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12 Apr 2025, Sat


Trump e Xi Jinping, em 2019 – Foto: The White House

Prima-dona desafiada: Palco da economia global tem China de Xi e figurantes disputando o protagonismo de Trump

por Antonio Machado

Com mais jeito de ter sido rabiscado num guardanapo que planejado com técnica e sabedoria, o tarifaço de Donald Trump tem diversas dimensões ainda pouco estudadas. A mais relevante é o furdunço na economia global. Dificilmente haverá volta ao status quo do livre comércio, modelado e supervisionado pelos EUA desde o pós-guerra.

Começou com Trump onerando em 20% as importações chinesas acima do que já era cobrado. Adicionou mais 34% no que chamou de “Dia da Libertação”, semana passada, quando anunciou tarifas de 10% para o mundo em geral (o nosso caso) e inventou uma cobrança à qual deu o nome de “tarifa recíproca”, pisando no pescoço de países com superávits recorrentes na balança comercial com os EUA.

China revidou, taxando as compras dos EUA. E assim veio vindo: os EUA aumentaram a taxação sobre produtos chineses para 125% e, na sequência, para 145%. Na sexta-feira, China reagiu, elevando a sua oneração para 125%, e anunciou o óbvio: não elevará mais a tarifa, mesmo que Trump o faça, já que a este nível de taxação não haverá mais comércio entre as duas maiores economias do mundo. Um piro!

A desconfiança gerada pela investida unilateral do governo Trump com a taxação punitiva sem aliviar nem aliados fiéis que seguem os EUA desde as grandes guerras, como Inglaterra e Canadá, foi forte até para o pragmatismo nas relações diplomáticas – um raro espaço em que ainda se prezam o cavalheirismo e a palavra empenhada.

Outra dimensão é que saber ganhar dinheiro, bilhões de dólares na medida da fortuna dele mesmo e do primeiro escalão que trouxe para a Casa Branca, não significa saber formular política econômica nem governar uma nação. A soberba que costuma vir junto aos oligarcas enfiados na política, especialmente detentores de fortunas criadas com manobras esfumaçadas, os torna refratários a saber ouvir.

Antes da reação cada vez mais resoluta da China, além do Canadá e da Europa, Trump pausou a vigência da “tarifa recíproca” por 90 dias e ratificou que a cobrança de 10% será permanente para todos. O fez diante de um risco não dissolvido: o estouro dos mercados de ativos, como ações e papéis de dívida pública e privada, podendo desencadear uma crise do tamanho da Grande Depressão de 1929.

Esta história está se dando em tempo real e está longe do fim.

Sobre idiotices e loucuras

Outra dimensão da crise precipitada por Trump pela sua obsessão nas tarifas contra a desindustrialização e os déficits comerciais e fiscais crônicos dos EUA, o que explicita desde 1990, é o trade off entre a iniciativa de realmente fazer o que promete – atributo valorizado pelo eleitor – e o voluntarismo ao fazê-lo – um evento temerário pelo risco das consequências indesejadas.

Precipitação é um mal que acomete todas as ideologias e diz mais à formação e psicologia de quem detém poder que à sua preferência política. Equivale nos EUA a julgar que seu poder seja inabalável e inquestionável no mundo dividido com o poder emergente da China.

Equivale também ao populismo fiscal na América Latina, em geral justificado pelo viés moral do combate à pobreza por meio de transferências permanentes de renda em detrimento do investimento.

É como descreve o economista Ricardo Hausmann, venezuelano que viveu a decadência da Venezuela antes de migrar para os EUA e se destacar como especialista em desenvolvimento em Harvard: “Há uma razão pela qual as principais decisões públicas precisam ser discutidas por subcomitês, depois por comitês, depois por toda as câmaras. E [só] depois pelo presidente. É um sistema destinado a evitar a idiotice e a loucura do “Dia da Libertação”, o pior erro econômico de todos os tempos”.

Tal prescrição teria evitado que o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciasse aparentemente sem consultar ninguém a extensão para 60 milhões de brasileiros da gratuidade da conta de energia, que já beneficia 17,4 milhões de famílias. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que nem ele nem o chefe da Casa Civil, Rui Costa, conhecem estudos neste sentido.

Com a sangria do orçamento federal, apesar do avanço recorde da receita tributária, além dos juros colossais, há coisas que nem podem ser cogitadas.

Mundo do G2 está no comando

Se já dizíamos que os avanços tecnológicos, tornando obsoletos o modo de produção de setores inteiros, mereciam maior atenção de quem se espera conhecimento e preparo para zelar pelo presente e o futuro do país, a revolução tarifária de Trump não dá margem para postergar as transformações que a maioria dos países já adotou.

Não ajuda ficar procurando benefícios para o país neste choque de titãs. Falam que o país ocupará o espaço dos grãos e das proteínas que a China deixará de comprar dos EUA, como se a produção de lá será queimada, milho será consumido como pipoca, o gado, abatido a tiros no pasto. Vão é procurar outros mercados, aqui mesmo, com o ajuste se dando pela derrubada do preço. Com petróleo será igual.

A ameaça de recessão sincronizada no mundo derrubou os preços do petróleo para em torno de US$ 60/barril, nível que inviabiliza a extração de xisto nos EUA, hoje maior produtor mundial de óleo e gás com mais de 13 milhões de barris/dia, e leva Arábia Saudita à falência, junto com Rússia, Irã, e dificulta a exploração da nova jazida da Petrobras na Margem Equatorial. Mas a China agradece…

A verdade é que não há mais espaço para as vontades imperiais no mundo, o que também não significa a vitória do multilateralismo, a expectativa de membros do BRICS menos dados ao pragmatismo. É mais licito supor que o mundo do G2, de EUA e China, está no comando.

China tem seus problemas, como EUA também os têm, mas a vantagem da escala os favorece. E poderá favorecer quem mais a viabilize.

Construir escala é a solução

Estudo publicado na Foreign Affairs propõe aos EUA buscar aliança em condições igualitárias com Austrália, Canadá, Índia, Coréia do Sul, Japão, México, Nova Zelândia e União Europeia, formando uma economia combinada de US$ 60 trilhões, contra US$ 18 tri da China – o triplo ao câmbio de mercado e mais que o dobro ajustado pelo poder de compra. Seria metade de toda a manufatura global (China tem um terço) e tiraria da China a condição de principal parceiro comercial de 120 países, inclusive Brasil.

Mercado com potencial de consumo de massa no mundo, a rigor, só existe hoje o nosso. Mas tem que priorizar a oferta, não o consumo carreado às importações de bens e, sem aumento dos investimentos na indústria e em infraestrutura, acabar corroído pela inflação.

Essa é a prioridade que se impõe, malgrados os planos econômicos para satisfazer anseios eleitorais, não a redenção da pobreza e o progresso contínuo. O sacolejo de Trump reintroduziu tal questão.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

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Trump e Xi Jinping, em 2019 – Foto: The White House

Prima-dona desafiada: Palco da economia global tem China de Xi e figurantes disputando o protagonismo de Trump

por Antonio Machado

Com mais jeito de ter sido rabiscado num guardanapo que planejado com técnica e sabedoria, o tarifaço de Donald Trump tem diversas dimensões ainda pouco estudadas. A mais relevante é o furdunço na economia global. Dificilmente haverá volta ao status quo do livre comércio, modelado e supervisionado pelos EUA desde o pós-guerra.

Começou com Trump onerando em 20% as importações chinesas acima do que já era cobrado. Adicionou mais 34% no que chamou de “Dia da Libertação”, semana passada, quando anunciou tarifas de 10% para o mundo em geral (o nosso caso) e inventou uma cobrança à qual deu o nome de “tarifa recíproca”, pisando no pescoço de países com superávits recorrentes na balança comercial com os EUA.

China revidou, taxando as compras dos EUA. E assim veio vindo: os EUA aumentaram a taxação sobre produtos chineses para 125% e, na sequência, para 145%. Na sexta-feira, China reagiu, elevando a sua oneração para 125%, e anunciou o óbvio: não elevará mais a tarifa, mesmo que Trump o faça, já que a este nível de taxação não haverá mais comércio entre as duas maiores economias do mundo. Um piro!

A desconfiança gerada pela investida unilateral do governo Trump com a taxação punitiva sem aliviar nem aliados fiéis que seguem os EUA desde as grandes guerras, como Inglaterra e Canadá, foi forte até para o pragmatismo nas relações diplomáticas – um raro espaço em que ainda se prezam o cavalheirismo e a palavra empenhada.

Outra dimensão é que saber ganhar dinheiro, bilhões de dólares na medida da fortuna dele mesmo e do primeiro escalão que trouxe para a Casa Branca, não significa saber formular política econômica nem governar uma nação. A soberba que costuma vir junto aos oligarcas enfiados na política, especialmente detentores de fortunas criadas com manobras esfumaçadas, os torna refratários a saber ouvir.

Antes da reação cada vez mais resoluta da China, além do Canadá e da Europa, Trump pausou a vigência da “tarifa recíproca” por 90 dias e ratificou que a cobrança de 10% será permanente para todos. O fez diante de um risco não dissolvido: o estouro dos mercados de ativos, como ações e papéis de dívida pública e privada, podendo desencadear uma crise do tamanho da Grande Depressão de 1929.

Esta história está se dando em tempo real e está longe do fim.

Sobre idiotices e loucuras

Outra dimensão da crise precipitada por Trump pela sua obsessão nas tarifas contra a desindustrialização e os déficits comerciais e fiscais crônicos dos EUA, o que explicita desde 1990, é o trade off entre a iniciativa de realmente fazer o que promete – atributo valorizado pelo eleitor – e o voluntarismo ao fazê-lo – um evento temerário pelo risco das consequências indesejadas.

Precipitação é um mal que acomete todas as ideologias e diz mais à formação e psicologia de quem detém poder que à sua preferência política. Equivale nos EUA a julgar que seu poder seja inabalável e inquestionável no mundo dividido com o poder emergente da China.

Equivale também ao populismo fiscal na América Latina, em geral justificado pelo viés moral do combate à pobreza por meio de transferências permanentes de renda em detrimento do investimento.

É como descreve o economista Ricardo Hausmann, venezuelano que viveu a decadência da Venezuela antes de migrar para os EUA e se destacar como especialista em desenvolvimento em Harvard: “Há uma razão pela qual as principais decisões públicas precisam ser discutidas por subcomitês, depois por comitês, depois por toda as câmaras. E [só] depois pelo presidente. É um sistema destinado a evitar a idiotice e a loucura do “Dia da Libertação”, o pior erro econômico de todos os tempos”.

Tal prescrição teria evitado que o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciasse aparentemente sem consultar ninguém a extensão para 60 milhões de brasileiros da gratuidade da conta de energia, que já beneficia 17,4 milhões de famílias. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que nem ele nem o chefe da Casa Civil, Rui Costa, conhecem estudos neste sentido.

Com a sangria do orçamento federal, apesar do avanço recorde da receita tributária, além dos juros colossais, há coisas que nem podem ser cogitadas.

Mundo do G2 está no comando

Se já dizíamos que os avanços tecnológicos, tornando obsoletos o modo de produção de setores inteiros, mereciam maior atenção de quem se espera conhecimento e preparo para zelar pelo presente e o futuro do país, a revolução tarifária de Trump não dá margem para postergar as transformações que a maioria dos países já adotou.

Não ajuda ficar procurando benefícios para o país neste choque de titãs. Falam que o país ocupará o espaço dos grãos e das proteínas que a China deixará de comprar dos EUA, como se a produção de lá será queimada, milho será consumido como pipoca, o gado, abatido a tiros no pasto. Vão é procurar outros mercados, aqui mesmo, com o ajuste se dando pela derrubada do preço. Com petróleo será igual.

A ameaça de recessão sincronizada no mundo derrubou os preços do petróleo para em torno de US$ 60/barril, nível que inviabiliza a extração de xisto nos EUA, hoje maior produtor mundial de óleo e gás com mais de 13 milhões de barris/dia, e leva Arábia Saudita à falência, junto com Rússia, Irã, e dificulta a exploração da nova jazida da Petrobras na Margem Equatorial. Mas a China agradece…

A verdade é que não há mais espaço para as vontades imperiais no mundo, o que também não significa a vitória do multilateralismo, a expectativa de membros do BRICS menos dados ao pragmatismo. É mais licito supor que o mundo do G2, de EUA e China, está no comando.

China tem seus problemas, como EUA também os têm, mas a vantagem da escala os favorece. E poderá favorecer quem mais a viabilize.

Construir escala é a solução

Estudo publicado na Foreign Affairs propõe aos EUA buscar aliança em condições igualitárias com Austrália, Canadá, Índia, Coréia do Sul, Japão, México, Nova Zelândia e União Europeia, formando uma economia combinada de US$ 60 trilhões, contra US$ 18 tri da China – o triplo ao câmbio de mercado e mais que o dobro ajustado pelo poder de compra. Seria metade de toda a manufatura global (China tem um terço) e tiraria da China a condição de principal parceiro comercial de 120 países, inclusive Brasil.

Mercado com potencial de consumo de massa no mundo, a rigor, só existe hoje o nosso. Mas tem que priorizar a oferta, não o consumo carreado às importações de bens e, sem aumento dos investimentos na indústria e em infraestrutura, acabar corroído pela inflação.

Essa é a prioridade que se impõe, malgrados os planos econômicos para satisfazer anseios eleitorais, não a redenção da pobreza e o progresso contínuo. O sacolejo de Trump reintroduziu tal questão.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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