Um dos últimos nomes representativos do “boom latino-americano”, o peruano Mario Vargas Llosa morreu neste domingo (13), aos 89 anos, em Lima. A morte foi anunciada por seu filho, Álvaro, nas redes sociais, acrescentando que não haverá velório ou sepultamento abertos ao público.
“Com profunda tristeza, tornamos público que nosso pai, Mario Vargas Llosa, morreu hoje em Lima, cercado por sua família e em paz. Sua partida entristecerá seus parentes, amigos e seus leitores ao redor do mundo, mas esperamos que você encontre conforto, como nós, no fato de que ele gozou de uma vida longa, múltipla e fecunda, e deixa um trabalho que sobreviverá a ele”, afirmou o filho, em nota assinada com os irmãos, Morgana e Gonzalo.
Nascido em 1936, Vargas Llosa construiu uma obra imensa, que conquistou leitores em todos os cantos do mundo. Em 2010, ele venceu o Nobel de Literatura, não sem antes ter abocanhado o Princesa de Astúrias, o Cervantes e o PEN. Sua obra é marcada por uma combinação obstinada entre ficção e política, em contraposição à de Gabriel García Márquez, seu colega de geração, que abandonou o realismo para mergulhar no universo do maravilhoso.
Habilidoso com as palavras, os romances de Vargas Llosa cativam o leitor desde a primeira página. Com uma enorme facilidade de mesclar ficção e elementos da realidade pôde abordar questões políticas e sociais latentes e atuais, de modo literário. Em suas páginas, estão as ditaduras, a corrupção política e os conflitos sociais da América Latina.
Um de seus livros mais conhecidos é “A Festa do Bode”, publicado em 2000, que retrata os anos de ditadura de Rafael Trujillo na República Dominicana. Nessa obra, Vargas Llosa habilmente entrelaça a história do ditador com a vida de personagens fictícios, inspirados nas histórias de suas vítimas que não sobreviveram para contar a história. Cria-se, no livro, um retrato vívido e perturbador da tirania e suas consequências.
Outro, que figurava entre seus preferidos particulares, é “A Guerra do Fim do Mundo”, para onde voltou as atenções e criou uma obsessão pelo nosso conflito de Canudos.
Além de seu trabalho como romancista, Vargas Llosa também foi um prolífico ensaísta e jornalista, utilizando sua voz para expressar opiniões sobre diversos assuntos. Ele é conhecido por sua defesa da liberdade de expressão e dos direitos humanos e já se envolveu ativamente em campanhas políticas. Meteu-se, em vários países da região, em debates locais, ao defender a eleição de um outro candidato a presidente, no Brasil, na Argentina, no Chile e outros.
Curiosamente, em contraposição a suas ideias políticas nos últimos anos, mais à direita, Vargas Llosa começou a atuar na literatura e na política ao lado da Revolução Cubana. Era um aliado do castrismo até o caso de Herberto Padilla, um poeta e escritor cubano que, em 1971, começou a fazer críticas à revolução. Preso, ensejou que vários intelectuais e escritores se mobilizassem por ele, inclusive Jean-Paul Sartre e Simone de Beauviour.
Vargas Llosa também foi um deles. A partir da desilusão causada por esse episódio, o peruano começou a se afastar da esquerda. Nas décadas seguintes, viu-se muito envolvido na política de seu instável país, o Peru, a partir de então sempre se posicionando contra soluções consideradas populistas. Foi candidato à Presidência em 1990 contra quem viria a se tornar o ditador do país, Alberto Fujimori, mas perdeu para ele.
Em 2010, Vargas Llosa recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, em reconhecimento à sua contribuição excepcional para a literatura mundial. Esse prestigioso prêmio solidificou ainda mais sua posição como um dos grandes escritores contemporâneos e trouxe maior visibilidade às suas obras. O estilo de escrita de Vargas Llosa é caracterizado por uma prosa elegante, rica em detalhes e profundamente reflexiva. Seus personagens são complexos e realistas.
Embora muitos de seus livros se passem no Peru, como “La Ciudad y Los Perros”, “La Casa Verde” e “Conversación en La Catedral”, a influência de Vargas Llosa transcende as fronteiras de seu país natal. Seu impacto literário alcança leitores em todo o mundo.
Uma das disputas literárias mais conhecidas e significativas do século 20 foi a briga entre Vargas Llosa e García Márquez. A amizade entre esses dois renomados escritores teve início na década de 1960, quando faziam parte do chamado “boom latino-americano”. No entanto, a relação deles deu uma reviravolta dramática na década de 1970, quando surgiu um conflito pessoal e político entre eles.
O conflito foi multifacetado, enraizado tanto em diferenças artísticas quanto em desacordos políticos. Seus estilos de escrita contrastantes e abordagens narrativas se tornaram fonte de contenda, com Vargas Llosa favorecendo uma abordagem mais analítica e estruturada, enquanto Garcia Marquez abraçava o realismo mágico e um estilo mais lírico e expansivo
No entanto, a disputa entre os dois autores foi além das diferenças literárias. Suas posições políticas opostas também contribuíram para a tensão em seu relacionamento. Vargas Llosa inclinava-se para a ideologia liberal, defendendo a democracia e os mercados livres, enquanto García Márquez mantinha uma maior afinidade com a política de esquerda e os princípios socialistas.
O clímax da disputa ocorreu quando Vargas Llosa e García Márquez se envolveram em uma briga física num encontro público. A razão teria sido um desentendimento por conta da mulher do peruano, Patricia Llosa, que havia sido namorada de Gabo anteriormente. Terminou com Gabo levando uma bofetada de Vargas Llosa em um cinema, diante de todos. Esse evento marcou o fim definitivo da amizade e deixou um impacto duradouro no mundo literário.
Em uma entrevista à Folha, indagado sobre a relação entre ambos, Vargas Llosa afirmou que jamais voltaria a falar de Gabo no plano pessoal, mas que seguiria elogiando a magnitude de suas obras. Isso seguiu fazendo depois da morte do colombiano.
A vida amorosa de Vargas Llosa foi tão vibrante e dinâmica quanto sua carreira literária. Ao longo da vida, ele se envolveu em diversos relacionamentos românticos, alguns dos quais receberam grande atenção pública, como o affair com Isabel Preysler. Notavelmente, na década de 1950, ele se casou com sua primeira mulher, Julia Urquidi, com quem teve dois filhos. No entanto, o casamento deles terminou em divórcio, e Vargas Llosa teve outros relacionamentos significativos posteriormente.
Um dos casos de amor mais notáveis foi com sua prima por casamento, Patricia Llosa, com quem ele posteriormente se casou. O relacionamento levantou sobrancelhas e atraiu escrutínio público devido à sua natureza não convencional. Apesar das controvérsias em torno da união, Vargas Llosa e Patricia Llosa permaneceram juntos e compartilharam uma vida repleta de interesses intelectuais em comum e apoio mútuo. Depois de uma breve separação por conta de Preysler, os dois reativaram o relacionamento.