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16 Apr 2025, Wed



Este artigo pretende oferecer uma modesta interpretação dos movimentos que impulsionaram as convergências e divergências entre Estados Nacionais (e suas Economias) na posteridade da Segunda Guerra Mundial.

Já antes do término da 2ª Guerra Mundial, o projeto hegemônico dos vencedores, os Estados Unidos, foi desenhado com o propósito de eliminar os fatores políticos e econômicos que levaram às duas conflagrações globais.

A instabilidade econômica e as rivalidades entre os Estados Nacionais e suas economias – entre o final do século XIX e a Segunda Guerra Mundial – foram devastadoras do ponto de vista econômico, social, moral e político. Na Reunião de ­Bretton Woods em 1944, as forças vitoriosas trataram de criar instituições destinadas a impedir a repetição da desordem destrutiva que nascera da rivalidade entre as potências e da economia destravada.

Só o maniqueísmo típico da Guerra Fria se atreveria a negar que as forças sociais e o imaginário político predominantes no New Deal tinham uma visão progressista acerca do papel a ser exercido pelos Estados Unidos. Em claro antagonismo com as práticas das velhas potências, os Estados Unidos – tomando em conta o seu ­autointeresse de forma esclarecida – se empenharam na reconstrução européia e apoiaram as lutas pela descolonização.

O que se observou, a partir de então, foi um ensaio – apenas um ensaio – de uma nova ordem internacional com aspirações a garantir os direitos do homem e do cidadão, os princípios da democracia e da legalidade internacional. Isto ocorreu, é verdade, num ambiente de tensão permanente entre as duas superpotências e de competição entre os seus sistemas de vida. Ao mesmo tempo, cresciam a interdependência e a rivalidade econômica entre a Europa ocidental, os Estados Unidos e o Japão, assim como se aceleraram os processos de desenvolvimento em meio à sucessão de crises políticas e golpes de Estado na periferia.

O desenvolvimentismo na Periferia não foi uma invenção idiossincrática de países exóticos. Foi também uma resposta aos desafios e oportunidades criadas pela Grande Depressão dos anos 30 e seu ambiente internacional catastrófico. Os projetos nacionais de desenvolvimento e industrialização na periferia nasceram no mesmo berço que produziu o keynesianismo nos países centrais. Uma reação contra as misérias e as desgraças produzidas pelo capitalismo dos anos 20.

A onda desenvolvimentista e a experiência keynesiana tiveram o seu apogeu nas três décadas que sucederam o fim da Segunda Guerra. O clima político e social estava saturado da idéia de que era possível adotar estratégias nacionais e intencionais de crescimento, industrialização e avanço social.

Depois de 30 anos de progresso material, redução das desigualdades nos países centrais e altas taxas de crescimento na América Latina e na Ásia emergente, a crise do dólar nos anos 70 foi entendida pelos Estados Unidos como uma advertência e uma recomendação: era preciso dar adeus a tudo aquilo. Nesse momento circulava a parêmia: o mal é a política. As palavras de ordem da potência hegemônica recomendavam a supressão do intervencionismo do Estado, o poder dos sindicatos, o controle público da finança, os obstáculos ao livre movimento de capitais.

Ironias da História. Superada a crise da estagflação e da baixa “produtividade” dos anos 70 do século passado, a elevação da taxa de juro deflagrada por Paul Volker em 1979 deu novo impulso à “expansão norte-americana”. À sombra do fortalecimento do dólar, os Estados Unidos impuseram a liberalização financeira urbi et orbi, assim como impulsionaram a metástase produtiva para o Pacífico dos pequenos tigres e novos dragões. Nos últimos 30 anos, a desregulamentação dos mercados e a crescente liberalização dos movimentos de capitais alteraram profundamente o jogo das regras.

O desenvolvimento na periferia não foi uma invenção de países exóticos, mas uma resposta à Grande Depressão

O conto de fadas da globalização acenava com o fim da história: as questões essenciais relativas às formas de convivência e ao regime de produção à escala mundial estariam resolvidas com a generalização da “economia de mercado”. Não haveria mais sentido na reafirmação de questões anacrônicas, como a promoção de políticas empenhadas no resguardo dos direitos dos cidadãos à pertinência cívica, laica, igualitária e republicana.

Um jornalista do The Guardian, habitual cronista das reuniões do World ­Economic Forum, resumiu em um parágrafo as diferenças entre o espírito das épocas, entre as reuniões de Bretton Woods e Dumbarton Oaks e os encontros periódicos de Davos, onde os poderes do mundo imaginam cuidar do destino dos homens: “Clement Atlee, Ernest Bevin e Roosevelt acreditavam nos mercados administrados e no controle do capitalismo… por isso as Conferências de Bretton Woods e de Dumbarton Oaks não foram patrocinadas pela Coca-Cola. As reu­niões de Roosevelt não tinham o apoio do J.P. Morgan, cujos funcionários, aliás, tratavam de recortar as fotos do presidente norte-americano, para evitar acidentes, caso o patrão resolvesse ler os jornais”.

O sonho do fim da história e da cidadania sem fronteiras transformou-se no pesadelo em que todos são vítimas prováveis do embate entre o desespero dos desamparados e uma estrutura do Poder Global que se pretende absoluta, encarnada no rosto da pátria hegemônica.

A dominação trumpista pretende desconhecer soberania dos demais Estados Nacionais, sem que isso signifique a criação de instâncias integradoras no âmbito internacional. Muito ao contrário: o avanço do intervencionismo unilateral provoca a desintegração ou a submissão dos fóruns multilaterais ao poder norte-americano.

A política norte-americana faz unilateralmente as intervenções preventivas ou corretivas, segundo a conjuntura. Sem regras gerais autoaplicáveis e sem consideração pelas regras que eles mesmos ajudaram a criar, o intervencionismo norte-americano inventa e reinventa pretextos para expandir, como nunca, o seu poder global. •

Publicado na edição n° 1357 de CartaCapital, em 16 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Trump e a História’



Este artigo pretende oferecer uma modesta interpretação dos movimentos que impulsionaram as convergências e divergências entre Estados Nacionais (e suas Economias) na posteridade da Segunda Guerra Mundial.

Já antes do término da 2ª Guerra Mundial, o projeto hegemônico dos vencedores, os Estados Unidos, foi desenhado com o propósito de eliminar os fatores políticos e econômicos que levaram às duas conflagrações globais.

A instabilidade econômica e as rivalidades entre os Estados Nacionais e suas economias – entre o final do século XIX e a Segunda Guerra Mundial – foram devastadoras do ponto de vista econômico, social, moral e político. Na Reunião de ­Bretton Woods em 1944, as forças vitoriosas trataram de criar instituições destinadas a impedir a repetição da desordem destrutiva que nascera da rivalidade entre as potências e da economia destravada.

Só o maniqueísmo típico da Guerra Fria se atreveria a negar que as forças sociais e o imaginário político predominantes no New Deal tinham uma visão progressista acerca do papel a ser exercido pelos Estados Unidos. Em claro antagonismo com as práticas das velhas potências, os Estados Unidos – tomando em conta o seu ­autointeresse de forma esclarecida – se empenharam na reconstrução européia e apoiaram as lutas pela descolonização.

O que se observou, a partir de então, foi um ensaio – apenas um ensaio – de uma nova ordem internacional com aspirações a garantir os direitos do homem e do cidadão, os princípios da democracia e da legalidade internacional. Isto ocorreu, é verdade, num ambiente de tensão permanente entre as duas superpotências e de competição entre os seus sistemas de vida. Ao mesmo tempo, cresciam a interdependência e a rivalidade econômica entre a Europa ocidental, os Estados Unidos e o Japão, assim como se aceleraram os processos de desenvolvimento em meio à sucessão de crises políticas e golpes de Estado na periferia.

O desenvolvimentismo na Periferia não foi uma invenção idiossincrática de países exóticos. Foi também uma resposta aos desafios e oportunidades criadas pela Grande Depressão dos anos 30 e seu ambiente internacional catastrófico. Os projetos nacionais de desenvolvimento e industrialização na periferia nasceram no mesmo berço que produziu o keynesianismo nos países centrais. Uma reação contra as misérias e as desgraças produzidas pelo capitalismo dos anos 20.

A onda desenvolvimentista e a experiência keynesiana tiveram o seu apogeu nas três décadas que sucederam o fim da Segunda Guerra. O clima político e social estava saturado da idéia de que era possível adotar estratégias nacionais e intencionais de crescimento, industrialização e avanço social.

Depois de 30 anos de progresso material, redução das desigualdades nos países centrais e altas taxas de crescimento na América Latina e na Ásia emergente, a crise do dólar nos anos 70 foi entendida pelos Estados Unidos como uma advertência e uma recomendação: era preciso dar adeus a tudo aquilo. Nesse momento circulava a parêmia: o mal é a política. As palavras de ordem da potência hegemônica recomendavam a supressão do intervencionismo do Estado, o poder dos sindicatos, o controle público da finança, os obstáculos ao livre movimento de capitais.

Ironias da História. Superada a crise da estagflação e da baixa “produtividade” dos anos 70 do século passado, a elevação da taxa de juro deflagrada por Paul Volker em 1979 deu novo impulso à “expansão norte-americana”. À sombra do fortalecimento do dólar, os Estados Unidos impuseram a liberalização financeira urbi et orbi, assim como impulsionaram a metástase produtiva para o Pacífico dos pequenos tigres e novos dragões. Nos últimos 30 anos, a desregulamentação dos mercados e a crescente liberalização dos movimentos de capitais alteraram profundamente o jogo das regras.

O desenvolvimento na periferia não foi uma invenção de países exóticos, mas uma resposta à Grande Depressão

O conto de fadas da globalização acenava com o fim da história: as questões essenciais relativas às formas de convivência e ao regime de produção à escala mundial estariam resolvidas com a generalização da “economia de mercado”. Não haveria mais sentido na reafirmação de questões anacrônicas, como a promoção de políticas empenhadas no resguardo dos direitos dos cidadãos à pertinência cívica, laica, igualitária e republicana.

Um jornalista do The Guardian, habitual cronista das reuniões do World ­Economic Forum, resumiu em um parágrafo as diferenças entre o espírito das épocas, entre as reuniões de Bretton Woods e Dumbarton Oaks e os encontros periódicos de Davos, onde os poderes do mundo imaginam cuidar do destino dos homens: “Clement Atlee, Ernest Bevin e Roosevelt acreditavam nos mercados administrados e no controle do capitalismo… por isso as Conferências de Bretton Woods e de Dumbarton Oaks não foram patrocinadas pela Coca-Cola. As reu­niões de Roosevelt não tinham o apoio do J.P. Morgan, cujos funcionários, aliás, tratavam de recortar as fotos do presidente norte-americano, para evitar acidentes, caso o patrão resolvesse ler os jornais”.

O sonho do fim da história e da cidadania sem fronteiras transformou-se no pesadelo em que todos são vítimas prováveis do embate entre o desespero dos desamparados e uma estrutura do Poder Global que se pretende absoluta, encarnada no rosto da pátria hegemônica.

A dominação trumpista pretende desconhecer soberania dos demais Estados Nacionais, sem que isso signifique a criação de instâncias integradoras no âmbito internacional. Muito ao contrário: o avanço do intervencionismo unilateral provoca a desintegração ou a submissão dos fóruns multilaterais ao poder norte-americano.

A política norte-americana faz unilateralmente as intervenções preventivas ou corretivas, segundo a conjuntura. Sem regras gerais autoaplicáveis e sem consideração pelas regras que eles mesmos ajudaram a criar, o intervencionismo norte-americano inventa e reinventa pretextos para expandir, como nunca, o seu poder global. •

Publicado na edição n° 1357 de CartaCapital, em 16 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Trump e a História’



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