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18 Apr 2025, Fri


5ª Caminhada do Silêncio – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

O avanço do projeto que perdoa os envolvidos nos atos de tentativa de golpe de Estado, de 8 de janeiro de 2023, reacendeu a importância da memória da ditadura brasileira e do regime autoritário. Na última semana, centenas de pessoas alertaram para este risco no emblemático evento “Caminhada do Silêncio”, em São Paulo, organizado por familiares das vítimas da ditadura militar.

Por que é preciso Memória

Os ataques de centenas de bolsonaristas à Praça dos Três Poderes, pela vitória eleitoral do presidente Lula, no que configurou o maior episódio de atentado contra a democracia e o resultado eleitoral desde a redemocratização, hoje correm o risco de serem perdoados.

Na última semana, lideranças do partido de Jair Bolsonaro, o PL, não mediram esforços para acelerar o projeto de anistia na Câmara. O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos principais aliados de Bolsonaro no Congresso, foi em busca de assinaturas para votar a lei em “urgência”.

Apesar de ainda não ter obtido a quantidade de deputados suficientes para votar a anistia em caráter de urgência, o líder informou ter angariado 165 apoiadores e que a campanha por mais coleta de assinaturas continuaria nesta semana.

Paralelamente, o ex-presidente Jair Bolsonaro – que é acusado no Supremo Tribunal Federal (STF) por golpe de Estado – também avança com articulações para isentar as centenas de bolsonaristas que tentaram implementar um golpe, invadindo e depredando as sedes dos Três Poderes há dois anos.

Mas há muito mais tempo, os resistentes e familiares das vítimas da ditadura brasileira (1964-1985) já vinham adiantando este alerta: é preciso memória para que episódios de repressão e golpe não se repitam.

“Ainda estamos aqui”

Foi assim que, há 5 anos, a primeira Caminhada do Silêncio foi realizada, em São Paulo, com familiares, instituições e representantes da sociedade civil escancarando o passado ditatorial em frente ao antigo Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, na capital paulista, onde os presos eram torturados e assassinados.

5ª Caminhada do Silêncio – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

Na edição deste ano, com a tentativa atual de anistiar os protagonistas do 8 de janeiro, ganhou novo tom de manifesto, e o endosso da destacada premiação internacional do filme “Ainda Estou Aqui”, sobre a história de Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva.

“Ainda estamos aqui” e “Sem Anistia”, ecoavam os familiares dos desaparecidos políticos e apoiadores do evento. O ato reforçava a continuidade da luta por memória, verdade, justiça e reparação.

Rompendo o silêncio

Para Camilo Vanucchi, jornalista e escritor, cujo pai foi preso pelo Doi-Codi de São Paulo e o primo, Alexandre Vannuchi Leme, foi torturado e morto também pela ditadura, a conjuntura política atual, marcada pelo julgamento dos golpistas de 8 de janeiro, pela memória da ditadura militar e pelas discussões sobre anistia e impunidade, conferiu à Caminhada do Silêncio um significado profundo como um ato de exigência de justiça.

“A caminhada, que é do ‘silêncio’, rompeu a regra do silêncio, para ecoar um único e importantíssimo, fundamental, grito que é o ‘Sem Anistia’. O ato reverberou esta preocupação com uma nova e agressivíssima, inaceitável impunidade”, manifestou Vanucchi.

O pesquisador, que é autor do livro “A vala de Perus: uma biografia” (Alameda Editorial), disse que o evento também serviu de um alerta à Justiça brasileira para se respeitar os tratados internacionais contra atos antidemocráticos, destacando que tais crimes não podem ser anistiados.

Camilo Vanucchi na 5ª Caminhada do Silêncio – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

“A mensagem dessa luta chega com alerta de que o Brasil não pode se deixar permitir e se colocar a imagem de um país que se torna um pária por não respeitar os tratados internacionais, a orientação internacional de que a tortura, o desaparecimento forçado não podem ser anistados. É um atraso impressionante em relação a outros países, inclusive países vizinhos.”

Para o ex-deputado Adriano Diogo, que presidiu a Comissão Estadual da Verdade em São Paulo, o projeto de anistia aos golpistas de 8 de janeiro é “incompreensível”.

“A covardia em relação [à anistia] aos crimes cometidos pelos ditadores, no meio dos 21 anos da ditadura, a covardia para enfrentar essa parte até se justifica. Agora, a covardia diante do enfrentamento da atual tentativa de golpe de Estado, de não levar às últimas consequências, inclusive a tentativa de assassinar o presidente da República, é incompreensível. É incompreensível.”

Ele ressalta como a Caminhada do Silêncio se estabeleceu, ao longo destes 5 anos, como “uma das coisas mais importantes, sinceras, puras e respeitadas dos direitos humanos no Brasil”, com a participação dos familiares de desaparecidos, o autofinanciamento do evento e o papel crucial da procuradora Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), que reassumiu a pasta este ano, após o engavetamento das investigações dos mortos da ditadura durante o governo de Jair Bolsonaro.

Adriano Diogo na 5ª Caminhada do Silêncio – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

“A Caminhada do Silêncio é uma das coisas mais importantes dos Direitos humanos no Brasil. É uma das coisas mais sinceras, mais puras, mais respeitadas. Todos os familiares de mortos e desaparecidos políticos acreditam nessa atividade. Ela é praticamente totalmente autofinanciada, não tem ajuda de governo e, com todas as dificuldades inerentes que o núcleo da preservação da memória têm, é um papel importantíssimo.”

Atuante no trabalho de preservação da memória, Adriano Diogo elogiou, ao longo de todos estes anos, a atuação do Instituto Vladimir Herzog e da procuradora Eugênia Gonzaga. “Com todas as dificuldades pessoais que ela passou, ela nunca desistiu. Nós somos eternamente gratos ao trabalho das identificações das ossadas de Perus e de outras valas que ainda estão sendo investigadas, graças ao trabalho incansável da doutora Eugênia, que agora foi conduzida à Comissão Especial novamente.”

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5ª Caminhada do Silêncio – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

O avanço do projeto que perdoa os envolvidos nos atos de tentativa de golpe de Estado, de 8 de janeiro de 2023, reacendeu a importância da memória da ditadura brasileira e do regime autoritário. Na última semana, centenas de pessoas alertaram para este risco no emblemático evento “Caminhada do Silêncio”, em São Paulo, organizado por familiares das vítimas da ditadura militar.

Por que é preciso Memória

Os ataques de centenas de bolsonaristas à Praça dos Três Poderes, pela vitória eleitoral do presidente Lula, no que configurou o maior episódio de atentado contra a democracia e o resultado eleitoral desde a redemocratização, hoje correm o risco de serem perdoados.

Na última semana, lideranças do partido de Jair Bolsonaro, o PL, não mediram esforços para acelerar o projeto de anistia na Câmara. O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos principais aliados de Bolsonaro no Congresso, foi em busca de assinaturas para votar a lei em “urgência”.

Apesar de ainda não ter obtido a quantidade de deputados suficientes para votar a anistia em caráter de urgência, o líder informou ter angariado 165 apoiadores e que a campanha por mais coleta de assinaturas continuaria nesta semana.

Paralelamente, o ex-presidente Jair Bolsonaro – que é acusado no Supremo Tribunal Federal (STF) por golpe de Estado – também avança com articulações para isentar as centenas de bolsonaristas que tentaram implementar um golpe, invadindo e depredando as sedes dos Três Poderes há dois anos.

Mas há muito mais tempo, os resistentes e familiares das vítimas da ditadura brasileira (1964-1985) já vinham adiantando este alerta: é preciso memória para que episódios de repressão e golpe não se repitam.

“Ainda estamos aqui”

Foi assim que, há 5 anos, a primeira Caminhada do Silêncio foi realizada, em São Paulo, com familiares, instituições e representantes da sociedade civil escancarando o passado ditatorial em frente ao antigo Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, na capital paulista, onde os presos eram torturados e assassinados.

5ª Caminhada do Silêncio – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

Na edição deste ano, com a tentativa atual de anistiar os protagonistas do 8 de janeiro, ganhou novo tom de manifesto, e o endosso da destacada premiação internacional do filme “Ainda Estou Aqui”, sobre a história de Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva.

“Ainda estamos aqui” e “Sem Anistia”, ecoavam os familiares dos desaparecidos políticos e apoiadores do evento. O ato reforçava a continuidade da luta por memória, verdade, justiça e reparação.

Rompendo o silêncio

Para Camilo Vanucchi, jornalista e escritor, cujo pai foi preso pelo Doi-Codi de São Paulo e o primo, Alexandre Vannuchi Leme, foi torturado e morto também pela ditadura, a conjuntura política atual, marcada pelo julgamento dos golpistas de 8 de janeiro, pela memória da ditadura militar e pelas discussões sobre anistia e impunidade, conferiu à Caminhada do Silêncio um significado profundo como um ato de exigência de justiça.

“A caminhada, que é do ‘silêncio’, rompeu a regra do silêncio, para ecoar um único e importantíssimo, fundamental, grito que é o ‘Sem Anistia’. O ato reverberou esta preocupação com uma nova e agressivíssima, inaceitável impunidade”, manifestou Vanucchi.

O pesquisador, que é autor do livro “A vala de Perus: uma biografia” (Alameda Editorial), disse que o evento também serviu de um alerta à Justiça brasileira para se respeitar os tratados internacionais contra atos antidemocráticos, destacando que tais crimes não podem ser anistiados.

Camilo Vanucchi na 5ª Caminhada do Silêncio – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

“A mensagem dessa luta chega com alerta de que o Brasil não pode se deixar permitir e se colocar a imagem de um país que se torna um pária por não respeitar os tratados internacionais, a orientação internacional de que a tortura, o desaparecimento forçado não podem ser anistados. É um atraso impressionante em relação a outros países, inclusive países vizinhos.”

Para o ex-deputado Adriano Diogo, que presidiu a Comissão Estadual da Verdade em São Paulo, o projeto de anistia aos golpistas de 8 de janeiro é “incompreensível”.

“A covardia em relação [à anistia] aos crimes cometidos pelos ditadores, no meio dos 21 anos da ditadura, a covardia para enfrentar essa parte até se justifica. Agora, a covardia diante do enfrentamento da atual tentativa de golpe de Estado, de não levar às últimas consequências, inclusive a tentativa de assassinar o presidente da República, é incompreensível. É incompreensível.”

Ele ressalta como a Caminhada do Silêncio se estabeleceu, ao longo destes 5 anos, como “uma das coisas mais importantes, sinceras, puras e respeitadas dos direitos humanos no Brasil”, com a participação dos familiares de desaparecidos, o autofinanciamento do evento e o papel crucial da procuradora Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), que reassumiu a pasta este ano, após o engavetamento das investigações dos mortos da ditadura durante o governo de Jair Bolsonaro.

Adriano Diogo na 5ª Caminhada do Silêncio – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

“A Caminhada do Silêncio é uma das coisas mais importantes dos Direitos humanos no Brasil. É uma das coisas mais sinceras, mais puras, mais respeitadas. Todos os familiares de mortos e desaparecidos políticos acreditam nessa atividade. Ela é praticamente totalmente autofinanciada, não tem ajuda de governo e, com todas as dificuldades inerentes que o núcleo da preservação da memória têm, é um papel importantíssimo.”

Atuante no trabalho de preservação da memória, Adriano Diogo elogiou, ao longo de todos estes anos, a atuação do Instituto Vladimir Herzog e da procuradora Eugênia Gonzaga. “Com todas as dificuldades pessoais que ela passou, ela nunca desistiu. Nós somos eternamente gratos ao trabalho das identificações das ossadas de Perus e de outras valas que ainda estão sendo investigadas, graças ao trabalho incansável da doutora Eugênia, que agora foi conduzida à Comissão Especial novamente.”

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