prejudiciais tanto para si mesmo quanto para a sociedade.
“A família tem muitos papéis. Um deles é a informação, que é o modo que ela se relacionada. Uma família com equidade de gênero, onde filho assiste o pai fazendo compras, cuidando da casa, já é uma intervenção na sociedade que vivemos”, analisa Anna Cláudia.
Segundo a psicóloga, há um “etarismo” entre os adultos que acabam desqualificando as formas de expressão nesta época da vida, como as músicas, os sonhos e a rotina do adolescente. O resultado deste comportamento é o afastamento desses jovens.
“É necessário um controle das big techs, mas os adolescentes precisam que a gente os escute sem os desqualificar. Só chamamos eles de ‘aborrecentes’. Com isso, vamos os silenciando. Se tudo que eles falam a gente desqualifica, eles param de falar com os adultos e conversam só entre eles. É necessário que os professores enxerguem a potência dessa fase e não só a desqualifiquem. Se não fizermos isso, estaremos os deixando a deriva.”
Crise na masculinidade
A crise na masculinidade não afeta somente adolescentes, que estão no processo de construção de identidade e subjetividade. Autor do livro Cavalo, Lucas Castor conta há uma crise “em ser homem” que, na sua visão, é impulsionada por diversos fatores, entre eles a não verbalização de sentimentos.
No livro, que narra os dilemas do homem contemporâneo e os embaraços da masculinidade tóxica e compulsória, além de construção de identidade, um servidor público de meia-idade que enfrenta desafios relacionados ao envelhecimento, impotência sexual e à construção do “ser homem”. A trama alterna entre o presente e memórias de sua infância e adolescência.
“Minha infância e adolescência foram nos anos 1990 e início dos 2000. Diferente de hoje, tempo em que se fala abertamente sobre a importância da saúde mental, na minha época o ‘homem não chora’ e ‘o homem não fala dos sentimentos’ ainda era a regra”, diz Castor.
“Não se falava com todas as letras, como na época de meus pais, mas estava implícito que eu não deveria me mostrar frágil. Então vivi relacionamentos nos quais sofri e nos quais provoquei sofrimento nas minhas companheiras, nos meus amigos e nos meus familiares sem conversar de peito aberto sobre. É preciso fazer um trabalho constante de abertura para si e para o outro. Falar e escutar.”
Essa crise não veio de hoje. Segundo ele, há séculos, o imaginário ocidental molda as categorias de gênero em oposição umas as outras. Mas hoje, um homem moderno não saber qual é seu espaço ou a definição “do que é ser homem” já é um sinal de mudança.
Para onde vai essa crise, porém, é impossível de responder agora. Segundo o escritor, há diversos exemplos que mostram que quando a masculinidade vê seu espaço ser ameaçado a reação é a violência. No Brasil, por exemplo, há uma das maiores taxas de feminicídio do mundo, de 3,5 casos para cada grupo de 100 mil mulheres — o dobro do registrado, por exemplo, em Cuba, na Tanzânia, em Belarus ou no Cazaquistão.
“Para ficar na minha praia, cito o movimento Leia Mulheres, no Brasil. Não há dúvida de quer ler mulheres contribui para a diminuição da violência contra as mulheres, e para o alargamento da nossa visão de masculinidade. Foi com a mudança da cultura, em geral, que me vi livre para dizer ao outro que estava sofrendo, que via que ela estava sofrendo, e tampouco causar sofrimento. É preciso fazer um trabalho constante de abertura para si e para o outro. Falar e escutar”.


Série impulsionou debate sobre radicalização online que leva a comportamentos prejudiciais inclusive na vida adulta dos homens A série Adolescência tem sido um dos tópicos mais discutidos nesta semana por levantar questões sobre masculinidade, violência de gênero, crise nas escolas e a urgência de abordar a influência de discursos masculinistas entre os jovens nas redes sociais. O debate foi impulsionado pela história fictícia de Jamie Miller, um adolescente de 13 anos acusado do assassinato de sua colega de classe, Katie. Ao longo dos quatro episódios, a narrativa explora como ideologias misóginas presentes em comunidades na internet podem impactar negativamente o comportamento de adolescentes.
“A proliferação desse discurso masculinista está chegando nos meninos muito cedo, quando estão na fase de construção de identidade muito frágil — não é à toa que na série o personagem principal é um adolescente de 13 anos, quando a permeabilidade a diferentes discursos é maior”, diz Anna Cláudia Eutrópio, psicóloga e doutora em Educação.
Com trajetória de mais de 20 anos na educação em sexualidade, a psicóloga autora do livro Adolescências: diálogos transformadores diz que observa cada vez mais jovens entrando em contato com esses discursos internet e, que sem espaços coletivos de escuta, a conversa sobre masculinidade acaba acontecendo somente a partir destes conteúdos.
“As figuras masculinas vêm com carga afetiva, não precisa ser de sangue, mas pode ser um pai, professor, vizinho, uma figura que venha com afeto. Se essa voz se silencia, o jovem vai escutar as vozes da internet como verdade. É importante que várias vozes cheguem e sejam problematizadas no coletivo.”

Etarismo na adolescência
Nos quatro episódios, a série apresenta a influência dos pais, da escola e dos amigos do personagem principal e como tudo isso pode influenciar negativamente o desenvolvimento emocional de adolescentes — o que, neste caso, levou a comportamentos prejudiciais tanto para si mesmo quanto para a sociedade.
“A família tem muitos papéis. Um deles é a informação, que é o modo que ela se relacionada. Uma família com equidade de gênero, onde filho assiste o pai fazendo compras, cuidando da casa, já é uma intervenção na sociedade que vivemos”, analisa Anna Cláudia.
Segundo a psicóloga, há um “etarismo” entre os adultos que acabam desqualificando as formas de expressão nesta época da vida, como as músicas, os sonhos e a rotina do adolescente. O resultado deste comportamento é o afastamento desses jovens.
“É necessário um controle das big techs, mas os adolescentes precisam que a gente os escute sem os desqualificar. Só chamamos eles de ‘aborrecentes’. Com isso, vamos os silenciando. Se tudo que eles falam a gente desqualifica, eles param de falar com os adultos e conversam só entre eles. É necessário que os professores enxerguem a potência dessa fase e não só a desqualifiquem. Se não fizermos isso, estaremos os deixando a deriva.”
Crise na masculinidade
A crise na masculinidade não afeta somente adolescentes, que estão no processo de construção de identidade e subjetividade. Autor do livro Cavalo, Lucas Castor conta há uma crise “em ser homem” que, na sua visão, é impulsionada por diversos fatores, entre eles a não verbalização de sentimentos.
No livro, que narra os dilemas do homem contemporâneo e os embaraços da masculinidade tóxica e compulsória, além de construção de identidade, um servidor público de meia-idade que enfrenta desafios relacionados ao envelhecimento, impotência sexual e à construção do “ser homem”. A trama alterna entre o presente e memórias de sua infância e adolescência.
“Minha infância e adolescência foram nos anos 1990 e início dos 2000. Diferente de hoje, tempo em que se fala abertamente sobre a importância da saúde mental, na minha época o ‘homem não chora’ e ‘o homem não fala dos sentimentos’ ainda era a regra”, diz Castor.
“Não se falava com todas as letras, como na época de meus pais, mas estava implícito que eu não deveria me mostrar frágil. Então vivi relacionamentos nos quais sofri e nos quais provoquei sofrimento nas minhas companheiras, nos meus amigos e nos meus familiares sem conversar de peito aberto sobre. É preciso fazer um trabalho constante de abertura para si e para o outro. Falar e escutar.”
Essa crise não veio de hoje. Segundo ele, há séculos, o imaginário ocidental molda as categorias de gênero em oposição umas as outras. Mas hoje, um homem moderno não saber qual é seu espaço ou a definição “do que é ser homem” já é um sinal de mudança.
Para onde vai essa crise, porém, é impossível de responder agora. Segundo o escritor, há diversos exemplos que mostram que quando a masculinidade vê seu espaço ser ameaçado a reação é a violência. No Brasil, por exemplo, há uma das maiores taxas de feminicídio do mundo, de 3,5 casos para cada grupo de 100 mil mulheres — o dobro do registrado, por exemplo, em Cuba, na Tanzânia, em Belarus ou no Cazaquistão.
“Para ficar na minha praia, cito o movimento Leia Mulheres, no Brasil. Não há dúvida de quer ler mulheres contribui para a diminuição da violência contra as mulheres, e para o alargamento da nossa visão de masculinidade. Foi com a mudança da cultura, em geral, que me vi livre para dizer ao outro que estava sofrendo, que via que ela estava sofrendo, e tampouco causar sofrimento. É preciso fazer um trabalho constante de abertura para si e para o outro. Falar e escutar”.



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