Breaking
16 Apr 2025, Wed


Na tarde da quarta-feira 9, na linha “dois pra lá, dois pra cá”, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elevou para 125% as tarifas de importação de produtos chineses, após Pequim, em resposta aos primeiros movimentos de Washington, ter pagado para ver e elevado os impostos de bens norte-americanos a 84%. Em contrapartida e diante da pressão de aliados internos e financiadores, o republicano anunciou na sua rede Truth Social que nos próximos 90 dias o tarifaço aplicado aos demais parceiros comerciais, o resto do planeta, em outras palavras, ficará limitado a 10%. Seria, segundo ele, um gesto de boa vontade diante da disposição de 75 países em negociar os termos das relações bilaterais com os Estados Unidos.

Quando Trump publicou mais um recuo na confusa política tarifária – as taxas acima de 10% começariam a vigorar no dia seguinte –, as Bolsas de Valores europeias e asiáticas tinham encerrado os pregões. No Brasil, a alta do Ibovespa, o índice de ações, passava de 3%, após uma manhã desanimada e dias de queda. O dólar, que na abertura dos negócios havia ultrapassado novamente a barreira dos 6 ­reais, inverteu a tendência e se aproximava dos 5,80. A desconfiança geral não se desfez, no entanto. A imprevisibilidade do novo inquilino da Casa Branca e de seus assessores econômicos, marca registrada, ainda não está totalmente precificada, como dizem os investidores. Persiste o clima fúnebre. Cada vez mais analistas preveem uma recessão nos EUA, com repercussões no resto do planeta. O mercado cambial neste início de abril tornou-se uma montanha-russa e a perda de valor das empresas de diferentes setores passa das centenas de bilhões de dólares.

O presidente dos EUA limitou a 10%, por 90 dias, o tarifaço para o resto do mundo. No caso dos chineses, os impostos subiram a 125%

Os chineses foram os primeiros a revidar e avançaram além da guerra tarifária. Na mesma quarta 9 em que voltou a ser confrontado por Trump e ainda não havia digerido o insulto do vice-presidente JD Vance, que chamou seus compatriotas de “camponeses”, Xi ­Jinping autorizou a venda de 50 bilhões de dólares de títulos da dívida norte-americana, o que elevou os juros de dez anos de 3,85% para 4,20% ao ano. Ou seja, ficará mais caro para os Estados Unidos financiarem o déficit público. Enquanto esperam os efeitos da queda de braço entre as duas maiores economias, outras nações preparam seu arsenal de retaliação. O Canadá e a União Europeia avisaram estar prontos para sobretaxar em 25% os produtos oriundos da “América”, caso o tarifaço não seja definitivamente suspenso ou substancialmente reduzido depois dos 90 dias de trégua.

“Os acontecimentos nas últimas 24 horas indicam que podemos enfrentar uma grave crise financeira totalmente causada pela política tarifária do governo dos EUA”, vaticinou o influente Nobel de Economia Lawrence Summers, antes mesmos dos últimos anúncios de Trump. “As taxas de juros de longo prazo estão em alta, apesar de o mercado de ações apresentar uma forte queda. Esse padrão bastante incomum sugere uma aversão generalizada aos investidores norte-americanos nos mercados financeiros globais. Estamos sendo tratados pelos mercados financeiros globais como um mercado emergente problemático”. O presidente do banco JP Morgan, Jamie Dimon, escreveu na carta anual aos acionistas que o tarifaço “ameaça aumentar os preços, levar a economia global à crise e enfraquecer a posição dos Estados Unidos no mundo”.

As Bolsas de Valores viveram dias de pânico. Jinping não se deixou intimidar e retaliou comercial e financeiramente os EUA – Imagem: Angela Weiss/AFP e Governo da Africa do Sul

O custo de vida dos norte-americanos disparou, mostra levantamento do think tank Center for American Progress publicado na terça-feira 8. Um conjunto de roupas para bebês feito no Camboja, com tarifa de 49%, passou de 24 para 35,76 dólares. Uma calça jeans fabricada no Egito, taxada em 10%, saltou de 39,98 para 43,98. A bola de futebol costurada no Paquistão, produtor de 70% desses itens no mundo, com imposto de importação de 29%, pula de 17,99 para 23,21. O café do Brasil, o mais consumido nos EUA, tarifado em 10%, saltou de 8,30 para 9,13. O preço de um SUV produzido no México, sujeito a 25%, aumentou de 31,45 mil para 39,24 mil dólares.

Economistas alertam para o risco de uma combinação maléfica de inflação e recessão. As preocupações se propagam em todas as possibilidades e uma convergência entre a Europa e a China, antes de ser considerada provável, passa a ser vista como possibilidade real. “Os europeus, sobretudo os alemães, estão completamente perdidos e enraivecidos, é como se tivessem perdido o chão. Em meio a isso, até mesmo na Europa, embora aqui essa posição ainda seja minoritária, há gente defendendo um afastamento dos EUA e uma aproximação com os chineses”, relata o economista Bruno De Conti, do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador visitante na Universidade de Sorbonne.

Aliados e financiadores de Trump perderam muito dinheiro nos últimos dias, o que talvez explique o novo recuo

Um dos aspectos mais desconcertantes do trumpismo tarifário, concordam especialistas, é sua falta de embasamento na teoria e na história econômica. O objetivo do republicano é, entretanto, bem claro. Trump quer restaurar uma base industrial em território norte-americano, importador de grandes volumes de mercadorias e serviços de empresas do próprio país sediadas na China, Vietnã, Canadá e México, entre outros. Essas companhias vendem de volta aos Estados Unidos a um custo menor do que se fabricassem em seu quintal. No fim das contas, o feitiço se voltou contra o feiticeiro, explica o economista britânico Michael Roberts em seu blog. “Nos últimos 40 anos de ‘globalização’”, escreve, “empresas multinacionais nos EUA, Europa e Japão transferiram ­suas operações de produção para o Sul Global para aproveitar a mão de obra barata, a ausência de sindicatos ou regulamentações e o uso da tecnologia mais recente.”

Os apelos em prol de um processo de reindustrialização dos Estados Unidos seriam, portanto, anacrônicos. “Se fosse o caso de elaborar uma estratégia para um país se industrializar, exigir tarifas mais altas de importação para tentar desenvolver a indústria nacional é uma medida que faz parte de um certo arsenal clássico de desenvolvimento, proteção e política industrial”, sublinha o economista André Biancarelli, professor do Instituto de Economia da Unicamp. No caso dos EUA, prossegue, centro da produção manufatureira do mundo muitas décadas atrás e hoje em uma posição de destaque nas cadeias produtivas globais, mas não exatamente pela parte produtiva, tentar reverter com tarifas o processo de muitos anos de desconcentração industrial, ainda mais de maneira tão atabalhoada e agressiva, não terá sucesso. Do ponto de vista técnico objetivo, diz o economista, a mudança demoraria muito tempo e não se sabe se os efeitos políticos de curto prazo sobre a própria economia e a sociedade darão tempo para algum eventual resultado positivo ter efeito. “As elevações de tarifas anunciadas, se reproduzidas para um conjunto muito grande de cadeias produtivas, vão significar um choque de oferta, um congelamento dessas cadeias, aparentemente pior do que aquele que aconteceu na época da Covid–19 e no começo da guerra da Ucrânia. Além disso, é possível um efeito inflacionário, típico do choque de oferta, e também um efeito recessivo, porque isso paralisa a produção internacional e o comércio”, aponta Biancarelli. O economista menciona o caso da Howmet ­Aerospace, da Pensilvânia, noticiado pela agência Reuters. A empresa, fornecedora de peças para aviões construídos pela Boeing e pela Airbus, enviou uma carta aos clientes na qual avisa de uma possível interrupção no fornecimento de produtos caso entrem de fato em vigor as tarifas anunciadas por Trump no tal “Dia da Libertação”.

Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, colunista desta revista, o tarifaço de Trump tende a destruir todas as relações empresariais, da indústria automobilística à fabricação de aviões. Se os Estados Unidos perderem a China como fornecedor, vão estancar o envio de produtos da maior e mais diversificada estrutura industrial do mundo e provocarão uma grande encrenca, para eles e para o mundo. “É preciso lembrar que a lei Smoot–Hawley, que em 1930 aumentou as tarifas de importação de mais de 20 mil bens em um esforço para proteger agricultores e empresas norte-americanas, sofreu retaliação generalizada e contribuiu fortemente para a redução das exportações e, nos EUA, para a Grande Depressão de 1930.”

As perspectivas das exportações brasileiras em meio à guerra tarifária são nebulosas. Para o presidente da Associação de Comércio Exterior, José Augusto de Castro, tudo se resume à expectativa de que o País possa ocupar o espaço de alguém que vai deixar de exportar para os EUA, especialmente a China. O problema, diz, é que os chineses têm preço competitivo, nós não. O ­custo Brasil é muito elevado, não permite que possamos substituir a China como fornecedor regular. “Gostaria muito que pudéssemos exportar mais fabricados, porque tudo hoje em dia gira em torno de manufaturados, mas não temos preço para exportar para os Estados Unidos. Na verdade, vamos continuar a dar preferência à exportação de commodities. Não é que a gente queira fazer isso, mas é o que nos resta”, ressalta Castro. Não bastasse, prossegue o presidente da AEB, a possibilidade de termos uma queda nos preços dos itens de menor agregado é muito grande. O resultado da balança comercial divulgado na sexta-feira 4, mostra uma queda nos três primeiros meses de 10 bilhões de dólares. “Acho que até o fim do ano a nossa balança comercial fechará com um superávit de 60 bilhões. No ano passado, foi de 74 bilhões”, sublinha o dirigente.

Os fabricantes de calçados do Brasil são um dos poucos setores industriais que podem se beneficiar – Imagem: iStockphoto

Em paralelo à disputa de preços, quando a guerra tarifária começar a influenciar a taxa de juros e outras variáveis macroeconômicas, o cenário tende a piorar. “Não dá para ficar otimista. É mais provável que os EUA comprem produtos fabricados na Europa do que no Brasil. Bem ou mal, eles têm preços competitivos.” Mas isso tudo são expectativas, acrescenta o presidente da AEB, não há como afirmar nada de modo categórico. Castro acredita em algumas oportunidades em setores como calçados e eletrônicos, por razões específicas. O Brasil sempre foi um grande exportador de calçados e até o início dos anos 2000 ocupava a primeira posição no ranking. Ocorre que a China foi, pouco a pouco, ocupando espaço e hoje é o principal exportador desse segmento para os EUA. O País pode substituir em alguma medida as exportações chinesas para esse mercado, mas o preço dos produtos de boa qualidade fabricados lá é imbatível. O espaço a ser aberto com o fechamento dos Estados Unidos existirá, “mas vai ser muito pequeno, infelizmente”. Em relação aos eletrônicos, há vários produtos que o Brasil importa, beneficiando alguma coisa no mercado interno e exportando para os Estados Unidos. Uma filial no País de empresa com sede nos EUA possivelmente conseguirá manter suas exportações ou até ampliar marginalmente as vendas. Mas não será uma norma geral.

Há análises mais otimistas sobre as perspectivas dos emergentes como o Brasil. Segundo os economistas Jayati Ghosh e CP Chandrasekhar, das universidades de Massachusetts, dos EUA, e Nehru, da Índia, os temores das nações em desenvolvimento, apesar de compreensíveis e justificáveis, parecem exagerados diante da redução sistemática da participação dos EUA no comércio mundial, consolidada nos últimos dez anos. Entre 2014 e 2022, sublinham os economistas em um artigo, enquanto as exportações dos mercados emergentes e economias em desenvolvimento (EMDEs, na sigla em inglês) para os EUA passaram de 14,4% do total para 15,3%, ou de 1,12 trilhão de dólares para 1,65 trilhão, as vendas realizadas entre esse grupo aumentou de 40,5% para 43,9%, ou de 3,15 trilhões para 4,73 trilhões de dólares.

O solavanco provocado pelo­ tarifaço de Trump, acredita o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é forte e é preciso ter prudência, mas o Brasil está bem posicionado por conta das reservas cambiais, saldo comercial robusto e a superssafra agrícola prevista para este ano. Os EUA perderam o jogo e querem mudar as regras, mas o Brasil tem espaço para negociar, afirmou o ministro.

O medo de serem superados pela China é o sentimento que norteia a política protecionista do governo Trump. Quando ainda era senador e aspirante a candidato do Partido Republicano, o atual secretário de Estado, Marco Rubio, debruçou-se sobre o plano Made in China 2025, um compilado das diretrizes econômicas traçadas por Pequim. Rubio concluiu: os chineses caminham a passos largos para superar os norte-americanos em setores de alta tecnologia e geração de valor agregado. “A China atingiu, ou está perto de atingir, a vanguarda tecnológica na maioria dos setores que têm como alvo”, alertou o então senador. De dez setores analisados, os chineses lideram em veículos elétricos, energia e geração de energia sustentável, construção naval e ferrovias de alta velocidade. Em outros cinco, fez progressos substanciais na direção da fronteira tecnológica: aeroespacial e aviação, biotecnologia, novos materiais, robótica e semicondutores. O problema, aparentemente não percebido ou ignorado por Trump e sua equipe, é a nada desprezível possibilidade de o protecionismo ter efeito contrário do pretendido. Em vez de deter o avanço chinês, acelerar o processo de troca de guarda no topo da economia global. Quanto mais os Estados Unidos se isolarem e hostilizarem parceiros comerciais históricos, maiores as brechas para Pequim se apresentar como confiável e estável. O anúncio da reunião entre os ministros da Economia da China, Japão e Coreia do Sul, nações asiáticas que nunca se deram bem, para a discussão de um possível acordo de livre comércio deveria ecoar na cabeça vazia dos formuladores das políticas em Washington.

Em meio às incertezas, talvez um reflexo sob certos aspectos positivos seja uma mudança de postura das autoridades monetárias. “Não há dúvida de que os Bancos Centrais vão fazer uma política monetária para amortecer a piora da atividade econômica. Ou seja, em lugares em que a expectativa era de mais altas nas taxas básicas, como no Brasil, esse movimento fica seriamente questionado”, avalia José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. A ver. •


Oportunidades para o Brasil

O País tem como explorar as brechas da guerra tarifária, acredita José Luis Gordon, do BNDES

O País tem como explorar as brechas da guerra tarifária, acredita José Luis Gordon, do BNDES

A guerra comercial de Donald Trump tumultuou Bolsas e moedas pelo mundo, tema dominante na mídia. Falta até aqui, porém, um olhar detido sobre as razões do conflito, que são geopolíticas e têm a indústria e a tecnologia como pontos centrais. Um cenário do qual o Brasil pode até tirar proveito. “A indústria, a autonomia tecnológica, quem vai ganhar a guerra da inteligência artificial, quem vai ganhar a guerra do 5G, quem vai ganhar a guerra da energia renovável… Querendo ou não, mesmo que o Trump saia dessa agenda, ela está dada”, afirmou José Luis Gordon, Diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do ­BNDES, ao repórter especial André Barrocal, no programa Poder em Pauta. A seguir, os principais tópicos da entrevista, cuja íntegra está disponível no canal do YouTube de CartaCapital.

Os motivos dos EUA
Os Estados Unidos tradicionalmente fazem política industrial, talvez de forma mais escondida, mas fizeram historicamente, e começaram a fazer de forma muito explícita nos últimos anos. O Trump tenta trazer a indústria de volta para os EUA. O Biden fez uma série de medidas, subiu algumas tarifas, por exemplo para carros elétricos. A Europa acompanhou o Biden, na linha do Green New Deal, mas botando recursos públicos pesadamente. Há uma discussão muito forte sobre o papel da indústria como ator central do desenvolvimento e da geopolítica. A indústria está no centro da agenda global.

Guerra tecnológica
Essa disputa está ligada a um novo ator político fundamental, a China, que há muitos anos vem deixando de fazer produtos “xing lings”, de baixa capacidade, para se tornar a potência que é hoje, disputando todos os mercados
e entrando em Inteligência Artificial, ou seja, na fronteira do conhecimento. Um tempo atrás, teve aquela discussão sobre 5G e a Huawei, se os EUA usariam equipamentos da Huawei. Há uma disputa global sobre quem vai dominar a indústria, central para a geração de emprego e renda e de poder nos países. O que o Trump fez, no modelo dele e de uma forma muito peculiar da gestão dele, foi criar uma guerra comercial, com a China retaliando.

O Brasil no jogo
Se a China não conseguir entrar nos EUA, vai ter que escoar esses produtos para algum lugar. Para onde? O Brasil é um possível local. Como nossa indústria vai reagir? Espaços vão aparecer, e o Brasil precisava entendê-los. Vou dar um exemplo: semicondutores. A partir do momento que os EUA fecham a porta para a China, como vão fazer com semicondutores? Na política de semicondutores da gestão Biden, decidiram que o encapsulamento, a parte final da produção, não seria feito internamente. É uma oportunidade para o Brasil. Estamos razoavelmente perto dos EUA e temos algumas empresas (do ramo).

Política industrial
O governo Lula tem uma política industrial que há muitos anos não se via, tinha sido desconstruída por seis anos. Vamos ver o que a gente pode fazer para fortalecer o País à luz da guerra comercial instalada. O agro é importante, mas não tem agro sem fertilizante, máquinas e equipamentos, conectividade. Tudo isso é indústria. E o setor de serviços de maior complexidade tecnológica trabalha para atender a indústria.

Minerais críticos
Hoje, basicamente quem tem minerais críticos mapeados, domínio das tecnologias e refina boa parte desses minerais é a China. Existe uma preocupação mundial de não ficar dependente dela. Acabo de voltar do Japão, estive lá ano passado também, e eles deixaram isso claro: “Não queremos ficar dependentes da China, queremos ir para o Brasil investir nesse tipo de tecnologia, que é estratégica”. Fazer a transição do setor automotivo para o carro elétrico, para a mobilidade sustentável, precisa desses minerais. A digitalização precisa. Energia solar e energia eólica precisam. O Brasil é uma bola da vez, todo mundo está olhando para cá, mas temos algumas tarefas aqui para poder conseguir explorar esses minerais.

Iniciativas do BNDES
O Brasil tem mapeado, mas não sabe a qualidade desses minerais. O BNDES fez um fundo de participação, um FIP, de 1 bilhão de reais com a Vale, para investir em junior ­companies, empresas médias em fase normalmente pré-operacional, para que façam pesquisa mineral e a gente saiba a qualidade desses minerais, para depois poder explorar e agregar valor. Por outro lado, a gente tem algumas empresas que começam a explorar esses minerais, mas precisamos agregar valor. O que acontece hoje? Conseguimos extrair lítio, grafite, nióbio, mas muitas vezes vão para a China e são refinados lá. Queremos trazer a capacidade de refino para cá. Porque para você fazer a bateria, a célula da bateria, precisa do hidrato de lítio, do sulfato de lítio. Então, o ­BNDES fez uma chamada pública no início do ano, em parceria com a Finep, de 5 bilhões de reais. As empresas vão apresentar seus planos de negócios e a gente vai analisar.

Groenlândia
Esse é um dos grandes motivos (para o plano de Trump de tomar a Groenlândia da Dinamarca). Tem a questão marítima, ali é uma passagem importante, mas a questão dos minerais é estratégica. A Groenlândia tem muitos minerais, e hoje todo mundo depende da China. No caso de terras-raras, a China limita a exportação, isso faz com que o preço suba. É um quebra-cabeça. Quando você vai para a Alemanha, eles deixam claro que têm interesse tanto em SAF (combustível sustentável) aqui no Brasil quanto em minerais críticos, porque sabem que precisam não ter dependência de um só país. A Bosch, uma das grandes multinacionais alemãs, tirou um centro de P&D global de lá e trouxe para cá. Temos que saber aproveitar os momentos. Tem esse momento de turbulência geopolítica e o Brasil, como se dá bem com a China, com os EUA, a União Europeia, o Japão, pode conseguir bons espaços.

Publicado na edição n° 1357 de CartaCapital, em 16 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pato com laquê’



Na tarde da quarta-feira 9, na linha “dois pra lá, dois pra cá”, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elevou para 125% as tarifas de importação de produtos chineses, após Pequim, em resposta aos primeiros movimentos de Washington, ter pagado para ver e elevado os impostos de bens norte-americanos a 84%. Em contrapartida e diante da pressão de aliados internos e financiadores, o republicano anunciou na sua rede Truth Social que nos próximos 90 dias o tarifaço aplicado aos demais parceiros comerciais, o resto do planeta, em outras palavras, ficará limitado a 10%. Seria, segundo ele, um gesto de boa vontade diante da disposição de 75 países em negociar os termos das relações bilaterais com os Estados Unidos.

Quando Trump publicou mais um recuo na confusa política tarifária – as taxas acima de 10% começariam a vigorar no dia seguinte –, as Bolsas de Valores europeias e asiáticas tinham encerrado os pregões. No Brasil, a alta do Ibovespa, o índice de ações, passava de 3%, após uma manhã desanimada e dias de queda. O dólar, que na abertura dos negócios havia ultrapassado novamente a barreira dos 6 ­reais, inverteu a tendência e se aproximava dos 5,80. A desconfiança geral não se desfez, no entanto. A imprevisibilidade do novo inquilino da Casa Branca e de seus assessores econômicos, marca registrada, ainda não está totalmente precificada, como dizem os investidores. Persiste o clima fúnebre. Cada vez mais analistas preveem uma recessão nos EUA, com repercussões no resto do planeta. O mercado cambial neste início de abril tornou-se uma montanha-russa e a perda de valor das empresas de diferentes setores passa das centenas de bilhões de dólares.

O presidente dos EUA limitou a 10%, por 90 dias, o tarifaço para o resto do mundo. No caso dos chineses, os impostos subiram a 125%

Os chineses foram os primeiros a revidar e avançaram além da guerra tarifária. Na mesma quarta 9 em que voltou a ser confrontado por Trump e ainda não havia digerido o insulto do vice-presidente JD Vance, que chamou seus compatriotas de “camponeses”, Xi ­Jinping autorizou a venda de 50 bilhões de dólares de títulos da dívida norte-americana, o que elevou os juros de dez anos de 3,85% para 4,20% ao ano. Ou seja, ficará mais caro para os Estados Unidos financiarem o déficit público. Enquanto esperam os efeitos da queda de braço entre as duas maiores economias, outras nações preparam seu arsenal de retaliação. O Canadá e a União Europeia avisaram estar prontos para sobretaxar em 25% os produtos oriundos da “América”, caso o tarifaço não seja definitivamente suspenso ou substancialmente reduzido depois dos 90 dias de trégua.

“Os acontecimentos nas últimas 24 horas indicam que podemos enfrentar uma grave crise financeira totalmente causada pela política tarifária do governo dos EUA”, vaticinou o influente Nobel de Economia Lawrence Summers, antes mesmos dos últimos anúncios de Trump. “As taxas de juros de longo prazo estão em alta, apesar de o mercado de ações apresentar uma forte queda. Esse padrão bastante incomum sugere uma aversão generalizada aos investidores norte-americanos nos mercados financeiros globais. Estamos sendo tratados pelos mercados financeiros globais como um mercado emergente problemático”. O presidente do banco JP Morgan, Jamie Dimon, escreveu na carta anual aos acionistas que o tarifaço “ameaça aumentar os preços, levar a economia global à crise e enfraquecer a posição dos Estados Unidos no mundo”.

As Bolsas de Valores viveram dias de pânico. Jinping não se deixou intimidar e retaliou comercial e financeiramente os EUA – Imagem: Angela Weiss/AFP e Governo da Africa do Sul

O custo de vida dos norte-americanos disparou, mostra levantamento do think tank Center for American Progress publicado na terça-feira 8. Um conjunto de roupas para bebês feito no Camboja, com tarifa de 49%, passou de 24 para 35,76 dólares. Uma calça jeans fabricada no Egito, taxada em 10%, saltou de 39,98 para 43,98. A bola de futebol costurada no Paquistão, produtor de 70% desses itens no mundo, com imposto de importação de 29%, pula de 17,99 para 23,21. O café do Brasil, o mais consumido nos EUA, tarifado em 10%, saltou de 8,30 para 9,13. O preço de um SUV produzido no México, sujeito a 25%, aumentou de 31,45 mil para 39,24 mil dólares.

Economistas alertam para o risco de uma combinação maléfica de inflação e recessão. As preocupações se propagam em todas as possibilidades e uma convergência entre a Europa e a China, antes de ser considerada provável, passa a ser vista como possibilidade real. “Os europeus, sobretudo os alemães, estão completamente perdidos e enraivecidos, é como se tivessem perdido o chão. Em meio a isso, até mesmo na Europa, embora aqui essa posição ainda seja minoritária, há gente defendendo um afastamento dos EUA e uma aproximação com os chineses”, relata o economista Bruno De Conti, do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador visitante na Universidade de Sorbonne.

Aliados e financiadores de Trump perderam muito dinheiro nos últimos dias, o que talvez explique o novo recuo

Um dos aspectos mais desconcertantes do trumpismo tarifário, concordam especialistas, é sua falta de embasamento na teoria e na história econômica. O objetivo do republicano é, entretanto, bem claro. Trump quer restaurar uma base industrial em território norte-americano, importador de grandes volumes de mercadorias e serviços de empresas do próprio país sediadas na China, Vietnã, Canadá e México, entre outros. Essas companhias vendem de volta aos Estados Unidos a um custo menor do que se fabricassem em seu quintal. No fim das contas, o feitiço se voltou contra o feiticeiro, explica o economista britânico Michael Roberts em seu blog. “Nos últimos 40 anos de ‘globalização’”, escreve, “empresas multinacionais nos EUA, Europa e Japão transferiram ­suas operações de produção para o Sul Global para aproveitar a mão de obra barata, a ausência de sindicatos ou regulamentações e o uso da tecnologia mais recente.”

Os apelos em prol de um processo de reindustrialização dos Estados Unidos seriam, portanto, anacrônicos. “Se fosse o caso de elaborar uma estratégia para um país se industrializar, exigir tarifas mais altas de importação para tentar desenvolver a indústria nacional é uma medida que faz parte de um certo arsenal clássico de desenvolvimento, proteção e política industrial”, sublinha o economista André Biancarelli, professor do Instituto de Economia da Unicamp. No caso dos EUA, prossegue, centro da produção manufatureira do mundo muitas décadas atrás e hoje em uma posição de destaque nas cadeias produtivas globais, mas não exatamente pela parte produtiva, tentar reverter com tarifas o processo de muitos anos de desconcentração industrial, ainda mais de maneira tão atabalhoada e agressiva, não terá sucesso. Do ponto de vista técnico objetivo, diz o economista, a mudança demoraria muito tempo e não se sabe se os efeitos políticos de curto prazo sobre a própria economia e a sociedade darão tempo para algum eventual resultado positivo ter efeito. “As elevações de tarifas anunciadas, se reproduzidas para um conjunto muito grande de cadeias produtivas, vão significar um choque de oferta, um congelamento dessas cadeias, aparentemente pior do que aquele que aconteceu na época da Covid–19 e no começo da guerra da Ucrânia. Além disso, é possível um efeito inflacionário, típico do choque de oferta, e também um efeito recessivo, porque isso paralisa a produção internacional e o comércio”, aponta Biancarelli. O economista menciona o caso da Howmet ­Aerospace, da Pensilvânia, noticiado pela agência Reuters. A empresa, fornecedora de peças para aviões construídos pela Boeing e pela Airbus, enviou uma carta aos clientes na qual avisa de uma possível interrupção no fornecimento de produtos caso entrem de fato em vigor as tarifas anunciadas por Trump no tal “Dia da Libertação”.

Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, colunista desta revista, o tarifaço de Trump tende a destruir todas as relações empresariais, da indústria automobilística à fabricação de aviões. Se os Estados Unidos perderem a China como fornecedor, vão estancar o envio de produtos da maior e mais diversificada estrutura industrial do mundo e provocarão uma grande encrenca, para eles e para o mundo. “É preciso lembrar que a lei Smoot–Hawley, que em 1930 aumentou as tarifas de importação de mais de 20 mil bens em um esforço para proteger agricultores e empresas norte-americanas, sofreu retaliação generalizada e contribuiu fortemente para a redução das exportações e, nos EUA, para a Grande Depressão de 1930.”

As perspectivas das exportações brasileiras em meio à guerra tarifária são nebulosas. Para o presidente da Associação de Comércio Exterior, José Augusto de Castro, tudo se resume à expectativa de que o País possa ocupar o espaço de alguém que vai deixar de exportar para os EUA, especialmente a China. O problema, diz, é que os chineses têm preço competitivo, nós não. O ­custo Brasil é muito elevado, não permite que possamos substituir a China como fornecedor regular. “Gostaria muito que pudéssemos exportar mais fabricados, porque tudo hoje em dia gira em torno de manufaturados, mas não temos preço para exportar para os Estados Unidos. Na verdade, vamos continuar a dar preferência à exportação de commodities. Não é que a gente queira fazer isso, mas é o que nos resta”, ressalta Castro. Não bastasse, prossegue o presidente da AEB, a possibilidade de termos uma queda nos preços dos itens de menor agregado é muito grande. O resultado da balança comercial divulgado na sexta-feira 4, mostra uma queda nos três primeiros meses de 10 bilhões de dólares. “Acho que até o fim do ano a nossa balança comercial fechará com um superávit de 60 bilhões. No ano passado, foi de 74 bilhões”, sublinha o dirigente.

Os fabricantes de calçados do Brasil são um dos poucos setores industriais que podem se beneficiar – Imagem: iStockphoto

Em paralelo à disputa de preços, quando a guerra tarifária começar a influenciar a taxa de juros e outras variáveis macroeconômicas, o cenário tende a piorar. “Não dá para ficar otimista. É mais provável que os EUA comprem produtos fabricados na Europa do que no Brasil. Bem ou mal, eles têm preços competitivos.” Mas isso tudo são expectativas, acrescenta o presidente da AEB, não há como afirmar nada de modo categórico. Castro acredita em algumas oportunidades em setores como calçados e eletrônicos, por razões específicas. O Brasil sempre foi um grande exportador de calçados e até o início dos anos 2000 ocupava a primeira posição no ranking. Ocorre que a China foi, pouco a pouco, ocupando espaço e hoje é o principal exportador desse segmento para os EUA. O País pode substituir em alguma medida as exportações chinesas para esse mercado, mas o preço dos produtos de boa qualidade fabricados lá é imbatível. O espaço a ser aberto com o fechamento dos Estados Unidos existirá, “mas vai ser muito pequeno, infelizmente”. Em relação aos eletrônicos, há vários produtos que o Brasil importa, beneficiando alguma coisa no mercado interno e exportando para os Estados Unidos. Uma filial no País de empresa com sede nos EUA possivelmente conseguirá manter suas exportações ou até ampliar marginalmente as vendas. Mas não será uma norma geral.

Há análises mais otimistas sobre as perspectivas dos emergentes como o Brasil. Segundo os economistas Jayati Ghosh e CP Chandrasekhar, das universidades de Massachusetts, dos EUA, e Nehru, da Índia, os temores das nações em desenvolvimento, apesar de compreensíveis e justificáveis, parecem exagerados diante da redução sistemática da participação dos EUA no comércio mundial, consolidada nos últimos dez anos. Entre 2014 e 2022, sublinham os economistas em um artigo, enquanto as exportações dos mercados emergentes e economias em desenvolvimento (EMDEs, na sigla em inglês) para os EUA passaram de 14,4% do total para 15,3%, ou de 1,12 trilhão de dólares para 1,65 trilhão, as vendas realizadas entre esse grupo aumentou de 40,5% para 43,9%, ou de 3,15 trilhões para 4,73 trilhões de dólares.

O solavanco provocado pelo­ tarifaço de Trump, acredita o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é forte e é preciso ter prudência, mas o Brasil está bem posicionado por conta das reservas cambiais, saldo comercial robusto e a superssafra agrícola prevista para este ano. Os EUA perderam o jogo e querem mudar as regras, mas o Brasil tem espaço para negociar, afirmou o ministro.

O medo de serem superados pela China é o sentimento que norteia a política protecionista do governo Trump. Quando ainda era senador e aspirante a candidato do Partido Republicano, o atual secretário de Estado, Marco Rubio, debruçou-se sobre o plano Made in China 2025, um compilado das diretrizes econômicas traçadas por Pequim. Rubio concluiu: os chineses caminham a passos largos para superar os norte-americanos em setores de alta tecnologia e geração de valor agregado. “A China atingiu, ou está perto de atingir, a vanguarda tecnológica na maioria dos setores que têm como alvo”, alertou o então senador. De dez setores analisados, os chineses lideram em veículos elétricos, energia e geração de energia sustentável, construção naval e ferrovias de alta velocidade. Em outros cinco, fez progressos substanciais na direção da fronteira tecnológica: aeroespacial e aviação, biotecnologia, novos materiais, robótica e semicondutores. O problema, aparentemente não percebido ou ignorado por Trump e sua equipe, é a nada desprezível possibilidade de o protecionismo ter efeito contrário do pretendido. Em vez de deter o avanço chinês, acelerar o processo de troca de guarda no topo da economia global. Quanto mais os Estados Unidos se isolarem e hostilizarem parceiros comerciais históricos, maiores as brechas para Pequim se apresentar como confiável e estável. O anúncio da reunião entre os ministros da Economia da China, Japão e Coreia do Sul, nações asiáticas que nunca se deram bem, para a discussão de um possível acordo de livre comércio deveria ecoar na cabeça vazia dos formuladores das políticas em Washington.

Em meio às incertezas, talvez um reflexo sob certos aspectos positivos seja uma mudança de postura das autoridades monetárias. “Não há dúvida de que os Bancos Centrais vão fazer uma política monetária para amortecer a piora da atividade econômica. Ou seja, em lugares em que a expectativa era de mais altas nas taxas básicas, como no Brasil, esse movimento fica seriamente questionado”, avalia José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. A ver. •


Oportunidades para o Brasil

O País tem como explorar as brechas da guerra tarifária, acredita José Luis Gordon, do BNDES

O País tem como explorar as brechas da guerra tarifária, acredita José Luis Gordon, do BNDES

A guerra comercial de Donald Trump tumultuou Bolsas e moedas pelo mundo, tema dominante na mídia. Falta até aqui, porém, um olhar detido sobre as razões do conflito, que são geopolíticas e têm a indústria e a tecnologia como pontos centrais. Um cenário do qual o Brasil pode até tirar proveito. “A indústria, a autonomia tecnológica, quem vai ganhar a guerra da inteligência artificial, quem vai ganhar a guerra do 5G, quem vai ganhar a guerra da energia renovável… Querendo ou não, mesmo que o Trump saia dessa agenda, ela está dada”, afirmou José Luis Gordon, Diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do ­BNDES, ao repórter especial André Barrocal, no programa Poder em Pauta. A seguir, os principais tópicos da entrevista, cuja íntegra está disponível no canal do YouTube de CartaCapital.

Os motivos dos EUA
Os Estados Unidos tradicionalmente fazem política industrial, talvez de forma mais escondida, mas fizeram historicamente, e começaram a fazer de forma muito explícita nos últimos anos. O Trump tenta trazer a indústria de volta para os EUA. O Biden fez uma série de medidas, subiu algumas tarifas, por exemplo para carros elétricos. A Europa acompanhou o Biden, na linha do Green New Deal, mas botando recursos públicos pesadamente. Há uma discussão muito forte sobre o papel da indústria como ator central do desenvolvimento e da geopolítica. A indústria está no centro da agenda global.

Guerra tecnológica
Essa disputa está ligada a um novo ator político fundamental, a China, que há muitos anos vem deixando de fazer produtos “xing lings”, de baixa capacidade, para se tornar a potência que é hoje, disputando todos os mercados
e entrando em Inteligência Artificial, ou seja, na fronteira do conhecimento. Um tempo atrás, teve aquela discussão sobre 5G e a Huawei, se os EUA usariam equipamentos da Huawei. Há uma disputa global sobre quem vai dominar a indústria, central para a geração de emprego e renda e de poder nos países. O que o Trump fez, no modelo dele e de uma forma muito peculiar da gestão dele, foi criar uma guerra comercial, com a China retaliando.

O Brasil no jogo
Se a China não conseguir entrar nos EUA, vai ter que escoar esses produtos para algum lugar. Para onde? O Brasil é um possível local. Como nossa indústria vai reagir? Espaços vão aparecer, e o Brasil precisava entendê-los. Vou dar um exemplo: semicondutores. A partir do momento que os EUA fecham a porta para a China, como vão fazer com semicondutores? Na política de semicondutores da gestão Biden, decidiram que o encapsulamento, a parte final da produção, não seria feito internamente. É uma oportunidade para o Brasil. Estamos razoavelmente perto dos EUA e temos algumas empresas (do ramo).

Política industrial
O governo Lula tem uma política industrial que há muitos anos não se via, tinha sido desconstruída por seis anos. Vamos ver o que a gente pode fazer para fortalecer o País à luz da guerra comercial instalada. O agro é importante, mas não tem agro sem fertilizante, máquinas e equipamentos, conectividade. Tudo isso é indústria. E o setor de serviços de maior complexidade tecnológica trabalha para atender a indústria.

Minerais críticos
Hoje, basicamente quem tem minerais críticos mapeados, domínio das tecnologias e refina boa parte desses minerais é a China. Existe uma preocupação mundial de não ficar dependente dela. Acabo de voltar do Japão, estive lá ano passado também, e eles deixaram isso claro: “Não queremos ficar dependentes da China, queremos ir para o Brasil investir nesse tipo de tecnologia, que é estratégica”. Fazer a transição do setor automotivo para o carro elétrico, para a mobilidade sustentável, precisa desses minerais. A digitalização precisa. Energia solar e energia eólica precisam. O Brasil é uma bola da vez, todo mundo está olhando para cá, mas temos algumas tarefas aqui para poder conseguir explorar esses minerais.

Iniciativas do BNDES
O Brasil tem mapeado, mas não sabe a qualidade desses minerais. O BNDES fez um fundo de participação, um FIP, de 1 bilhão de reais com a Vale, para investir em junior ­companies, empresas médias em fase normalmente pré-operacional, para que façam pesquisa mineral e a gente saiba a qualidade desses minerais, para depois poder explorar e agregar valor. Por outro lado, a gente tem algumas empresas que começam a explorar esses minerais, mas precisamos agregar valor. O que acontece hoje? Conseguimos extrair lítio, grafite, nióbio, mas muitas vezes vão para a China e são refinados lá. Queremos trazer a capacidade de refino para cá. Porque para você fazer a bateria, a célula da bateria, precisa do hidrato de lítio, do sulfato de lítio. Então, o ­BNDES fez uma chamada pública no início do ano, em parceria com a Finep, de 5 bilhões de reais. As empresas vão apresentar seus planos de negócios e a gente vai analisar.

Groenlândia
Esse é um dos grandes motivos (para o plano de Trump de tomar a Groenlândia da Dinamarca). Tem a questão marítima, ali é uma passagem importante, mas a questão dos minerais é estratégica. A Groenlândia tem muitos minerais, e hoje todo mundo depende da China. No caso de terras-raras, a China limita a exportação, isso faz com que o preço suba. É um quebra-cabeça. Quando você vai para a Alemanha, eles deixam claro que têm interesse tanto em SAF (combustível sustentável) aqui no Brasil quanto em minerais críticos, porque sabem que precisam não ter dependência de um só país. A Bosch, uma das grandes multinacionais alemãs, tirou um centro de P&D global de lá e trouxe para cá. Temos que saber aproveitar os momentos. Tem esse momento de turbulência geopolítica e o Brasil, como se dá bem com a China, com os EUA, a União Europeia, o Japão, pode conseguir bons espaços.

Publicado na edição n° 1357 de CartaCapital, em 16 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pato com laquê’



Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *