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Se até a IA sabe1…
por Élder Ximenes Filho
Aparentemente vivemos em uma era paradoxal: a vida social e produtiva migra para o mundo virtual e a maioria da população, trabalhadores e trabalhadoras, no mundo físico enfrentam a precarização e a erosão de direitos históricos. Desviando os olhos da tela (ao menos das telas sanitizadas e filtradas) não é difícil concluir que a internet piorou a vida da maioria das pessoas no mundo. No mínimo, que não cumpriu as promessas de livre trânsito do conhecimento, de diálogo e construção livre dos saberes, de organização da ação política dos oprimidos. Mas o “Aparentemente” não está ali em cima por acaso: basta olhar mais de longe (porque de perto todo mundo se distrai com a dancinha ou o gatinho fofo ou o milagre da vez).
Quando lembramos de que a internet não é um espaço mas um serviço prestado por certas empresas, a coisa ganha outra perspectiva – pelo menos conforme a perspectiva marxiana. Asbig techs (Alphabet / Google, Amazon, Apple, Meta / Facebook, Microsoft e X / Twitter) não são diferentes das big oil (Saudi Aramco, Exxon Mobil, Chevron, Reliance Industries, Shell e TotalEnergies) ou das big pharma (Johnson & Johnson, Pfizer, Roche, AbbVie, Novartis, MSD, Bristol Myers Squibb e GlaxoSmithKline). Ao redor de uma mesa os donos podem perfeitamente reunir-se cara-a-cara e frequentemente fazem-no. Usemos o termo “donos”, pois os famosos CEOs estão por aí porque fazem parte das famílias proprietárias ou foram por elas contratados. Reunidos ou não, fazem o que grandes capitalistas sempre fizeram: atuam para manter o poder político de sua classe, para jamais perder o poder econômico. Têm perfeita clareza de que o mundo move-se (até para trás) conforme a dinâmica da luta de classes. Para isto, valem-se da criação e / ou manipulação da informação – imprensa, TVs, rádios, cinema e, agora principalmente, as redes sociais para que este mesmo mundo se veja conforme os interesses dominantes. Ora, a informação sempre foi um produto de um tipo de indústria e, para dar nomes aos bois, eis as maiores empresas de comunicação, afora as específicas da internet acima – as big news: Walt Disney Company, Comcast Corporation, Charter Communications, Inc., News Corp., Viacom Inc., Time Warner, Sony Entertainment, Bertelsmann AG, Vivendi S.A, Cox Enterprises Inc., Dish Network Corporation e Thomson Reuters Corporation.
Mas para que nomear estas empresas? Simples: nomes têm poder! Nada de misticismo. É que sabendo o nome, sabe-se também o alvo! Presentificar e concretizar as pessoas (jurídicas e físicas por trás) é essencial para entender que não há nada inatingível nem invencível… pois tudo é humano… de impérios lendários a líderes geniais – nem um único permanece na história – bastando ver um pouco mais de longe. O mais poderoso dos bilionários, o Henry Ford (que possuía 3% do PIB estadunidense) foi obrigado a dividir e vender empresas, pois o Estado viu o risco que seu domínio econômico representava (e assim nasceu a legislação antitruste). Nenhuma pessoa e nenhuma obra é inatingível ou eterna. A ideia de que “é mais fácil acabar o mundo do que mudar o mundo” é semelhante à propaganda do III Reich (que prometia durar mais do que os 1.000 anos da Roma Antiga). Propaganda! Informação preparada e disseminada conforme um interesse: vender um produto é sempre vender uma ideia e toda ideia tem um lado e um interesse.
Existem exemplos recentes e concretos a desmentir a infalibilidade das “bigs”, seus CEOs e economistas adestrados…. Exemplos estes que demonstram o quão falsa é a narrativa de que a tecnologia dissolveu a capacidade de organização coletiva – que se faz com, contra ou apesar dos produtos informacionais e propagandas em geral.
Desde greves de entregadores por aplicativos (os mais precarizados do mundo) até campanhas de categorias organizadas em sindicatos tradicionais – coordenadas por redes digitais. A mesma disputa, em outro terreno. Como destacado na entrevista da revista Jacobin com o historiador indiano comunista Vijay Prashad, a esquerda não pode abrir mão de “oferecer utopias concretas” — e a reorganização da classe trabalhadora no espaço digital é uma delas. Se o grande capital (que já era transnacional faz tempo) globalizou-se via internet, a solidariedade de classe também o faz.
A virtualização não substitui a luta presencial — pode servir para potencializá-la. “É preciso reconectar a utopia com o cotidiano”. Greves digitais devem culminar em protestos nas sedes das empresas; abaixo-assinados online precisam virar audiências públicas – perante o Ministério Público e os Parlammentos. Confira: Não oferecer uma utopia é uma limitação imediata da esquerda, Vale a leitura, creia!
Se antigamente eram panfletos distribuídos nas portas de fábrica, agora, mesmo na virtualidade, os trabalhadores podem (e devem) se organizar de forma eficaz, combinando ferramentas digitais com ações presenciais. Aliás, os panfletos e jornais em papel não perderam suas funções: vejam como igrejas – que também funcionam como empresa – mantém seus “jornaizinhos” gratuitamente distribuídos aos fiéis. Entregar-se a algum tipo de derrotismo tecnológico e ficar apenas em diagnósticos infindos dos problemas que a internet criou é cair na armadilha ideológica de quem busca manter o mundo como está.
A inspiração vem de alguns exemplos concretos, não por acaso pouco divulgados e muito distorcidos – por isto é bom cada qual aprofundar a pesquisa. Simples amostra:
Os operários ingleses que destruíam as máquinas a vapor no começo da revolução industrial cometeram um engano crucial: as máquinas não eram culpadas; o sistema do Capital é o inimigo; as máquinas são apenas outros bens produzidos pela classe trabalhadora. As máquinas pertencem à classe trabalhadora. A internet é apenas outra indústria, outro “maquinário” também a conquistar.
Só perde quem não luta (ou quem se assusta) e a história está muito longe de acabar!
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Este artigo não representa, necessariamente, a opinião do Coletivo Transforma MP.
Élder Ximenes Filho, Mestre em Direito Constitucional, Promotor de Justiça e Membro do TRANSFORMA MP
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
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por Élder Ximenes Filho
Aparentemente vivemos em uma era paradoxal: a vida social e produtiva migra para o mundo virtual e a maioria da população, trabalhadores e trabalhadoras, no mundo físico enfrentam a precarização e a erosão de direitos históricos. Desviando os olhos da tela (ao menos das telas sanitizadas e filtradas) não é difícil concluir que a internet piorou a vida da maioria das pessoas no mundo. No mínimo, que não cumpriu as promessas de livre trânsito do conhecimento, de diálogo e construção livre dos saberes, de organização da ação política dos oprimidos. Mas o “Aparentemente” não está ali em cima por acaso: basta olhar mais de longe (porque de perto todo mundo se distrai com a dancinha ou o gatinho fofo ou o milagre da vez).
Quando lembramos de que a internet não é um espaço mas um serviço prestado por certas empresas, a coisa ganha outra perspectiva – pelo menos conforme a perspectiva marxiana. Asbig techs (Alphabet / Google, Amazon, Apple, Meta / Facebook, Microsoft e X / Twitter) não são diferentes das big oil (Saudi Aramco, Exxon Mobil, Chevron, Reliance Industries, Shell e TotalEnergies) ou das big pharma (Johnson & Johnson, Pfizer, Roche, AbbVie, Novartis, MSD, Bristol Myers Squibb e GlaxoSmithKline). Ao redor de uma mesa os donos podem perfeitamente reunir-se cara-a-cara e frequentemente fazem-no. Usemos o termo “donos”, pois os famosos CEOs estão por aí porque fazem parte das famílias proprietárias ou foram por elas contratados. Reunidos ou não, fazem o que grandes capitalistas sempre fizeram: atuam para manter o poder político de sua classe, para jamais perder o poder econômico. Têm perfeita clareza de que o mundo move-se (até para trás) conforme a dinâmica da luta de classes. Para isto, valem-se da criação e / ou manipulação da informação – imprensa, TVs, rádios, cinema e, agora principalmente, as redes sociais para que este mesmo mundo se veja conforme os interesses dominantes. Ora, a informação sempre foi um produto de um tipo de indústria e, para dar nomes aos bois, eis as maiores empresas de comunicação, afora as específicas da internet acima – as big news: Walt Disney Company, Comcast Corporation, Charter Communications, Inc., News Corp., Viacom Inc., Time Warner, Sony Entertainment, Bertelsmann AG, Vivendi S.A, Cox Enterprises Inc., Dish Network Corporation e Thomson Reuters Corporation.
Mas para que nomear estas empresas? Simples: nomes têm poder! Nada de misticismo. É que sabendo o nome, sabe-se também o alvo! Presentificar e concretizar as pessoas (jurídicas e físicas por trás) é essencial para entender que não há nada inatingível nem invencível… pois tudo é humano… de impérios lendários a líderes geniais – nem um único permanece na história – bastando ver um pouco mais de longe. O mais poderoso dos bilionários, o Henry Ford (que possuía 3% do PIB estadunidense) foi obrigado a dividir e vender empresas, pois o Estado viu o risco que seu domínio econômico representava (e assim nasceu a legislação antitruste). Nenhuma pessoa e nenhuma obra é inatingível ou eterna. A ideia de que “é mais fácil acabar o mundo do que mudar o mundo” é semelhante à propaganda do III Reich (que prometia durar mais do que os 1.000 anos da Roma Antiga). Propaganda! Informação preparada e disseminada conforme um interesse: vender um produto é sempre vender uma ideia e toda ideia tem um lado e um interesse.
Existem exemplos recentes e concretos a desmentir a infalibilidade das “bigs”, seus CEOs e economistas adestrados…. Exemplos estes que demonstram o quão falsa é a narrativa de que a tecnologia dissolveu a capacidade de organização coletiva – que se faz com, contra ou apesar dos produtos informacionais e propagandas em geral.
Desde greves de entregadores por aplicativos (os mais precarizados do mundo) até campanhas de categorias organizadas em sindicatos tradicionais – coordenadas por redes digitais. A mesma disputa, em outro terreno. Como destacado na entrevista da revista Jacobin com o historiador indiano comunista Vijay Prashad, a esquerda não pode abrir mão de “oferecer utopias concretas” — e a reorganização da classe trabalhadora no espaço digital é uma delas. Se o grande capital (que já era transnacional faz tempo) globalizou-se via internet, a solidariedade de classe também o faz.
A virtualização não substitui a luta presencial — pode servir para potencializá-la. “É preciso reconectar a utopia com o cotidiano”. Greves digitais devem culminar em protestos nas sedes das empresas; abaixo-assinados online precisam virar audiências públicas – perante o Ministério Público e os Parlammentos. Confira: Não oferecer uma utopia é uma limitação imediata da esquerda, Vale a leitura, creia!
Se antigamente eram panfletos distribuídos nas portas de fábrica, agora, mesmo na virtualidade, os trabalhadores podem (e devem) se organizar de forma eficaz, combinando ferramentas digitais com ações presenciais. Aliás, os panfletos e jornais em papel não perderam suas funções: vejam como igrejas – que também funcionam como empresa – mantém seus “jornaizinhos” gratuitamente distribuídos aos fiéis. Entregar-se a algum tipo de derrotismo tecnológico e ficar apenas em diagnósticos infindos dos problemas que a internet criou é cair na armadilha ideológica de quem busca manter o mundo como está.
A inspiração vem de alguns exemplos concretos, não por acaso pouco divulgados e muito distorcidos – por isto é bom cada qual aprofundar a pesquisa. Simples amostra:
Os operários ingleses que destruíam as máquinas a vapor no começo da revolução industrial cometeram um engano crucial: as máquinas não eram culpadas; o sistema do Capital é o inimigo; as máquinas são apenas outros bens produzidos pela classe trabalhadora. As máquinas pertencem à classe trabalhadora. A internet é apenas outra indústria, outro “maquinário” também a conquistar.
Só perde quem não luta (ou quem se assusta) e a história está muito longe de acabar!
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Este artigo não representa, necessariamente, a opinião do Coletivo Transforma MP.
Élder Ximenes Filho, Mestre em Direito Constitucional, Promotor de Justiça e Membro do TRANSFORMA MP
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
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