A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou, em decisão unânime, a obrigatoriedade de retenção de receita médica para a venda de medicamentos da classe dos análogos de GLP-1, como Ozempic, Wegovy, Saxenda e Mounjaro. A medida, aprovada em reunião da diretoria colegiada, entra em vigor 60 dias após sua publicação no Diário Oficial da União, prevista para os próximos dias. O objetivo é conter o uso indiscriminado desses fármacos, amplamente procurados para emagrecimento, mas aprovados apenas para diabetes tipo 2 e obesidade em casos específicos. A norma responde a um aumento alarmante de eventos adversos relacionados ao uso fora das indicações autorizadas, que representam 32% das notificações no Brasil, contra 10% na média global.
A decisão reflete a preocupação com a popularização desses medicamentos, especialmente para fins estéticos, sem acompanhamento médico adequado. No Brasil, o Ozempic, cuja substância ativa é a semaglutida, tornou-se um fenômeno, com relatos de uso por pessoas sem indicação clínica, impulsionado por promessas de perda de peso rápida. A Anvisa destacou que a falta de controle na dispensação facilita a automedicação, expondo a população a riscos como pancreatite, uma inflamação grave no pâncreas, que aparece em 5,9% das notificações locais, mais que o dobro da média mundial de 2,4%. A nova regra alinha a venda desses medicamentos às normas aplicadas a antibióticos, exigindo que farmácias retenham a segunda via da receita, com validade de 90 dias.
Embora a prescrição médica já fosse obrigatória para esses fármacos, classificados como tarja vermelha, a fiscalização falhava, permitindo compras sem receita em muitas farmácias. A medida busca corrigir essa lacuna, promovendo maior segurança no uso de medicamentos que, apesar de eficazes, ainda têm perfil de segurança a longo prazo pouco conhecido. A Anvisa também respondeu a um apelo do Conselho Federal de Medicina (CFM), que, em carta aberta, defendeu a necessidade de maior controle devido ao uso off-label, ou seja, fora das indicações aprovadas na bula.
🚨BRASIL: Anvisa determina que a venda de Mounjaro, Ozempic, Wegovy e Saxenda só poderá ocorrer mediante receita médica.
Os medicamentos citados acima estão sendo usados para o emagrecimento. pic.twitter.com/qlvv1ZAHrx
— CHOQUEI (@choquei) April 16, 2025
Motivos da decisão
A Anvisa justificou a nova regulamentação com base em dados do sistema VigiMed, que monitora eventos adversos no Brasil. Entre 2019 e setembro de 2024, foram registradas 524 notificações relacionadas à semaglutida, princípio ativo do Ozempic e Wegovy. Dessas, 32% estão ligadas a usos não autorizados, como emagrecimento em pessoas sem obesidade ou sobrepeso com comorbidades. A taxa é significativamente superior à média global, que fica em 10%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os riscos associados ao uso inadequado são numerosos. Além da pancreatite, que exige interrupção imediata do tratamento, outros efeitos colaterais incluem náuseas, vômitos, diarreia e problemas gastrointestinais. Em casos raros, o uso prolongado pode levar a complicações como obstrução intestinal, conforme apontado em estudos recentes. A popularidade desses medicamentos, amplificada por redes sociais e depoimentos de celebridades, contribuiu para uma procura desenfreada, muitas vezes sem orientação médica.
- Pancreatite: Representa 5,9% das notificações no Brasil, contra 2,4% globalmente.
- Uso off-label: 32% dos eventos adversos no país estão ligados a usos não aprovados.
- Notificações totais: 1.165 casos de uso indevido de semaglutida e liraglutida até setembro de 2024.
- Validade da receita: 90 dias, com retenção obrigatória da segunda via nas farmácias.
Impactos na saúde pública
A decisão da Anvisa reflete uma tentativa de proteger a saúde pública em um contexto de crescente automedicação. A popularidade do Ozempic e de outros análogos de GLP-1, como Saxenda e Mounjaro, cresceu exponencialmente nos últimos anos, impulsionada por sua capacidade de reduzir até 17% do peso corporal em um ano. No entanto, a facilidade de acesso a esses medicamentos, muitas vezes sem prescrição, gerou preocupações entre autoridades e entidades médicas. Um levantamento da USP, realizado em fevereiro de 2025, revelou que 45% dos usuários desses fármacos no Brasil os utilizam sem receita médica, e quase 75% desse grupo nunca recebeu orientação profissional.
A medida também visa garantir o acesso aos medicamentos por pacientes que realmente necessitam, como aqueles com diabetes tipo 2 ou obesidade clinicamente diagnosticada. A escassez global de semaglutida, relatada pela OMS em 2024, foi agravada pelo uso off-label, dificultando o tratamento de pessoas com condições crônicas. A Anvisa esclareceu que a nova regra não impede médicos de prescrever esses fármacos para usos off-label, desde que os benefícios superem os riscos, mas reforça a necessidade de acompanhamento profissional.
Como funcionam os análogos de GLP-1
Os medicamentos da classe GLP-1, como Ozempic, Wegovy, Saxenda e Mounjaro, simulam a ação do hormônio GLP-1, produzido naturalmente no intestino. Esse hormônio atua em diferentes partes do corpo, com efeitos que vão além do controle glicêmico. No pâncreas, ele estimula a produção de insulina, essencial para pacientes com diabetes tipo 2. No estômago, retarda a digestão, prolongando a sensação de saciedade. No cérebro, reduz os sinais de fome, diminuindo o consumo calórico em até 40% em algumas doses.
A semaglutida, presente no Ozempic e Wegovy, é um agonista de GLP-1, enquanto a tirzepatida, encontrada no Mounjaro, atua como um duplo agonista, simulando também o hormônio GIP. Esses mecanismos tornam os medicamentos eficazes tanto para diabetes quanto para obesidade, mas seu uso requer monitoramento devido aos efeitos colaterais. A administração é feita por injeções semanais, o que facilita a adesão ao tratamento, mas também aumenta o risco de automedicação quando o acesso é facilitado.
Histórico de preocupações
A preocupação com o uso indevido de análogos de GLP-1 não é recente. Em dezembro de 2024, a Anvisa já discutia a possibilidade de exigir retenção de receita, após receber alertas do CFM e de entidades como a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Na época, dados do VigiMed indicavam 1.165 notificações de uso fora da bula, com 92% relacionadas a semaglutida e liraglutida. A proposta foi debatida em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, solicitada por parlamentares preocupados com os riscos à saúde.
A Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e Wegovy, manifestou-se contra a retenção de receita, argumentando que a medida poderia estigmatizar o tratamento de doenças crônicas como diabetes e obesidade. A empresa citou uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Infectologia, que mostrou que 25% dos brasileiros usaram antibióticos sem prescrição, apesar da obrigatoriedade de retenção, sugerindo que a regra poderia ser ineficaz. Apesar disso, a Anvisa optou por implementar a norma, priorizando a segurança da população.
- 2019-2024: 524 notificações de eventos adversos com semaglutida no Brasil.
- Dezembro 2024: Anvisa inicia debates sobre retenção de receita.
- Fevereiro 2025: Levantamento da USP aponta 45% de uso sem prescrição.
- Abril 2025: Aprovação unânime da nova regra pela Anvisa.
Reações do setor farmacêutico
A decisão da Anvisa gerou reações mistas no setor farmacêutico. Enquanto algumas empresas defendem a flexibilização das regras para facilitar o acesso, outras apoiam a medida como forma de proteger os consumidores. A Eli Lilly, fabricante do Mounjaro, anunciou que o medicamento estará disponível no Brasil a partir de junho de 2025, e a nova regra pode impactar sua comercialização inicial. Farmácias de manipulação, que produzem versões dos análogos de GLP-1, também serão monitoradas, mas não foram excluídas do mercado, como chegou a ser proposto.
A obrigatoriedade de registrar as transações no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) adiciona uma camada de controle, exigindo que farmácias documentem cada venda. Isso pode aumentar a burocracia, mas é visto como essencial para rastrear o uso desses medicamentos. A medida também responde a alertas internacionais, como o da Austrália, que proibiu a venda de manipulados dessa classe em 2024 devido a riscos semelhantes.
Riscos do uso indiscriminado
O uso de análogos de GLP-1 sem orientação médica pode levar a consequências graves. Além dos efeitos gastrointestinais, como náuseas e vômitos, que afetam a maioria dos usuários, há riscos menos comuns, mas mais severos. A pancreatite, embora ocorra em menos de 1% dos casos, pode ser fatal se não tratada. Estudos também sugerem que o uso prolongado pode aumentar o volume do intestino delgado, potencialmente causando obstruções.
A automedicação é agravada pela circulação de medicamentos falsificados. Em 2024, a Anvisa identificou três lotes falsos de Ozempic no Brasil, com embalagens em espanhol e concentrações divergentes do original. A OMS alertou para o aumento global de falsificações, que já causaram hospitalizações, como o caso de uma mulher no Rio de Janeiro que usou um produto falsificado e precisou de internação. Esses incidentes reforçam a necessidade de maior controle na dispensação.
Apoio das entidades médicas
A medida da Anvisa recebeu amplo apoio de entidades médicas, que há anos alertam para os perigos do uso indiscriminado. A Abeso, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) divulgaram uma carta conjunta em 2024, defendendo a retenção de receita como forma de garantir o uso racional dos análogos de GLP-1. As entidades destacaram que a procura por esses medicamentos para fins estéticos compromete o acesso de pacientes com condições crônicas.
O CFM também desempenhou um papel central, pressionando por mudanças regulatórias. Em sua carta aberta, a entidade apontou que a venda sem receita, embora contrarie as regras atuais, é uma prática comum, facilitada pela falta de retenção. A nova norma é vista como um passo para reduzir a automedicação e promover o uso responsável, especialmente em um contexto de aumento da obesidade, que afeta cerca de 30% da população brasileira, segundo o IBGE.
Desafios para implementação
Implementar a retenção de receita apresenta desafios logísticos e culturais. Farmácias terão de adaptar seus sistemas para cumprir a nova exigência, o que pode gerar custos adicionais. Além disso, a fiscalização será crucial para garantir que a norma seja respeitada, especialmente em regiões onde a venda irregular é mais comum. A Anvisa planeja intensificar as inspeções e utilizar o SNGPC para monitorar as transações, mas a eficácia dependerá da colaboração do setor farmacêutico.
Outro obstáculo é a resistência de parte da população, habituada a adquirir esses medicamentos com facilidade. A popularidade do Ozempic, impulsionada por influenciadores e redes sociais, criou uma cultura de uso casual, que pode dificultar a aceitação da nova regra. Campanhas educativas serão necessárias para conscientizar sobre os riscos da automedicação e a importância do acompanhamento médico.
- Monitoramento: Farmácias devem registrar vendas no SNGPC.
- Fiscalização: Anvisa intensificará inspeções para coibir vendas irregulares.
- Educação: Campanhas podem ajudar a reduzir a automedicação.
- Adaptação: Setor farmacêutico enfrenta custos para implementar a norma.
Contexto global
A decisão da Anvisa alinha o Brasil a tendências internacionais de maior controle sobre análogos de GLP-1. Na Austrália, a proibição de manipulados dessa classe foi motivada por preocupações semelhantes, enquanto nos Estados Unidos a Food and Drug Administration (FDA) alerta para os riscos de falsificações e uso off-label. A OMS, por sua vez, destacou que a escassez global de semaglutida, agravada pela demanda estética, tem impactos desproporcionais em pacientes com diabetes tipo 2.
No Brasil, a medida também responde a um aumento de 550% nas reclamações contra planos de saúde por negativa de cobertura do Ozempic, entre 2021 e 2022, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Muitas dessas reclamações estão ligadas a pedidos para uso off-label, o que complica a liberação por operadoras. A retenção de receita pode ajudar a esclarecer as indicações clínicas, reduzindo conflitos entre pacientes e planos.
Futuro dos análogos de GLP-1
A regulamentação da Anvisa marca um ponto de inflexão no uso de análogos de GLP-1 no Brasil. Com a chegada de novos medicamentos, como o Mounjaro, e a aprovação de concorrentes nacionais, como Olire e Lirux, pela EMS, o mercado deve continuar crescendo. Esses novos fármacos, baseados em liraglutida, estarão disponíveis em 2025 e também estarão sujeitos à retenção de receita. A concorrência pode reduzir preços, que hoje variam entre R$ 700 e R$ 1.000 para o Ozempic, mas a segurança permanecerá como prioridade.
A obesidade, um desafio global, continua a impulsionar a demanda por esses medicamentos. Estudos recentes comparam seus resultados à cirurgia bariátrica, mas os riscos associados reforçam a necessidade de uso controlado. A Anvisa espera que a nova regra equilibre acesso e segurança, protegendo a população enquanto mantém os benefícios para pacientes com indicações clínicas.
Cronologia das mudanças
A trajetória da regulamentação dos análogos de GLP-1 no Brasil reflete um esforço contínuo para acompanhar sua popularidade e riscos. Abaixo, os principais marcos:
- 2017: Ozempic é aprovado no Brasil para diabetes tipo 2.
- 2023: Aumento de 550% nas reclamações por negativa de cobertura do Ozempic.
- 2024: OMS alerta para falsificações e escassez global de semaglutida.
- Dezembro 2024: Anvisa debate retenção de receita em audiência pública.
- Abril 2025: Aprovação da obrigatoriedade de retenção de receita.
Expectativas para o futuro
A nova regra da Anvisa é um marco na regulamentação de medicamentos que revolucionaram o tratamento de diabetes e obesidade. A retenção de receita deve reduzir a automedicação, mas sua eficácia dependerá de fiscalização rigorosa e conscientização pública. Farmácias e profissionais de saúde terão um papel central na implementação, enquanto pacientes precisarão se adaptar a um acesso mais controlado.
A medida também abre espaço para debates sobre o papel das redes sociais na promoção de medicamentos. A influência de celebridades e influenciadores, que frequentemente compartilham experiências de perda de peso com Ozempic, contribuiu para sua popularidade, mas também para o uso irresponsável. A Anvisa pode considerar parcerias com plataformas digitais para coibir propagandas irregulares.
Por fim, o aumento da oferta de análogos de GLP-1, com novos medicamentos e concorrentes nacionais, sugere que o mercado continuará em expansão. A regulamentação, portanto, é um passo para garantir que essa expansão ocorra de forma segura, beneficiando quem realmente precisa desses tratamentos enquanto minimiza riscos à saúde pública.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou, em decisão unânime, a obrigatoriedade de retenção de receita médica para a venda de medicamentos da classe dos análogos de GLP-1, como Ozempic, Wegovy, Saxenda e Mounjaro. A medida, aprovada em reunião da diretoria colegiada, entra em vigor 60 dias após sua publicação no Diário Oficial da União, prevista para os próximos dias. O objetivo é conter o uso indiscriminado desses fármacos, amplamente procurados para emagrecimento, mas aprovados apenas para diabetes tipo 2 e obesidade em casos específicos. A norma responde a um aumento alarmante de eventos adversos relacionados ao uso fora das indicações autorizadas, que representam 32% das notificações no Brasil, contra 10% na média global.
A decisão reflete a preocupação com a popularização desses medicamentos, especialmente para fins estéticos, sem acompanhamento médico adequado. No Brasil, o Ozempic, cuja substância ativa é a semaglutida, tornou-se um fenômeno, com relatos de uso por pessoas sem indicação clínica, impulsionado por promessas de perda de peso rápida. A Anvisa destacou que a falta de controle na dispensação facilita a automedicação, expondo a população a riscos como pancreatite, uma inflamação grave no pâncreas, que aparece em 5,9% das notificações locais, mais que o dobro da média mundial de 2,4%. A nova regra alinha a venda desses medicamentos às normas aplicadas a antibióticos, exigindo que farmácias retenham a segunda via da receita, com validade de 90 dias.
Embora a prescrição médica já fosse obrigatória para esses fármacos, classificados como tarja vermelha, a fiscalização falhava, permitindo compras sem receita em muitas farmácias. A medida busca corrigir essa lacuna, promovendo maior segurança no uso de medicamentos que, apesar de eficazes, ainda têm perfil de segurança a longo prazo pouco conhecido. A Anvisa também respondeu a um apelo do Conselho Federal de Medicina (CFM), que, em carta aberta, defendeu a necessidade de maior controle devido ao uso off-label, ou seja, fora das indicações aprovadas na bula.
🚨BRASIL: Anvisa determina que a venda de Mounjaro, Ozempic, Wegovy e Saxenda só poderá ocorrer mediante receita médica.
Os medicamentos citados acima estão sendo usados para o emagrecimento. pic.twitter.com/qlvv1ZAHrx
— CHOQUEI (@choquei) April 16, 2025
Motivos da decisão
A Anvisa justificou a nova regulamentação com base em dados do sistema VigiMed, que monitora eventos adversos no Brasil. Entre 2019 e setembro de 2024, foram registradas 524 notificações relacionadas à semaglutida, princípio ativo do Ozempic e Wegovy. Dessas, 32% estão ligadas a usos não autorizados, como emagrecimento em pessoas sem obesidade ou sobrepeso com comorbidades. A taxa é significativamente superior à média global, que fica em 10%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os riscos associados ao uso inadequado são numerosos. Além da pancreatite, que exige interrupção imediata do tratamento, outros efeitos colaterais incluem náuseas, vômitos, diarreia e problemas gastrointestinais. Em casos raros, o uso prolongado pode levar a complicações como obstrução intestinal, conforme apontado em estudos recentes. A popularidade desses medicamentos, amplificada por redes sociais e depoimentos de celebridades, contribuiu para uma procura desenfreada, muitas vezes sem orientação médica.
- Pancreatite: Representa 5,9% das notificações no Brasil, contra 2,4% globalmente.
- Uso off-label: 32% dos eventos adversos no país estão ligados a usos não aprovados.
- Notificações totais: 1.165 casos de uso indevido de semaglutida e liraglutida até setembro de 2024.
- Validade da receita: 90 dias, com retenção obrigatória da segunda via nas farmácias.
Impactos na saúde pública
A decisão da Anvisa reflete uma tentativa de proteger a saúde pública em um contexto de crescente automedicação. A popularidade do Ozempic e de outros análogos de GLP-1, como Saxenda e Mounjaro, cresceu exponencialmente nos últimos anos, impulsionada por sua capacidade de reduzir até 17% do peso corporal em um ano. No entanto, a facilidade de acesso a esses medicamentos, muitas vezes sem prescrição, gerou preocupações entre autoridades e entidades médicas. Um levantamento da USP, realizado em fevereiro de 2025, revelou que 45% dos usuários desses fármacos no Brasil os utilizam sem receita médica, e quase 75% desse grupo nunca recebeu orientação profissional.
A medida também visa garantir o acesso aos medicamentos por pacientes que realmente necessitam, como aqueles com diabetes tipo 2 ou obesidade clinicamente diagnosticada. A escassez global de semaglutida, relatada pela OMS em 2024, foi agravada pelo uso off-label, dificultando o tratamento de pessoas com condições crônicas. A Anvisa esclareceu que a nova regra não impede médicos de prescrever esses fármacos para usos off-label, desde que os benefícios superem os riscos, mas reforça a necessidade de acompanhamento profissional.
Como funcionam os análogos de GLP-1
Os medicamentos da classe GLP-1, como Ozempic, Wegovy, Saxenda e Mounjaro, simulam a ação do hormônio GLP-1, produzido naturalmente no intestino. Esse hormônio atua em diferentes partes do corpo, com efeitos que vão além do controle glicêmico. No pâncreas, ele estimula a produção de insulina, essencial para pacientes com diabetes tipo 2. No estômago, retarda a digestão, prolongando a sensação de saciedade. No cérebro, reduz os sinais de fome, diminuindo o consumo calórico em até 40% em algumas doses.
A semaglutida, presente no Ozempic e Wegovy, é um agonista de GLP-1, enquanto a tirzepatida, encontrada no Mounjaro, atua como um duplo agonista, simulando também o hormônio GIP. Esses mecanismos tornam os medicamentos eficazes tanto para diabetes quanto para obesidade, mas seu uso requer monitoramento devido aos efeitos colaterais. A administração é feita por injeções semanais, o que facilita a adesão ao tratamento, mas também aumenta o risco de automedicação quando o acesso é facilitado.
Histórico de preocupações
A preocupação com o uso indevido de análogos de GLP-1 não é recente. Em dezembro de 2024, a Anvisa já discutia a possibilidade de exigir retenção de receita, após receber alertas do CFM e de entidades como a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Na época, dados do VigiMed indicavam 1.165 notificações de uso fora da bula, com 92% relacionadas a semaglutida e liraglutida. A proposta foi debatida em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, solicitada por parlamentares preocupados com os riscos à saúde.
A Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e Wegovy, manifestou-se contra a retenção de receita, argumentando que a medida poderia estigmatizar o tratamento de doenças crônicas como diabetes e obesidade. A empresa citou uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Infectologia, que mostrou que 25% dos brasileiros usaram antibióticos sem prescrição, apesar da obrigatoriedade de retenção, sugerindo que a regra poderia ser ineficaz. Apesar disso, a Anvisa optou por implementar a norma, priorizando a segurança da população.
- 2019-2024: 524 notificações de eventos adversos com semaglutida no Brasil.
- Dezembro 2024: Anvisa inicia debates sobre retenção de receita.
- Fevereiro 2025: Levantamento da USP aponta 45% de uso sem prescrição.
- Abril 2025: Aprovação unânime da nova regra pela Anvisa.
Reações do setor farmacêutico
A decisão da Anvisa gerou reações mistas no setor farmacêutico. Enquanto algumas empresas defendem a flexibilização das regras para facilitar o acesso, outras apoiam a medida como forma de proteger os consumidores. A Eli Lilly, fabricante do Mounjaro, anunciou que o medicamento estará disponível no Brasil a partir de junho de 2025, e a nova regra pode impactar sua comercialização inicial. Farmácias de manipulação, que produzem versões dos análogos de GLP-1, também serão monitoradas, mas não foram excluídas do mercado, como chegou a ser proposto.
A obrigatoriedade de registrar as transações no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) adiciona uma camada de controle, exigindo que farmácias documentem cada venda. Isso pode aumentar a burocracia, mas é visto como essencial para rastrear o uso desses medicamentos. A medida também responde a alertas internacionais, como o da Austrália, que proibiu a venda de manipulados dessa classe em 2024 devido a riscos semelhantes.
Riscos do uso indiscriminado
O uso de análogos de GLP-1 sem orientação médica pode levar a consequências graves. Além dos efeitos gastrointestinais, como náuseas e vômitos, que afetam a maioria dos usuários, há riscos menos comuns, mas mais severos. A pancreatite, embora ocorra em menos de 1% dos casos, pode ser fatal se não tratada. Estudos também sugerem que o uso prolongado pode aumentar o volume do intestino delgado, potencialmente causando obstruções.
A automedicação é agravada pela circulação de medicamentos falsificados. Em 2024, a Anvisa identificou três lotes falsos de Ozempic no Brasil, com embalagens em espanhol e concentrações divergentes do original. A OMS alertou para o aumento global de falsificações, que já causaram hospitalizações, como o caso de uma mulher no Rio de Janeiro que usou um produto falsificado e precisou de internação. Esses incidentes reforçam a necessidade de maior controle na dispensação.
Apoio das entidades médicas
A medida da Anvisa recebeu amplo apoio de entidades médicas, que há anos alertam para os perigos do uso indiscriminado. A Abeso, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) divulgaram uma carta conjunta em 2024, defendendo a retenção de receita como forma de garantir o uso racional dos análogos de GLP-1. As entidades destacaram que a procura por esses medicamentos para fins estéticos compromete o acesso de pacientes com condições crônicas.
O CFM também desempenhou um papel central, pressionando por mudanças regulatórias. Em sua carta aberta, a entidade apontou que a venda sem receita, embora contrarie as regras atuais, é uma prática comum, facilitada pela falta de retenção. A nova norma é vista como um passo para reduzir a automedicação e promover o uso responsável, especialmente em um contexto de aumento da obesidade, que afeta cerca de 30% da população brasileira, segundo o IBGE.
Desafios para implementação
Implementar a retenção de receita apresenta desafios logísticos e culturais. Farmácias terão de adaptar seus sistemas para cumprir a nova exigência, o que pode gerar custos adicionais. Além disso, a fiscalização será crucial para garantir que a norma seja respeitada, especialmente em regiões onde a venda irregular é mais comum. A Anvisa planeja intensificar as inspeções e utilizar o SNGPC para monitorar as transações, mas a eficácia dependerá da colaboração do setor farmacêutico.
Outro obstáculo é a resistência de parte da população, habituada a adquirir esses medicamentos com facilidade. A popularidade do Ozempic, impulsionada por influenciadores e redes sociais, criou uma cultura de uso casual, que pode dificultar a aceitação da nova regra. Campanhas educativas serão necessárias para conscientizar sobre os riscos da automedicação e a importância do acompanhamento médico.
- Monitoramento: Farmácias devem registrar vendas no SNGPC.
- Fiscalização: Anvisa intensificará inspeções para coibir vendas irregulares.
- Educação: Campanhas podem ajudar a reduzir a automedicação.
- Adaptação: Setor farmacêutico enfrenta custos para implementar a norma.
Contexto global
A decisão da Anvisa alinha o Brasil a tendências internacionais de maior controle sobre análogos de GLP-1. Na Austrália, a proibição de manipulados dessa classe foi motivada por preocupações semelhantes, enquanto nos Estados Unidos a Food and Drug Administration (FDA) alerta para os riscos de falsificações e uso off-label. A OMS, por sua vez, destacou que a escassez global de semaglutida, agravada pela demanda estética, tem impactos desproporcionais em pacientes com diabetes tipo 2.
No Brasil, a medida também responde a um aumento de 550% nas reclamações contra planos de saúde por negativa de cobertura do Ozempic, entre 2021 e 2022, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Muitas dessas reclamações estão ligadas a pedidos para uso off-label, o que complica a liberação por operadoras. A retenção de receita pode ajudar a esclarecer as indicações clínicas, reduzindo conflitos entre pacientes e planos.
Futuro dos análogos de GLP-1
A regulamentação da Anvisa marca um ponto de inflexão no uso de análogos de GLP-1 no Brasil. Com a chegada de novos medicamentos, como o Mounjaro, e a aprovação de concorrentes nacionais, como Olire e Lirux, pela EMS, o mercado deve continuar crescendo. Esses novos fármacos, baseados em liraglutida, estarão disponíveis em 2025 e também estarão sujeitos à retenção de receita. A concorrência pode reduzir preços, que hoje variam entre R$ 700 e R$ 1.000 para o Ozempic, mas a segurança permanecerá como prioridade.
A obesidade, um desafio global, continua a impulsionar a demanda por esses medicamentos. Estudos recentes comparam seus resultados à cirurgia bariátrica, mas os riscos associados reforçam a necessidade de uso controlado. A Anvisa espera que a nova regra equilibre acesso e segurança, protegendo a população enquanto mantém os benefícios para pacientes com indicações clínicas.
Cronologia das mudanças
A trajetória da regulamentação dos análogos de GLP-1 no Brasil reflete um esforço contínuo para acompanhar sua popularidade e riscos. Abaixo, os principais marcos:
- 2017: Ozempic é aprovado no Brasil para diabetes tipo 2.
- 2023: Aumento de 550% nas reclamações por negativa de cobertura do Ozempic.
- 2024: OMS alerta para falsificações e escassez global de semaglutida.
- Dezembro 2024: Anvisa debate retenção de receita em audiência pública.
- Abril 2025: Aprovação da obrigatoriedade de retenção de receita.
Expectativas para o futuro
A nova regra da Anvisa é um marco na regulamentação de medicamentos que revolucionaram o tratamento de diabetes e obesidade. A retenção de receita deve reduzir a automedicação, mas sua eficácia dependerá de fiscalização rigorosa e conscientização pública. Farmácias e profissionais de saúde terão um papel central na implementação, enquanto pacientes precisarão se adaptar a um acesso mais controlado.
A medida também abre espaço para debates sobre o papel das redes sociais na promoção de medicamentos. A influência de celebridades e influenciadores, que frequentemente compartilham experiências de perda de peso com Ozempic, contribuiu para sua popularidade, mas também para o uso irresponsável. A Anvisa pode considerar parcerias com plataformas digitais para coibir propagandas irregulares.
Por fim, o aumento da oferta de análogos de GLP-1, com novos medicamentos e concorrentes nacionais, sugere que o mercado continuará em expansão. A regulamentação, portanto, é um passo para garantir que essa expansão ocorra de forma segura, beneficiando quem realmente precisa desses tratamentos enquanto minimiza riscos à saúde pública.
