Uma façanha científica anunciada no início de abril agitou o mundo da biotecnologia e da conservação ambiental. A startup norte-americana Colossal Biosciences revelou o nascimento de três filhotes de uma versão geneticamente modificada do lobo-terrível, uma espécie extinta há cerca de 13 mil anos. Batizados de Romulus, Remus e Khaleesi, os animais são resultado de anos de pesquisa envolvendo edição genética e clonagem, utilizando lobos-cinzentos como base. A conquista, realizada em outubro do ano passado, marca um avanço significativo na chamada desextinção, processo que busca trazer de volta espécies desaparecidas. Os filhotes, dois machos de seis meses e uma fêmea de três meses, vivem atualmente em uma reserva ecológica de 809 hectares nos Estados Unidos, sob cuidados intensivos.
O projeto não apenas reacende debates sobre o potencial da engenharia genética, mas também levanta questões sobre seus impactos ecológicos e éticos. Enquanto a empresa celebra o feito como um marco histórico, cientistas independentes alertam que os animais não são cópias exatas dos lobos-terríveis originais, mas sim híbridos modernos com características aproximadas. A tecnologia empregada, baseada na edição de 20 genes de lobos-cinzentos, foi desenvolvida para recriar traços como tamanho avantajado, pelagem densa e mandíbulas poderosas, que caracterizavam o predador pré-histórico.
A Colossal Biosciences, avaliada em US$ 10 bilhões, não planeja parar por aí. Além do lobo-terrível, a empresa trabalha na recriação de outras espécies extintas, como o mamute-lanoso, o dodô e o tilacino, conhecido como tigre-da-Tasmânia. O objetivo, segundo os fundadores, vai além da inovação científica: eles acreditam que a volta de animais extintos pode ajudar a restaurar ecossistemas danificados e combater os efeitos das mudanças climáticas.
Como o lobo-terrível voltou à vida
Trazer o lobo-terrível de volta exigiu um esforço conjunto de paleontólogos, geneticistas e especialistas em clonagem. A jornada começou com a análise de fósseis bem preservados, incluindo um dente de 13 mil anos encontrado em Ohio e um crânio de 72 mil anos descoberto em Idaho. Esses materiais forneceram DNA suficiente para que os cientistas reconstruíssem o genoma da espécie, comparando-o ao de seu parente mais próximo ainda vivo, o lobo-cinzento. Apesar de compartilharem mais de 99% do material genético, diferenças em cerca de 80 genes foram identificadas, muitas delas responsáveis por características físicas distintas.
Com o genoma decodificado, a equipe utilizou a tecnologia CRISPR, uma ferramenta de edição genética que permite alterações precisas no DNA. Eles modificaram 15 genes de células retiradas de lobos-cinzentos, inserindo variantes específicas do lobo-terrível. Outros cinco genes, relacionados à aparência, foram ajustados com mutações alternativas para evitar problemas de saúde, como surdez ou cegueira, comuns em algumas alterações genéticas. O material editado foi então transferido para óvulos caninos sem núcleo, gerando embriões que foram implantados em cadelas de grande porte, usadas como mães de aluguel.
O processo, porém, não foi isento de desafios. Diversos embriões não vingaram, e um dos quatro filhotes nascidos morreu dez dias após o parto devido a um rompimento intestinal, embora exames tenham descartado relação com as mutações genéticas. Os três sobreviventes, Romulus, Remus e Khaleesi, nasceram em outubro de 2024 e impressionam pelo porte: os machos, com seis meses, já medem cerca de 1,2 metro e pesam 36 kg, com projeção de atingir até 1,8 metro e 68 kg na idade adulta.
Um marco na desextinção
A conquista da Colossal Biosciences é vista como um divisor de águas na biotecnologia. Beth Shapiro, diretora científica da empresa, descreveu os filhotes como “cópias funcionais” de uma espécie que habitou a Terra há milênios. Diferente da clonagem tradicional, como a da ovelha Dolly, o método não usou DNA antigo diretamente, mas reescreveu o código genético de lobos modernos para aproximá-lo do ancestral extinto. Isso permitiu a criação de animais que, embora não idênticos aos lobos-terríveis originais, carregam características marcantes da espécie, como maior robustez e pelagem clara.
Os lobos-terríveis, cientificamente chamados de Aenocyon dirus, dominaram as Américas durante o Pleistoceno, entre 250 mil e 10 mil anos atrás. Eram predadores formidáveis, com cerca de 25% mais massa corporal que os lobos-cinzentos e mandíbulas capazes de esmagar ossos de presas como bisões, cavalos selvagens e até mamutes. Sua extinção está associada ao desaparecimento desses grandes herbívoros, possivelmente intensificado pela ação de caçadores humanos na Era do Gelo.
SOUND ON. You’re hearing the first howl of a dire wolf in over 10,000 years. Meet Romulus and Remus—the world’s first de-extinct animals, born on October 1, 2024.
The dire wolf has been extinct for over 10,000 years. These two wolves were brought back from extinction using… pic.twitter.com/wY4rdOVFRH
— Colossal Biosciences® (@colossal) April 7, 2025
Detalhes do processo genético
O sucesso do projeto dependeu de avanços em diversas áreas da ciência. A equipe começou isolando células do sangue de lobos-cinzentos, que foram cultivadas em laboratório. Usando CRISPR, introduziram mutações específicas em 15 genes responsáveis por traços como tamanho, musculatura e formato das orelhas. Para a pelagem, optaram por variantes genéticas presentes em canídeos modernos, evitando riscos à saúde dos filhotes. Após a edição, os núcleos modificados foram inseridos em óvulos caninos vazios, criando embriões que passaram por um processo de transferência nuclear.
A gestação foi outro obstáculo. Cadelas de grande porte foram selecionadas como mães substitutas devido à compatibilidade com os embriões geneticamente alterados. Todas as ninhadas nasceram por cesariana, e os filhotes foram monitorados 24 horas por dia em uma reserva protegida. Apesar da morte de um filhote, os três sobreviventes mostram sinais de saúde robusta, com veterinários acompanhando seu desenvolvimento de perto.
Características dos novos lobos
Os filhotes impressionam por suas diferenças em relação aos lobos-cinzentos comuns. Romulus e Remus, os machos de seis meses, já exibem uma estrutura óssea mais reforçada e uma pelagem densa de cor clara, traços que ecoam os fósseis analisados. Khaleesi, a fêmea de três meses, segue o mesmo padrão, com um crescimento acelerado que sugere que atingirá proporções semelhantes aos irmãos. Essas características foram confirmadas por análises genéticas, que mostram a ativação de genes dormentes há mais de 10 mil anos.
- Tamanho: Os lobos-terríveis originais chegavam a pesar até 80 kg, contra os 50 kg típicos dos lobos-cinzentos.
- Pelagem: A cor clara e espessa é uma adaptação identificada nos fósseis, poss repaidamente útil em climas frios da Era do Gelo.
- Mandíbulas: Genes ligados à força da mordida foram editados, sugerindo maior capacidade de caça.
- Comportamento: Apesar de criados em cativeiro, os filhotes mostram instintos selvagens, mantendo distância dos cuidadores.
Por que escolher o lobo-terrível
A decisão de focar no lobo-terrível não foi aleatória. Em 2023, a Colossal Biosciences ajustou sua estratégia após tentativas frustradas de recriar mamutes e dodôs, espécies mais distantes de parentes vivos. Os lobos-terríveis, por outro lado, compartilham uma linhagem próxima aos cães e lobos modernos, o que facilitou o uso de técnicas já consolidadas na clonagem canina. Anos de pesquisa sobre manipulação embrionária em cães ofereceram uma base sólida para o projeto, reduzindo os riscos de falhas.
Beth Shapiro, que integrou a equipe responsável por extrair o primeiro DNA de lobo-terrível em 2021, viu no projeto uma oportunidade de testar a viabilidade da desextinção em larga escala. A abundância de fósseis em sítios como La Brea Tar Pits, em Los Angeles, também ajudou, fornecendo material genético de alta qualidade. A escolha reflete ainda um interesse cultural: o lobo-terrível ganhou fama na série Game of Thrones, onde inspirou os lobos gigantes da Casa Stark, aumentando sua relevância pública.
Impactos potenciais na conservação
Além de recriar espécies extintas, a Colossal Biosciences enxerga na tecnologia uma ferramenta para salvar animais ameaçados. Um exemplo é o lobo-vermelho, nativo dos Estados Unidos e hoje restrito a uma pequena população na Carolina do Norte. Em 2022, híbridos de lobo-vermelho com coiotes foram encontrados no Texas e na Louisiana, sinalizando a perda de diversidade genética. A empresa anunciou a clonagem de quatro desses híbridos, que poderiam ser usados para reforçar a população selvagem e evitar sua extinção.
A técnica também pode ser aplicada a outras espécies em risco, como o lobo-cinzento, que enfrenta ameaças crescentes. No último mês, 60 organizações ambientais protestaram contra um projeto de lei nos EUA que removeria o lobo-cinzento da lista de espécies protegidas, o que poderia intensificar a caça e reduzir ainda mais seus números. A engenharia genética, nesse contexto, oferece uma alternativa para aumentar a resiliência genética dessas populações.
O que dizem os fósseis
A reconstrução da história dos lobos-terríveis revelou detalhes fascinantes sobre sua evolução. Eles pertenciam a uma linhagem que inclui lobos, chacais e cães-selvagens africanos, separando-se há cerca de 4,5 milhões de anos. Há 2,6 milhões de anos, cruzaram com ancestrais de lobos-cinzentos e coiotes, o que explica a proximidade genética. Durante o Pleistoceno, dominaram vastas áreas do sul do Canadá e dos Estados Unidos, caçando presas de grande porte em um ecossistema hoje irreconhecível.
Julie Meachen, paleontóloga da Universidade de Des Moines, destaca que os lobos-terríveis eram predadores de topo, com dentes e mandíbulas adaptados para abater animais como bisões e cavalos. Sua extinção coincidiu com a redução dessas presas, um evento provavelmente agravado pela chegada de humanos às Américas. Os fósseis de La Brea, onde mais de 3.600 esqueletos foram encontrados, mostram a abundância da espécie antes de seu declínio.
Desafios éticos e ecológicos
Nem todos celebram o retorno do lobo-terrível. Especialistas em bioética e ecologia apontam riscos significativos. A reintrodução de uma espécie extinta em ecossistemas modernos poderia causar desequilíbrios imprevisíveis, afetando predadores e presas atuais. Os lobos-terríveis, adaptados a um mundo de grandes herbívoros, teriam de caçar animais menores ou competir com lobos-cinzentos, o que poderia desestabilizar populações já fragilizadas.
Outro ponto de preocupação é o bem-estar das mães de aluguel. O processo de gestação envolve riscos, incluindo mortes no parto, e críticos questionam se os benefícios justificam os custos éticos. Há ainda dúvidas sobre a saúde a longo prazo dos filhotes, que vivem em um ambiente controlado, longe das condições selvagens para as quais seus genes foram moldados.
Um futuro com espécies ressuscitadas
A Colossal Biosciences não trabalha sozinha na busca pela desextinção. Outras iniciativas, como o projeto Revive & Restore, já clonaram a doninha-de-patas-pretas, uma espécie ameaçada, usando técnicas semelhantes. Na China, pesquisadores clonaram um lobo-do-ártico em 2022, enquanto na Austrália cientistas tentam recriar o tilacino a partir de marsupiais vivos. Esses esforços refletem uma tendência global de usar a biotecnologia para reverter perdas na biodiversidade.
No caso do lobo-terrível, a empresa planeja manter os animais em cativeiro, mas já dialoga com comunidades indígenas, como a Nação MHA em Dakota do Norte, sobre possíveis reservas ecológicas. O chefe tribal Mark Fox vê nos lobos um símbolo de responsabilidade ambiental, mas reconhece que sua presença na natureza exigiria adaptações significativas.
Curiosidades sobre o lobo-terrível
O lobo-terrível vai além da ciência e carrega um apelo cultural único. Confira alguns fatos que destacam sua relevância:
- Popularizado por Game of Thrones, foi escolhido como emblema da Casa Stark, elevando seu status na cultura pop.
- Aparece na música “Dire Wolf”, do Grateful Dead, de 1970, como uma figura mítica.
- Fósseis em La Brea Tar Pits revelam mais de 400 crânios, evidenciando sua abundância passada.
- Seu nome científico, Aenocyon dirus, significa “lobo terrível”, refletindo sua imponência.
Cronologia da desextinção
Os avanços na recriação do lobo-terrível fazem parte de uma linha do tempo mais ampla:
- 2009: Cientistas espanhóis clonam o íbex-dos-pireneus, extinto em 2000, mas o filhote morre em minutos.
- 2020: Nascimento de Elizabeth Ann, uma doninha-de-patas-pretas clonada nos EUA.
- 2021: Primeiro DNA de lobo-terrível é extraído de fósseis por Beth Shapiro e equipe.
- 2022: Clonagem de um lobo-do-ártico na China marca avanço na conservação.
- 2024: Romulus, Remus e Khaleesi nascem, consolidando o projeto da Colossal.
Vida em cativeiro
Atualmente, os três filhotes vivem em uma reserva de 809 hectares no norte dos Estados Unidos, cuja localização exata permanece confidencial para protegê-los de curiosos. A área, equipada com cercas e monitoramento constante, oferece um ambiente seguro, mas distante da vida selvagem. Alimentados por uma dieta balanceada, os lobos são acompanhados por veterinários que registram cada etapa de seu crescimento, desde o peso até o comportamento.
Os animais mostram traços instintivos, como desconfiança em relação aos humanos, mesmo sendo criados em cativeiro desde o nascimento. Isso sugere que os genes editados preservam características selvagens, embora adaptadas a um contexto artificial. Beth Shapiro brinca que os lobos vivem “como em um hotel de luxo”, mas admite que pouco se sabe sobre como se comportariam em um habitat natural.
O próximo passo da Colossal
A empresa já traça planos ambiciosos para o futuro. O mamute-lanoso, alvo inicial da Colossal, está previsto para retornar até 2028, usando elefantes asiáticos como base genética. O dodô, ave extinta há três séculos, e o tilacino, desaparecido desde 1936, também estão na lista. Em março deste ano, a startup apresentou camundongos com pelagem semelhante à dos mamutes, um teste preliminar para o projeto maior.
Além da desextinção, a Colossal investe em conservação. A clonagem de lobos-vermelhos híbridos é parte de um esforço para apoiar espécies ameaçadas, enquanto parcerias com comunidades indígenas buscam alinhar ciência e tradição. O CEO Ben Lamm defende que a tecnologia pode reverter danos causados pela humanidade, mas reconhece que cada passo exige cautela e diálogo.

Uma façanha científica anunciada no início de abril agitou o mundo da biotecnologia e da conservação ambiental. A startup norte-americana Colossal Biosciences revelou o nascimento de três filhotes de uma versão geneticamente modificada do lobo-terrível, uma espécie extinta há cerca de 13 mil anos. Batizados de Romulus, Remus e Khaleesi, os animais são resultado de anos de pesquisa envolvendo edição genética e clonagem, utilizando lobos-cinzentos como base. A conquista, realizada em outubro do ano passado, marca um avanço significativo na chamada desextinção, processo que busca trazer de volta espécies desaparecidas. Os filhotes, dois machos de seis meses e uma fêmea de três meses, vivem atualmente em uma reserva ecológica de 809 hectares nos Estados Unidos, sob cuidados intensivos.
O projeto não apenas reacende debates sobre o potencial da engenharia genética, mas também levanta questões sobre seus impactos ecológicos e éticos. Enquanto a empresa celebra o feito como um marco histórico, cientistas independentes alertam que os animais não são cópias exatas dos lobos-terríveis originais, mas sim híbridos modernos com características aproximadas. A tecnologia empregada, baseada na edição de 20 genes de lobos-cinzentos, foi desenvolvida para recriar traços como tamanho avantajado, pelagem densa e mandíbulas poderosas, que caracterizavam o predador pré-histórico.
A Colossal Biosciences, avaliada em US$ 10 bilhões, não planeja parar por aí. Além do lobo-terrível, a empresa trabalha na recriação de outras espécies extintas, como o mamute-lanoso, o dodô e o tilacino, conhecido como tigre-da-Tasmânia. O objetivo, segundo os fundadores, vai além da inovação científica: eles acreditam que a volta de animais extintos pode ajudar a restaurar ecossistemas danificados e combater os efeitos das mudanças climáticas.
Como o lobo-terrível voltou à vida
Trazer o lobo-terrível de volta exigiu um esforço conjunto de paleontólogos, geneticistas e especialistas em clonagem. A jornada começou com a análise de fósseis bem preservados, incluindo um dente de 13 mil anos encontrado em Ohio e um crânio de 72 mil anos descoberto em Idaho. Esses materiais forneceram DNA suficiente para que os cientistas reconstruíssem o genoma da espécie, comparando-o ao de seu parente mais próximo ainda vivo, o lobo-cinzento. Apesar de compartilharem mais de 99% do material genético, diferenças em cerca de 80 genes foram identificadas, muitas delas responsáveis por características físicas distintas.
Com o genoma decodificado, a equipe utilizou a tecnologia CRISPR, uma ferramenta de edição genética que permite alterações precisas no DNA. Eles modificaram 15 genes de células retiradas de lobos-cinzentos, inserindo variantes específicas do lobo-terrível. Outros cinco genes, relacionados à aparência, foram ajustados com mutações alternativas para evitar problemas de saúde, como surdez ou cegueira, comuns em algumas alterações genéticas. O material editado foi então transferido para óvulos caninos sem núcleo, gerando embriões que foram implantados em cadelas de grande porte, usadas como mães de aluguel.
O processo, porém, não foi isento de desafios. Diversos embriões não vingaram, e um dos quatro filhotes nascidos morreu dez dias após o parto devido a um rompimento intestinal, embora exames tenham descartado relação com as mutações genéticas. Os três sobreviventes, Romulus, Remus e Khaleesi, nasceram em outubro de 2024 e impressionam pelo porte: os machos, com seis meses, já medem cerca de 1,2 metro e pesam 36 kg, com projeção de atingir até 1,8 metro e 68 kg na idade adulta.
Um marco na desextinção
A conquista da Colossal Biosciences é vista como um divisor de águas na biotecnologia. Beth Shapiro, diretora científica da empresa, descreveu os filhotes como “cópias funcionais” de uma espécie que habitou a Terra há milênios. Diferente da clonagem tradicional, como a da ovelha Dolly, o método não usou DNA antigo diretamente, mas reescreveu o código genético de lobos modernos para aproximá-lo do ancestral extinto. Isso permitiu a criação de animais que, embora não idênticos aos lobos-terríveis originais, carregam características marcantes da espécie, como maior robustez e pelagem clara.
Os lobos-terríveis, cientificamente chamados de Aenocyon dirus, dominaram as Américas durante o Pleistoceno, entre 250 mil e 10 mil anos atrás. Eram predadores formidáveis, com cerca de 25% mais massa corporal que os lobos-cinzentos e mandíbulas capazes de esmagar ossos de presas como bisões, cavalos selvagens e até mamutes. Sua extinção está associada ao desaparecimento desses grandes herbívoros, possivelmente intensificado pela ação de caçadores humanos na Era do Gelo.
SOUND ON. You’re hearing the first howl of a dire wolf in over 10,000 years. Meet Romulus and Remus—the world’s first de-extinct animals, born on October 1, 2024.
The dire wolf has been extinct for over 10,000 years. These two wolves were brought back from extinction using… pic.twitter.com/wY4rdOVFRH
— Colossal Biosciences® (@colossal) April 7, 2025
Detalhes do processo genético
O sucesso do projeto dependeu de avanços em diversas áreas da ciência. A equipe começou isolando células do sangue de lobos-cinzentos, que foram cultivadas em laboratório. Usando CRISPR, introduziram mutações específicas em 15 genes responsáveis por traços como tamanho, musculatura e formato das orelhas. Para a pelagem, optaram por variantes genéticas presentes em canídeos modernos, evitando riscos à saúde dos filhotes. Após a edição, os núcleos modificados foram inseridos em óvulos caninos vazios, criando embriões que passaram por um processo de transferência nuclear.
A gestação foi outro obstáculo. Cadelas de grande porte foram selecionadas como mães substitutas devido à compatibilidade com os embriões geneticamente alterados. Todas as ninhadas nasceram por cesariana, e os filhotes foram monitorados 24 horas por dia em uma reserva protegida. Apesar da morte de um filhote, os três sobreviventes mostram sinais de saúde robusta, com veterinários acompanhando seu desenvolvimento de perto.
Características dos novos lobos
Os filhotes impressionam por suas diferenças em relação aos lobos-cinzentos comuns. Romulus e Remus, os machos de seis meses, já exibem uma estrutura óssea mais reforçada e uma pelagem densa de cor clara, traços que ecoam os fósseis analisados. Khaleesi, a fêmea de três meses, segue o mesmo padrão, com um crescimento acelerado que sugere que atingirá proporções semelhantes aos irmãos. Essas características foram confirmadas por análises genéticas, que mostram a ativação de genes dormentes há mais de 10 mil anos.
- Tamanho: Os lobos-terríveis originais chegavam a pesar até 80 kg, contra os 50 kg típicos dos lobos-cinzentos.
- Pelagem: A cor clara e espessa é uma adaptação identificada nos fósseis, poss repaidamente útil em climas frios da Era do Gelo.
- Mandíbulas: Genes ligados à força da mordida foram editados, sugerindo maior capacidade de caça.
- Comportamento: Apesar de criados em cativeiro, os filhotes mostram instintos selvagens, mantendo distância dos cuidadores.
Por que escolher o lobo-terrível
A decisão de focar no lobo-terrível não foi aleatória. Em 2023, a Colossal Biosciences ajustou sua estratégia após tentativas frustradas de recriar mamutes e dodôs, espécies mais distantes de parentes vivos. Os lobos-terríveis, por outro lado, compartilham uma linhagem próxima aos cães e lobos modernos, o que facilitou o uso de técnicas já consolidadas na clonagem canina. Anos de pesquisa sobre manipulação embrionária em cães ofereceram uma base sólida para o projeto, reduzindo os riscos de falhas.
Beth Shapiro, que integrou a equipe responsável por extrair o primeiro DNA de lobo-terrível em 2021, viu no projeto uma oportunidade de testar a viabilidade da desextinção em larga escala. A abundância de fósseis em sítios como La Brea Tar Pits, em Los Angeles, também ajudou, fornecendo material genético de alta qualidade. A escolha reflete ainda um interesse cultural: o lobo-terrível ganhou fama na série Game of Thrones, onde inspirou os lobos gigantes da Casa Stark, aumentando sua relevância pública.
Impactos potenciais na conservação
Além de recriar espécies extintas, a Colossal Biosciences enxerga na tecnologia uma ferramenta para salvar animais ameaçados. Um exemplo é o lobo-vermelho, nativo dos Estados Unidos e hoje restrito a uma pequena população na Carolina do Norte. Em 2022, híbridos de lobo-vermelho com coiotes foram encontrados no Texas e na Louisiana, sinalizando a perda de diversidade genética. A empresa anunciou a clonagem de quatro desses híbridos, que poderiam ser usados para reforçar a população selvagem e evitar sua extinção.
A técnica também pode ser aplicada a outras espécies em risco, como o lobo-cinzento, que enfrenta ameaças crescentes. No último mês, 60 organizações ambientais protestaram contra um projeto de lei nos EUA que removeria o lobo-cinzento da lista de espécies protegidas, o que poderia intensificar a caça e reduzir ainda mais seus números. A engenharia genética, nesse contexto, oferece uma alternativa para aumentar a resiliência genética dessas populações.
O que dizem os fósseis
A reconstrução da história dos lobos-terríveis revelou detalhes fascinantes sobre sua evolução. Eles pertenciam a uma linhagem que inclui lobos, chacais e cães-selvagens africanos, separando-se há cerca de 4,5 milhões de anos. Há 2,6 milhões de anos, cruzaram com ancestrais de lobos-cinzentos e coiotes, o que explica a proximidade genética. Durante o Pleistoceno, dominaram vastas áreas do sul do Canadá e dos Estados Unidos, caçando presas de grande porte em um ecossistema hoje irreconhecível.
Julie Meachen, paleontóloga da Universidade de Des Moines, destaca que os lobos-terríveis eram predadores de topo, com dentes e mandíbulas adaptados para abater animais como bisões e cavalos. Sua extinção coincidiu com a redução dessas presas, um evento provavelmente agravado pela chegada de humanos às Américas. Os fósseis de La Brea, onde mais de 3.600 esqueletos foram encontrados, mostram a abundância da espécie antes de seu declínio.
Desafios éticos e ecológicos
Nem todos celebram o retorno do lobo-terrível. Especialistas em bioética e ecologia apontam riscos significativos. A reintrodução de uma espécie extinta em ecossistemas modernos poderia causar desequilíbrios imprevisíveis, afetando predadores e presas atuais. Os lobos-terríveis, adaptados a um mundo de grandes herbívoros, teriam de caçar animais menores ou competir com lobos-cinzentos, o que poderia desestabilizar populações já fragilizadas.
Outro ponto de preocupação é o bem-estar das mães de aluguel. O processo de gestação envolve riscos, incluindo mortes no parto, e críticos questionam se os benefícios justificam os custos éticos. Há ainda dúvidas sobre a saúde a longo prazo dos filhotes, que vivem em um ambiente controlado, longe das condições selvagens para as quais seus genes foram moldados.
Um futuro com espécies ressuscitadas
A Colossal Biosciences não trabalha sozinha na busca pela desextinção. Outras iniciativas, como o projeto Revive & Restore, já clonaram a doninha-de-patas-pretas, uma espécie ameaçada, usando técnicas semelhantes. Na China, pesquisadores clonaram um lobo-do-ártico em 2022, enquanto na Austrália cientistas tentam recriar o tilacino a partir de marsupiais vivos. Esses esforços refletem uma tendência global de usar a biotecnologia para reverter perdas na biodiversidade.
No caso do lobo-terrível, a empresa planeja manter os animais em cativeiro, mas já dialoga com comunidades indígenas, como a Nação MHA em Dakota do Norte, sobre possíveis reservas ecológicas. O chefe tribal Mark Fox vê nos lobos um símbolo de responsabilidade ambiental, mas reconhece que sua presença na natureza exigiria adaptações significativas.
Curiosidades sobre o lobo-terrível
O lobo-terrível vai além da ciência e carrega um apelo cultural único. Confira alguns fatos que destacam sua relevância:
- Popularizado por Game of Thrones, foi escolhido como emblema da Casa Stark, elevando seu status na cultura pop.
- Aparece na música “Dire Wolf”, do Grateful Dead, de 1970, como uma figura mítica.
- Fósseis em La Brea Tar Pits revelam mais de 400 crânios, evidenciando sua abundância passada.
- Seu nome científico, Aenocyon dirus, significa “lobo terrível”, refletindo sua imponência.
Cronologia da desextinção
Os avanços na recriação do lobo-terrível fazem parte de uma linha do tempo mais ampla:
- 2009: Cientistas espanhóis clonam o íbex-dos-pireneus, extinto em 2000, mas o filhote morre em minutos.
- 2020: Nascimento de Elizabeth Ann, uma doninha-de-patas-pretas clonada nos EUA.
- 2021: Primeiro DNA de lobo-terrível é extraído de fósseis por Beth Shapiro e equipe.
- 2022: Clonagem de um lobo-do-ártico na China marca avanço na conservação.
- 2024: Romulus, Remus e Khaleesi nascem, consolidando o projeto da Colossal.
Vida em cativeiro
Atualmente, os três filhotes vivem em uma reserva de 809 hectares no norte dos Estados Unidos, cuja localização exata permanece confidencial para protegê-los de curiosos. A área, equipada com cercas e monitoramento constante, oferece um ambiente seguro, mas distante da vida selvagem. Alimentados por uma dieta balanceada, os lobos são acompanhados por veterinários que registram cada etapa de seu crescimento, desde o peso até o comportamento.
Os animais mostram traços instintivos, como desconfiança em relação aos humanos, mesmo sendo criados em cativeiro desde o nascimento. Isso sugere que os genes editados preservam características selvagens, embora adaptadas a um contexto artificial. Beth Shapiro brinca que os lobos vivem “como em um hotel de luxo”, mas admite que pouco se sabe sobre como se comportariam em um habitat natural.
O próximo passo da Colossal
A empresa já traça planos ambiciosos para o futuro. O mamute-lanoso, alvo inicial da Colossal, está previsto para retornar até 2028, usando elefantes asiáticos como base genética. O dodô, ave extinta há três séculos, e o tilacino, desaparecido desde 1936, também estão na lista. Em março deste ano, a startup apresentou camundongos com pelagem semelhante à dos mamutes, um teste preliminar para o projeto maior.
Além da desextinção, a Colossal investe em conservação. A clonagem de lobos-vermelhos híbridos é parte de um esforço para apoiar espécies ameaçadas, enquanto parcerias com comunidades indígenas buscam alinhar ciência e tradição. O CEO Ben Lamm defende que a tecnologia pode reverter danos causados pela humanidade, mas reconhece que cada passo exige cautela e diálogo.
