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19 Apr 2025, Sat

Susana Vieira: 'Tenho medo da morte em qualquer circunstância'




Atriz está em cartaz com o monólogo ‘Lady’, no qual promove o encontro indireto de Lady Macbeth, personagem imortal de William Shakespeare, e Susana Vieira A história de Susana Vieira se confunde com a da televisão brasileira e não existe falar em teledramaturgia sem citar o nome dela. Aos 82 anos, a atriz se mantém em plena atividade — tanto nas telinhas como no palco — e cativa novos milhares de fãs. “É curioso ver que a minha arte continua viva. Virei meme, caí nas graças do público jovem também e, agora, tenho fãs de todas as gerações. Tanto os que me acompanham desde o começo quanto os que passaram a me conhecer depois de trechos de entrevistas e de novelas que viralizam”, comemora ela, aos risos.
Nascida como Sônia Maria Vieira Gonçalves, Susana — nome de registro de sua irmã, Suzana Gonçalves — estreou na televisão em 1962 e não saiu mais da vida do povo brasileiro. Em cartaz com o espetáculo Lady, em São Paulo, até 1º de junho, a atriz recebeu a Quem no Teatro Vivo para o bate-papo e para as fotos da capa. Melhor chamar de conversa e não de entrevista, porque Susana Vieira tem muitas histórias para contar e ensinamentos para passar adiante. E assim foi: um papo intenso e mais proveitoso do que um jogo de perguntas e respostas.
Susana Vieira usa vestido Roberto Cavalli no The Rentalist, casquete e luvas Minha Avó Tinha e Brincos Lázara Design
Igor Melo
Susana chega ao teatro já radiante e cumprimentando um por um. Tira fotos com fãs, sabe o nome de todos da equipe técnica e faz questão de perguntar se estão bem. O sorriso e o bom humor, suas marcas registradas, claro, sempre presentes. “Adoro meus fãs, sempre trato eles muito bem. Sempre sou muito brincalhona e engraçada quando não estou em compromisso profissional e aí brinco com todos eles quando pedem fotos ou vídeos. Amo ser reconhecida e retribuir esse carinho”, garante.
A peça promove o encontro indireto de Lady Macbeth, personagem imortal de William Shakespeare, e Susana Vieira. No texto, a atriz conta muitas histórias de sua vida — tanto de momentos divertidos quanto de alguns mais sérios — e ela faz questão de dizer que não sabe morrer em cena. E, por isso, Susana não foge do assunto e fala sobre a morte. “A consciência da morte é constante. A cada minuto que a gente corre algum perigo, a ideia da morte sempre vem acompanhada do grande momento perigoso que você se encontra. Ela está sempre nos acompanhando. Enquanto tem uma vida racional, tem forças para fazer as coisas, é sempre bom viver. Como ainda tenho condições de trabalhar, de fazer teatro e estar na televisão, me sinto bem. Mas tenho medo da morte em qualquer circunstância”, avalia.
Ao longo do papo, Susana fala do machismo que sofreu ao longo da carreira, do etarismo que vive atualmente e ainda comenta de buracos que ficaram em sua caminhada.
Susana Vieira usa vestido e corset Penha Maia, anel e brincos Jack Vartanian e anel Pandora
Igor Melo
No fim da conversa, um momento inusitado e emocionante: Susana vira a repórter. Quando fui perguntar sobre suas doenças — ela tem leucemia linfocítica crônica e anemia hemolítica autoimune, doenças que não têm cura, mas são controladas — contei que tenho três doenças autoimunes raras e graves. Preocupada, ela quis saber como eu me tratava, anotou no celular os nomes das condições e pesquisou para entender o que eu tinha.
Ela ficou curiosa com um cordão de girassol no meu pescoço. Expliquei, então, que usava para sinalizar que tenho deficiência oculta, e Susana achou interessante ter um para também sinalizar que tem uma condição. Na simplicidade, ofereci o meu sem imaginar que ninguém menos que Susana Vieira aceitaria algo usado e com o meu perfume. Para a minha surpresa, ela aceitou sem titubear, colocou imediatamente no pescoço e, emocionada, agradeceu. O abraço forte e a lágrima das duas coroou o momento. “Isso aqui, a partir de agora, vai ser meu amuleto.”
Susana Vieira é capa de abril da Quem
Igor Melo
Confira, a seguir, o bate-papo com Susana Vieira:
Quem: Você está em cartaz com o monólogo Lady. Como é esse encontro dos ícones da dramaturgia: você e a personagem de Shakespeare?
Susana Vieira: Você acha mesmo que sou um ícone da dramaturgia? Ai, que delícia! Adorei… Sempre tive muita vontade de fazer Shakespeare e há muito tempo queria fazer um espetáculo de Shakespeare, desde que comecei como atriz. Fui me informando, crescendo como atriz. É uma história muito longa, mas vou resumir. Estava num voo enquanto estava em cartaz com A Partilha, lá nos anos 90, e o Diogo Vilela disse que gostaria de me ver vivendo Lady Macbeth. Apesar de eu já ter feito uma peça Romeu e Julieta, em 1960, dirigida por Jô Soares no Teatro Ruth Escobar, isso ficou na minha cabeça. Fiquei com essa obsessão de fazer Shakespeare por todos esses anos.
E como veio a ideia de montar o espetáculo agora, mais de 30 anos depois?
É muito difícil viver da arte do teatro e nunca abandonei os palcos. Sempre estive na televisão e no teatro, nunca abandonei essa arte. Trabalhei nos teatros do Sesc com Ítalo Rossi, Tônia Carrero, com os maiores nomes. Mas teatro desgasta muito. Tem que viajar pelo Brasil, é cansativo. Você monta e desmonta, é tipo um circo. A gente desmonta o circo e bota o circo em pé, aí tira todas as varas e leva a mala. Aí você vai para um lugar que não sabe se tá frio ou se tá quente. Mas é a única forma de o Brasil poder ver um pouco do teatro que está sendo feito em São Paulo e no Rio.
Mas como eu queria muito, decidi enfrentar. Falei com o Edgard [Jordão, o produtor] e ele encomendou a peça. A gente tinha uma ideia, eu tinha feito o meu livro [Senhora do Meu Destino, A Biografia], que é a minha biografia e é muito simpática. É uma história leve, porque não é cheia de segredos e coisas que eu digo, porque jamais cometeria a indelicadeza de falar mal de pessoas públicas e com as quais trabalhei. A peça é isso também. Conta a minha carreira, mas também conta um pouco da história da televisão brasileira. Comecei em 1960, tem gente que nasceu nos anos 2000 e é meu colega de classe. Achei que seria uma coisa boa contar a minha história.
Susana Vieira usa vestido e corset Penha Maia, anel e brincos Jack Vartanian e anel Pandora
Igor Melo
Então aproveita e fala pra gente um pouco da sua história…
Aí eu começo contando que morei por 15 anos em Buenos Aires [Argentina] com os meus pais. Cresci fora do Brasil, na minha juventude, fiz balé, fui professora de balé e comecei a me destacar na TV como bailarina. Eu era uma espécie de pré-Chacrete, dançava para músicas de Maysa Matarazzo e minha dança começou a chamar a atenção. Entrei para a TV e nunca mais saí.
No livro e na peça você fala muito da sua trajetória.
Então, escrevi esse livro mais para ser uma memória para a minha família e para os meus fãs saberem quem foi quem. Falo de todo mundo que amo na televisão, dos meus amigos. Não tenho inimigos e é um livro leve justamente porque não trago mágoas da vida. A vida foi muito maravilhosa comigo. Deu tudo certo até aqui e se algo deu errado, faz parte da vida, é normal. Quem está vivo, minha filha, corre todos os riscos.
Sou uma pessoa leve, engraçada e muito grata por ter tido doenças tão graves e ainda estar em cena com 82 anos de idade
É uma história leve justamente por você estar sempre sorridente? Essa é você no seu íntimo?
Todo mundo acha que sou muito engraçada. Claro que quando estou num compromisso profissional, não fico fazendo piada o tempo todo. Mas, normalmente, sou uma pessoa leve, engraçada e muito grata por ter tido doenças tão graves e ainda estar em cena com 82 anos de idade.
Susana Vieira usa casaco Minha Avó Tinha e casquete Martiliana
Igor Melo
Essa era uma pergunta que eu ia te fazer, mesmo. Tenho três doenças autoimunes e receber o diagnóstico mudou o meu jeito de enxergar a vida. Passei a cuidar mais da minha saúde e comecei a ver valor em coisas mais simples. Como foi para você receber o diagnóstico? Teve alguma mudança de comportamento?
Olha, por incrível que pareça, você sabe que não mudei muito, não comecei a encarar a vida de outro jeito, não. Claro que não é legal você ouvir que tem LLC (Leucemia Linfocítica Crônica), anemia hemolítica autoimune e um câncer no rim. Mas sempre fui muito leve, estava em cartaz com um outro monólogo (Shirley Valentine) e eu amava fazer aquela mulher maravilhosa. Estava viajando com a peça que adorava fazer e isso me deu muita força.
No ano passado, o médico me diagnosticou com o câncer no rim e até o retorno, de um mês para o outro, já tinha crescido meio centímetro. E ele me falou: “Quando você vai operar?”. E eu respondi: “Tenho uma peça para fazer, você vai ter que me esperar”. Me apresentei no fim de semana, ele queria agendar a cirurgia pra segunda-feira e eu falei que não. Resolvi ir pra Disney, porque amo aquele lugar. Porque se eu tiver que morrer, se estiver com câncer, se não puder fazer mais nada, primeiro quero me divertir com a minha família. Levei toda a família que eu podia pra lá. Peguei meus amigos gays, minha assessora, que é como se fosse uma mãe pra mim, meu filho, meus netos e fomos.
Ficamos em uma casa temática lá em Orlando, era um quarto da Disney da Branca de Neve, um quarto de sonhos. Ficamos lá por 15 dias, fui feliz, esqueci de tudo naqueles brinquedos perigosos, e meus netos botando fogo para eu ir naquelas coisas cheias de aventura, muito excitantes e tudo. Eles estavam muito preocupados comigo e me colocaram pra andar naquele carrinho. Menina, aquilo me irritava mais do que outra coisa. Sou muito ativa, gosto de fazer as coisas. Entreguei o carrinho e saí andando por todos os lugares. Meu filho preocupado comigo, falando pra eu ir devagar, meus amigos queriam levar a minha bolsa. Não esperava por nada. Fiz tudo o que eu queria. Estava leve, feliz. Foram 15 dias maravilhosos.
Quando cheguei em casa, no Rio, no domingo, liguei para o médico e falei: “Quando que o senhor quer me operar?” Ele falou: “Amanhã. Você já consegue fazer uma dieta agora? Vamos operar amanhã, então, na segunda”. Me operei no dia 2 de outubro. Meu aniversário foi em agosto, em setembro ainda estava fazendo a peça e fiz a viagem. Me operaram, tive 20 dias de descanso e em dezembro já comecei a gravar coisas para a Globo. Gravei muitos programas, que vão passar agora, no mês de abril. Tive um mês de novembro maravilhoso. Porque eu voltei para a televisão, fazia a tempo que não ia. Aí eu brinco que é a minha escolinha. Levo minha lancheira, meu almoço, adoro meus colegas de recreio. Para mim, aquilo realmente foi muito bom. Consegui fazer daquele ambiente de trabalho o meu ambiente de prazer.
Susana Vieira é a capa de abril da Quem
E o que você gravou para a Globo?
É a história de uma senhora da geração em que nasceu a televisão, ama as novelas, tem loucura para conhecer o Tony Ramos, que é o ator preferido dela, e quer ir conhecer o Projac, que não se chama mais Projac e virou Estúdios Globo hoje em dia, mas ela quer conhecer. Aí ela tem uma neta, a Valentina [Herszage], que fala: “Vou realizar o teu desejo, vó. Vou te levar na Globo, só que a gente não pode entrar”.
O filme, Coisa de Novela*, é uma comédia para comemorar os 60 anos da Globo. Ela tenta entrar, se fantasia, aí elas entram dentro de um caminhão que ia entregar umas frutas lá dentro da Globo. A gente entra escondido e passa a noite inteira na TV, mostrando os estúdios, a grandeza daquilo tudo. É uma forma de o público conhecer os estúdios, os caminhos, os jardins, as roupas, os cenários. As personagens vão entrando nos programas, conhecem o Cauã Reymond, ficam no meio dos figurantes.
*Coisa de Novela é uma fábula que tem como tema central a paixão por telenovelas e como cenário os Estúdios Globo. A comédia é protagonizada por Susana Vieira e Valentina Herszage, recheada de referências a novelas de diferentes épocas e com participações especiais. Na trama, Susana e Valentina são Tereza e Laura, avó e neta. O filme vai ao ar no dia 28/04, na programação especial em homenagem aos 60 anos da TV Globo.
O que significa fazer parte da história da Globo?
Tenho muito orgulho de fazer parte dessa empresa. São 54 anos. Eu criei minha família lá, criei meu filho sozinha. Construí sozinha todo o meu patrimônio. Se tenho cinco imóveis, se meu filho estudou nos melhores colégios, foi graças ao trabalho na TV e no teatro. Sou uma mulher feliz e realizada aos meus quase 83 anos. Tenho energia e vontade de ainda fazer alguma coisa. Muita gente gosta de se aposentar aos 60 anos. Com 60 eu ainda estava com a corda toda.
E, inclusive, era rainha de bateria nessa idade…
Sim, era rainha da bateria de uma escola de samba. Amava estar lá na Grande Rio. Então, tu acha que eu ia me aposentar? Eu atravessava aquilo ovacionada, né? E quando digo que atravessava, que fiz 3 anos de rainha da bateria, é que eu passava sambando e inteira, mesmo. Até que aquilo começou a pesar um pouco. A importância daquilo é muito grande. É um espetáculo, porque você tem que estar consciente de que qualquer erro que você cometa, você prejudica uma escola inteira. É uma responsabilidade.
Não vou ficar fazendo regime para emagrecer e para não ter celulite na minha idade. É isso, a idade avança para todo mundo.
Mas você voltaria a sentir essa adrenalina toda e voltaria como rainha?
Há um preparo físico que não tenho mais, que não vou para a academia todo dia. E também não vou ficar fazendo regime para emagrecer e para não ter celulite na minha idade. É isso, a idade avança para todo mundo. Sou uma pessoa agraciada por Deus e pela genética dos meus pais, que eu mantenho um corpo inadequado para a minha idade. Não é inadequado, vamos dizer. Ele tá é adequadíssimo para eu, Susana, fazer tudo.
Susana Vieira usa chapéu Minha Avó Tinha, brincos Jack Vartanian e casaco acervo do stylist
Igor Melo
Falando em corpo, você sempre recebe elogios nas redes sociais quando posta alguma foto em que aparece de maiô. O que faz para manter o corpo?
É isso que falei da genética dos meus pais, mesmo. Claro que cuido, passo meus cremes. Mas a minha pele é assim, lisinha, por genética. Meu corpo é firme também graças à genética e à memória muscular do balé. Hoje em dia nem faço mais tanta atividade física como antes e meu corpo continua bom. Mas é que sempre fui muito ativa. Mas, sim… sempre tem gente que elogia e diz que não é possível eu estar tão bem.
E os fãs, além dos elogios, amam te encontrar nas ruas, né?
Adoro meus fãs, sempre trato eles muito bem. Sempre sou muito brincalhona e engraçada quando não estou em compromisso profissional e aí brinco com todos eles quando pedem fotos ou vídeos. Amo ser reconhecida e retribuir esse carinho. É bom demais ser reconhecido e amado pelo seu trabalho.
E você também renova o público a cada ano…
É curioso ver que a minha arte continua viva. Virei meme, caí nas graças do público jovem também e, agora, tenho fãs de todas as gerações. Tanto os que me acompanham desde o começo quanto os que passaram a me conhecer depois de trechos de entrevistas e de novelas que viralizam. É muito legal ver que tem adolescentes que me conhecem e que tem gente da minha idade que continua acompanhando o meu trabalho. Isso eu devo às redes sociais.
Virei meme, caí nas graças do público jovem também e, agora, tenho fãs de todas as gerações
Mas você também recebe ataques. Quanto que isso te incomoda?
Olha, não é fácil você ler comentários do tipo: “Nossa, ainda está viva? Pensei que já tinha morrido”, “O que essa velha ainda tá fazendo aqui?”, alguns ataques são bem pesados. No começo, eu rebatia, xingava. Porque é algo que machuca muito. Aí a minha assessora falou pra eu não fazer mais isso, porque você dá mais munição quando responde. Agora, eu apago e bloqueio rápido. Finjo que não leio. Mas chega a ser desumano.
Entrando nessa parte do “desumano”, no monólogo você também comenta a perseguição que sofreu por parte da imprensa e até por alguns colegas de profissão quando se separou. Como foi lidar com esses comentários maldosos sobre a sua vida mesmo antes de existir redes sociais?
Isso foi bem difícil mesmo. Vou te falar a verdade. Nunca dei motivo para falarem nada da minha vida. Sempre fui moral, ética. Nunca fui flagrada bêbada, nunca me viram usando drogas, dando escândalo, saindo com homem casado. Sempre fui uma mulher muito correta, meu pai era muito rígido e me ensinou esse caminho do trabalho, da honestidade, da retidão. Mas aí meu primeiro casamento não deu certo. Eu queria transar, não queria casar. Mas, naquela época, não se fazia amor antes de casar. Daí casei, meu primeiro casamento não deu certo, descobri muita coisa errada. Enfim, nos separamos e fiquei com o nosso filho de 6 anos. De repente, virei a desquitada. Até algumas colegas da TV passaram a me evitar, como se eu fosse roubar o marido delas.
Nos programas sensacionalistas, era como se eu fosse a culpada de tudo. Mas eu precisava continuar trabalhando, cuidando do meu filho. Era nova, precisava me divertir também. Aí era a Susana isso, a Susana aquilo… É que tem gente que gosta de falar, né?
Susana Vieira usa anel Sara Joias
Igor Melo
Você acha que isso pode ter influenciado a algumas pessoas terem uma imagem errada de você?
Acho que muitas pessoas não me conhecem e só me conhecem a parte exterior, a parte do Instagram, a parte das entrevistas que a gente dá, às vezes um certo mau humor, porque as perguntas são muito impertinentes. Mas acho que, por exemplo, essa peça que eu tô fazendo atualmente fala muito de mim, de mim como criança, de mim jovem, de eu ter sido criada fora do Brasil e ter voltado já mocinha para o Rio de Janeiro, para São Paulo. A minha formação no balé clássico. Perdi minha mãe, várias coisas mais delicadas e tristes, e outras que o público não sabe, como a minha experiência em trabalhar na televisão do México.
E o que a Susana que as pessoas não conhecem sente quando vê a família morando nos Estados Unidos há tanto tempo?
Sinto um buraco no peito. Sei que é uma frase feita, mas a gente cria os filhos para o mundo. E, no fim das contas, é isso mesmo. Mas a distância é muito triste. A gente nunca espera ficar longe. Nunca tive um Dia das Mães com o meu filho, infelizmente. Sei que é uma data boba, capitalista, mas recebia mensagens das pessoas e ele não estava perto, aí me sentia mal, me culpava muito porque ficavam buracos. Minha mãe morreu cedo, ajudei a cuidar dos meus irmãos, eles me chamavam de mãe. Mas eu estava sempre trabalhando, sempre tinha muitas novelas para fazer, muitas coisas. E ia ocupando esses espaços com trabalho.
Dei o melhor estudo para o meu filho. Paguei o colégio dele sozinha. Meu salário da Globo ia todo para os estudos dele. Não me sobrava quase nada e era só eu pra sustentar a casa. Não tinha o mesmo salário do meu ex. Então, pra criar ele bem, precisei trabalhar muito e abri mão de muitos momentos com ele. Ia visitar ele só uma vez por ano, porque sempre emendava um trabalho no outro. Acabava sendo engolida com o tanto de trabalho. Mas não me arrependo, porque sempre fui uma mulher forte. Fiz o que tinha que ser feito. E ele virou vice-presidente da Sony, é DJ agora. Fez tudo por mérito dele, conseguiu o emprego porque falava o inglês fluente graças ao colégio que paguei. Mas não é fácil essa distância… fica um buraco enorme, uma falta. Mas sempre tive uma relação muito boa com o meu filho, amo a minha família.
Susana Vieira usa vestido e corset Penha Maia, anel e brincos Jack Vartanian e anel Pandora
Igor Melo
Na nossa conversa, você falou do machismo que sofreu quando se divorciou e agora estávamos falando de família e vivências. Como é viver numa sociedade tão etarista?
É muito difícil como a pessoa vai envelhecendo e vai sendo deixada de lado. É como se a gente virasse um sapato velho, que é jogado fora. Mas a gente é ser humano. Tem coisa para falar, história para viver, cabeça boa para fazer as coisas. Você não pode simplesmente descartar quem é mais velho. Eu tenho sorte de ainda ser muito ativa. De ir e fazer as coisas. Chego na Globo e apresento projetos, faço as minhas peças de teatro. E não faço qualquer coisa, meu amor. Faço monólogo de Shakespeare. Texto dificílimo, mais de uma hora e meia. E fico lá, interagindo com a plateia e fazendo todo mundo rir e se emocionar. Isso com quase 83 anos. Mas por que pra muita gente é como se eu fosse apenas um sapato velho? Você não precisa se desfazer de uma pessoa mais velha. Todo mundo tem pais, avós. Todo mundo, se Deus quiser, vai envelhecer.
Você também viveu relacionamentos conturbados no passado… pode falar disso?
Amor, teve um relacionamento que sempre saía em todos os programas da tarde, em todos os portais, revistas. Eu não sabia que ele me enganava debaixo do meu nariz, acreditava nele. [Susana se refere ao casamento com o ex-policial Marcelo Silva, que morreu em 2008]. Você acredita que eu descobri a traição pelos seus colegas? Menina, fiquei sabendo pela imprensa que estava sendo traída. Nenhum amigo me contou, todo mundo sabia e ninguém me falou nada. Bom, aí a história terminou daquele jeito que você sabe [com a morte dele]. No dia seguinte, peguei meus amigos gays e fomos para o show da Ludmilla. Eu amo funk, na época eu dançava até o chão. Tinha uma jornalista lá e me viu dançando no dia seguinte da morte dele. Claro que dei uma daquelas minhas respostonas, que todo mundo já conhece e a imprensa ainda ficou contra mim.
E você acha que isso aí foi mais um episódio de machismo contra você?
Claro que sim. Ele era muito mais jovem que eu. Toda a imprensa ficou contra mim nesse episódio. Fui exposta, perseguida, só porque ele era mais jovem. Mas sempre fui muito acostumada com esse tipo de gente falando essas coisas de mim.
Na peça, você fala que não sabe morrer em cena… A Fernanda Montenegro diz que a morte é uma constante, diária, a cada segundo. Não é se conformar, é tentar aceitar, porque ela vem. Como você lida com a ideia da morte?
Enquanto você tem uma vida racional, você raciocina, você tem força para fazer as coisas se locomover, é sempre bom viver. Agora em outras circunstâncias deve ser mais difícil. Como ainda tenho condições de decorar, tomar avião, fazer uma peça de teatro, trabalhar na televisão, ainda me sinto bem. Mas tenho medo da morte em qualquer circunstância.
Susana Vieira usa casaco e estola Minha Avó Tinha, casquete Martiliana e anel Sara Joias
Igor Melo
E qual o seu maior medo?
Sem dúvida, doença. Tenho medo de ficar doente.
Tenho um buraco permanente no meu coração que nunca consegui fechar
Qual a sua maior saudade?
Tenho um buraco permanente no meu coração que nunca consegui fechar. Esse buraco é a perda da minha mãe. Eu era muito jovem e ela também. E, então, não consigo conviver com essa realidade. É uma coisa que me dói, é cruel, me incomoda. Faço de tudo para não pensar nisso, mas, em qualquer momento que me sinto frágil ou indefesa, só penso que, se eu tivesse ela, não estaria passando por esse momento.
E a vida amorosa, como está no momento?
No momento, estou solteira, estou tranquila, mais voltada para a minha família. Mas, ao longo da vida, fiz escolhas. Ou você escolhe alguém para te bancar ou a juventude. Aí sempre preferi os mais pobres, porque entre a grana e a idade, acabei ficando com os mais novos (gargalhadas).
À noite, antes de dormir, o que você pede quando reza?
À noite, quando rezo, agradeço o dia que tive e peço, sim, paz para minha casa, para os meus cachorros, saúde para mim, para os meus funcionários, que tudo corra bem no dia seguinte. Agradeço muito tudo que passei no dia de hoje, mesmo que tenha sido coisa ruim, porque eu tô deitada na cama, no escurinho, em paz, deitada. Só posso agradecer.
Susana Vieira usa vestido Roberto Cavalli no The Rentalist, casquete e luvas Minha Avó Tinha e Brincos Lázara Design
Igor Melo
Créditos:
Texto: Juliana Moraes (@julianapink)
Fotografia: Igor Melo (@igoormelo)
Direção criativa: Amauri Neto (@amaurineto_)
Styling: Caio Sobral (@caiosobral)
Beleza: Leo Almeida (@leoalmeidamk)
Set design: Felipe Vieira (@felipsouzas)
Vídeos: Rafael LeForte (@rafaleforte)
Assistência de fotografia: Renato Gonçalves Toso (@_renatogon)
Assistência de styling: Deivid Moraes (@deividmoraeess)
Assistência de beleza: Edgar Cardoso (@edgar_cardoso)
Retoque: Henrique A. Retouch (@henriquebmx2)
Direção geral e produção executiva: Mateus Phyno (@phynocomph_)
Edição: Camila Borowsky (@camila_borowsky)
Design de capa: Manuela Pellegrini (@manupellegrini__)
Assessoria de imprensa: Dany Tavares Comunicação (@danytavarescomunicacao)
Agradecimentos: Teatro Vivo (@teatrovivosp)
Susana Vieira é a capa de abril da Quem
Susana Vieira usa chapéu Minha Avó Tinha, brincos Jack Vartanian e casaco acervo do stylist
Igor Melo


Atriz está em cartaz com o monólogo ‘Lady’, no qual promove o encontro indireto de Lady Macbeth, personagem imortal de William Shakespeare, e Susana Vieira A história de Susana Vieira se confunde com a da televisão brasileira e não existe falar em teledramaturgia sem citar o nome dela. Aos 82 anos, a atriz se mantém em plena atividade — tanto nas telinhas como no palco — e cativa novos milhares de fãs. “É curioso ver que a minha arte continua viva. Virei meme, caí nas graças do público jovem também e, agora, tenho fãs de todas as gerações. Tanto os que me acompanham desde o começo quanto os que passaram a me conhecer depois de trechos de entrevistas e de novelas que viralizam”, comemora ela, aos risos.
Nascida como Sônia Maria Vieira Gonçalves, Susana — nome de registro de sua irmã, Suzana Gonçalves — estreou na televisão em 1962 e não saiu mais da vida do povo brasileiro. Em cartaz com o espetáculo Lady, em São Paulo, até 1º de junho, a atriz recebeu a Quem no Teatro Vivo para o bate-papo e para as fotos da capa. Melhor chamar de conversa e não de entrevista, porque Susana Vieira tem muitas histórias para contar e ensinamentos para passar adiante. E assim foi: um papo intenso e mais proveitoso do que um jogo de perguntas e respostas.
Susana Vieira usa vestido Roberto Cavalli no The Rentalist, casquete e luvas Minha Avó Tinha e Brincos Lázara Design
Igor Melo
Susana chega ao teatro já radiante e cumprimentando um por um. Tira fotos com fãs, sabe o nome de todos da equipe técnica e faz questão de perguntar se estão bem. O sorriso e o bom humor, suas marcas registradas, claro, sempre presentes. “Adoro meus fãs, sempre trato eles muito bem. Sempre sou muito brincalhona e engraçada quando não estou em compromisso profissional e aí brinco com todos eles quando pedem fotos ou vídeos. Amo ser reconhecida e retribuir esse carinho”, garante.
A peça promove o encontro indireto de Lady Macbeth, personagem imortal de William Shakespeare, e Susana Vieira. No texto, a atriz conta muitas histórias de sua vida — tanto de momentos divertidos quanto de alguns mais sérios — e ela faz questão de dizer que não sabe morrer em cena. E, por isso, Susana não foge do assunto e fala sobre a morte. “A consciência da morte é constante. A cada minuto que a gente corre algum perigo, a ideia da morte sempre vem acompanhada do grande momento perigoso que você se encontra. Ela está sempre nos acompanhando. Enquanto tem uma vida racional, tem forças para fazer as coisas, é sempre bom viver. Como ainda tenho condições de trabalhar, de fazer teatro e estar na televisão, me sinto bem. Mas tenho medo da morte em qualquer circunstância”, avalia.
Ao longo do papo, Susana fala do machismo que sofreu ao longo da carreira, do etarismo que vive atualmente e ainda comenta de buracos que ficaram em sua caminhada.
Susana Vieira usa vestido e corset Penha Maia, anel e brincos Jack Vartanian e anel Pandora
Igor Melo
No fim da conversa, um momento inusitado e emocionante: Susana vira a repórter. Quando fui perguntar sobre suas doenças — ela tem leucemia linfocítica crônica e anemia hemolítica autoimune, doenças que não têm cura, mas são controladas — contei que tenho três doenças autoimunes raras e graves. Preocupada, ela quis saber como eu me tratava, anotou no celular os nomes das condições e pesquisou para entender o que eu tinha.
Ela ficou curiosa com um cordão de girassol no meu pescoço. Expliquei, então, que usava para sinalizar que tenho deficiência oculta, e Susana achou interessante ter um para também sinalizar que tem uma condição. Na simplicidade, ofereci o meu sem imaginar que ninguém menos que Susana Vieira aceitaria algo usado e com o meu perfume. Para a minha surpresa, ela aceitou sem titubear, colocou imediatamente no pescoço e, emocionada, agradeceu. O abraço forte e a lágrima das duas coroou o momento. “Isso aqui, a partir de agora, vai ser meu amuleto.”
Susana Vieira é capa de abril da Quem
Igor Melo
Confira, a seguir, o bate-papo com Susana Vieira:
Quem: Você está em cartaz com o monólogo Lady. Como é esse encontro dos ícones da dramaturgia: você e a personagem de Shakespeare?
Susana Vieira: Você acha mesmo que sou um ícone da dramaturgia? Ai, que delícia! Adorei… Sempre tive muita vontade de fazer Shakespeare e há muito tempo queria fazer um espetáculo de Shakespeare, desde que comecei como atriz. Fui me informando, crescendo como atriz. É uma história muito longa, mas vou resumir. Estava num voo enquanto estava em cartaz com A Partilha, lá nos anos 90, e o Diogo Vilela disse que gostaria de me ver vivendo Lady Macbeth. Apesar de eu já ter feito uma peça Romeu e Julieta, em 1960, dirigida por Jô Soares no Teatro Ruth Escobar, isso ficou na minha cabeça. Fiquei com essa obsessão de fazer Shakespeare por todos esses anos.
E como veio a ideia de montar o espetáculo agora, mais de 30 anos depois?
É muito difícil viver da arte do teatro e nunca abandonei os palcos. Sempre estive na televisão e no teatro, nunca abandonei essa arte. Trabalhei nos teatros do Sesc com Ítalo Rossi, Tônia Carrero, com os maiores nomes. Mas teatro desgasta muito. Tem que viajar pelo Brasil, é cansativo. Você monta e desmonta, é tipo um circo. A gente desmonta o circo e bota o circo em pé, aí tira todas as varas e leva a mala. Aí você vai para um lugar que não sabe se tá frio ou se tá quente. Mas é a única forma de o Brasil poder ver um pouco do teatro que está sendo feito em São Paulo e no Rio.
Mas como eu queria muito, decidi enfrentar. Falei com o Edgard [Jordão, o produtor] e ele encomendou a peça. A gente tinha uma ideia, eu tinha feito o meu livro [Senhora do Meu Destino, A Biografia], que é a minha biografia e é muito simpática. É uma história leve, porque não é cheia de segredos e coisas que eu digo, porque jamais cometeria a indelicadeza de falar mal de pessoas públicas e com as quais trabalhei. A peça é isso também. Conta a minha carreira, mas também conta um pouco da história da televisão brasileira. Comecei em 1960, tem gente que nasceu nos anos 2000 e é meu colega de classe. Achei que seria uma coisa boa contar a minha história.
Susana Vieira usa vestido e corset Penha Maia, anel e brincos Jack Vartanian e anel Pandora
Igor Melo
Então aproveita e fala pra gente um pouco da sua história…
Aí eu começo contando que morei por 15 anos em Buenos Aires [Argentina] com os meus pais. Cresci fora do Brasil, na minha juventude, fiz balé, fui professora de balé e comecei a me destacar na TV como bailarina. Eu era uma espécie de pré-Chacrete, dançava para músicas de Maysa Matarazzo e minha dança começou a chamar a atenção. Entrei para a TV e nunca mais saí.
No livro e na peça você fala muito da sua trajetória.
Então, escrevi esse livro mais para ser uma memória para a minha família e para os meus fãs saberem quem foi quem. Falo de todo mundo que amo na televisão, dos meus amigos. Não tenho inimigos e é um livro leve justamente porque não trago mágoas da vida. A vida foi muito maravilhosa comigo. Deu tudo certo até aqui e se algo deu errado, faz parte da vida, é normal. Quem está vivo, minha filha, corre todos os riscos.
Sou uma pessoa leve, engraçada e muito grata por ter tido doenças tão graves e ainda estar em cena com 82 anos de idade
É uma história leve justamente por você estar sempre sorridente? Essa é você no seu íntimo?
Todo mundo acha que sou muito engraçada. Claro que quando estou num compromisso profissional, não fico fazendo piada o tempo todo. Mas, normalmente, sou uma pessoa leve, engraçada e muito grata por ter tido doenças tão graves e ainda estar em cena com 82 anos de idade.
Susana Vieira usa casaco Minha Avó Tinha e casquete Martiliana
Igor Melo
Essa era uma pergunta que eu ia te fazer, mesmo. Tenho três doenças autoimunes e receber o diagnóstico mudou o meu jeito de enxergar a vida. Passei a cuidar mais da minha saúde e comecei a ver valor em coisas mais simples. Como foi para você receber o diagnóstico? Teve alguma mudança de comportamento?
Olha, por incrível que pareça, você sabe que não mudei muito, não comecei a encarar a vida de outro jeito, não. Claro que não é legal você ouvir que tem LLC (Leucemia Linfocítica Crônica), anemia hemolítica autoimune e um câncer no rim. Mas sempre fui muito leve, estava em cartaz com um outro monólogo (Shirley Valentine) e eu amava fazer aquela mulher maravilhosa. Estava viajando com a peça que adorava fazer e isso me deu muita força.
No ano passado, o médico me diagnosticou com o câncer no rim e até o retorno, de um mês para o outro, já tinha crescido meio centímetro. E ele me falou: “Quando você vai operar?”. E eu respondi: “Tenho uma peça para fazer, você vai ter que me esperar”. Me apresentei no fim de semana, ele queria agendar a cirurgia pra segunda-feira e eu falei que não. Resolvi ir pra Disney, porque amo aquele lugar. Porque se eu tiver que morrer, se estiver com câncer, se não puder fazer mais nada, primeiro quero me divertir com a minha família. Levei toda a família que eu podia pra lá. Peguei meus amigos gays, minha assessora, que é como se fosse uma mãe pra mim, meu filho, meus netos e fomos.
Ficamos em uma casa temática lá em Orlando, era um quarto da Disney da Branca de Neve, um quarto de sonhos. Ficamos lá por 15 dias, fui feliz, esqueci de tudo naqueles brinquedos perigosos, e meus netos botando fogo para eu ir naquelas coisas cheias de aventura, muito excitantes e tudo. Eles estavam muito preocupados comigo e me colocaram pra andar naquele carrinho. Menina, aquilo me irritava mais do que outra coisa. Sou muito ativa, gosto de fazer as coisas. Entreguei o carrinho e saí andando por todos os lugares. Meu filho preocupado comigo, falando pra eu ir devagar, meus amigos queriam levar a minha bolsa. Não esperava por nada. Fiz tudo o que eu queria. Estava leve, feliz. Foram 15 dias maravilhosos.
Quando cheguei em casa, no Rio, no domingo, liguei para o médico e falei: “Quando que o senhor quer me operar?” Ele falou: “Amanhã. Você já consegue fazer uma dieta agora? Vamos operar amanhã, então, na segunda”. Me operei no dia 2 de outubro. Meu aniversário foi em agosto, em setembro ainda estava fazendo a peça e fiz a viagem. Me operaram, tive 20 dias de descanso e em dezembro já comecei a gravar coisas para a Globo. Gravei muitos programas, que vão passar agora, no mês de abril. Tive um mês de novembro maravilhoso. Porque eu voltei para a televisão, fazia a tempo que não ia. Aí eu brinco que é a minha escolinha. Levo minha lancheira, meu almoço, adoro meus colegas de recreio. Para mim, aquilo realmente foi muito bom. Consegui fazer daquele ambiente de trabalho o meu ambiente de prazer.
Susana Vieira é a capa de abril da Quem
E o que você gravou para a Globo?
É a história de uma senhora da geração em que nasceu a televisão, ama as novelas, tem loucura para conhecer o Tony Ramos, que é o ator preferido dela, e quer ir conhecer o Projac, que não se chama mais Projac e virou Estúdios Globo hoje em dia, mas ela quer conhecer. Aí ela tem uma neta, a Valentina [Herszage], que fala: “Vou realizar o teu desejo, vó. Vou te levar na Globo, só que a gente não pode entrar”.
O filme, Coisa de Novela*, é uma comédia para comemorar os 60 anos da Globo. Ela tenta entrar, se fantasia, aí elas entram dentro de um caminhão que ia entregar umas frutas lá dentro da Globo. A gente entra escondido e passa a noite inteira na TV, mostrando os estúdios, a grandeza daquilo tudo. É uma forma de o público conhecer os estúdios, os caminhos, os jardins, as roupas, os cenários. As personagens vão entrando nos programas, conhecem o Cauã Reymond, ficam no meio dos figurantes.
*Coisa de Novela é uma fábula que tem como tema central a paixão por telenovelas e como cenário os Estúdios Globo. A comédia é protagonizada por Susana Vieira e Valentina Herszage, recheada de referências a novelas de diferentes épocas e com participações especiais. Na trama, Susana e Valentina são Tereza e Laura, avó e neta. O filme vai ao ar no dia 28/04, na programação especial em homenagem aos 60 anos da TV Globo.
O que significa fazer parte da história da Globo?
Tenho muito orgulho de fazer parte dessa empresa. São 54 anos. Eu criei minha família lá, criei meu filho sozinha. Construí sozinha todo o meu patrimônio. Se tenho cinco imóveis, se meu filho estudou nos melhores colégios, foi graças ao trabalho na TV e no teatro. Sou uma mulher feliz e realizada aos meus quase 83 anos. Tenho energia e vontade de ainda fazer alguma coisa. Muita gente gosta de se aposentar aos 60 anos. Com 60 eu ainda estava com a corda toda.
E, inclusive, era rainha de bateria nessa idade…
Sim, era rainha da bateria de uma escola de samba. Amava estar lá na Grande Rio. Então, tu acha que eu ia me aposentar? Eu atravessava aquilo ovacionada, né? E quando digo que atravessava, que fiz 3 anos de rainha da bateria, é que eu passava sambando e inteira, mesmo. Até que aquilo começou a pesar um pouco. A importância daquilo é muito grande. É um espetáculo, porque você tem que estar consciente de que qualquer erro que você cometa, você prejudica uma escola inteira. É uma responsabilidade.
Não vou ficar fazendo regime para emagrecer e para não ter celulite na minha idade. É isso, a idade avança para todo mundo.
Mas você voltaria a sentir essa adrenalina toda e voltaria como rainha?
Há um preparo físico que não tenho mais, que não vou para a academia todo dia. E também não vou ficar fazendo regime para emagrecer e para não ter celulite na minha idade. É isso, a idade avança para todo mundo. Sou uma pessoa agraciada por Deus e pela genética dos meus pais, que eu mantenho um corpo inadequado para a minha idade. Não é inadequado, vamos dizer. Ele tá é adequadíssimo para eu, Susana, fazer tudo.
Susana Vieira usa chapéu Minha Avó Tinha, brincos Jack Vartanian e casaco acervo do stylist
Igor Melo
Falando em corpo, você sempre recebe elogios nas redes sociais quando posta alguma foto em que aparece de maiô. O que faz para manter o corpo?
É isso que falei da genética dos meus pais, mesmo. Claro que cuido, passo meus cremes. Mas a minha pele é assim, lisinha, por genética. Meu corpo é firme também graças à genética e à memória muscular do balé. Hoje em dia nem faço mais tanta atividade física como antes e meu corpo continua bom. Mas é que sempre fui muito ativa. Mas, sim… sempre tem gente que elogia e diz que não é possível eu estar tão bem.
E os fãs, além dos elogios, amam te encontrar nas ruas, né?
Adoro meus fãs, sempre trato eles muito bem. Sempre sou muito brincalhona e engraçada quando não estou em compromisso profissional e aí brinco com todos eles quando pedem fotos ou vídeos. Amo ser reconhecida e retribuir esse carinho. É bom demais ser reconhecido e amado pelo seu trabalho.
E você também renova o público a cada ano…
É curioso ver que a minha arte continua viva. Virei meme, caí nas graças do público jovem também e, agora, tenho fãs de todas as gerações. Tanto os que me acompanham desde o começo quanto os que passaram a me conhecer depois de trechos de entrevistas e de novelas que viralizam. É muito legal ver que tem adolescentes que me conhecem e que tem gente da minha idade que continua acompanhando o meu trabalho. Isso eu devo às redes sociais.
Virei meme, caí nas graças do público jovem também e, agora, tenho fãs de todas as gerações
Mas você também recebe ataques. Quanto que isso te incomoda?
Olha, não é fácil você ler comentários do tipo: “Nossa, ainda está viva? Pensei que já tinha morrido”, “O que essa velha ainda tá fazendo aqui?”, alguns ataques são bem pesados. No começo, eu rebatia, xingava. Porque é algo que machuca muito. Aí a minha assessora falou pra eu não fazer mais isso, porque você dá mais munição quando responde. Agora, eu apago e bloqueio rápido. Finjo que não leio. Mas chega a ser desumano.
Entrando nessa parte do “desumano”, no monólogo você também comenta a perseguição que sofreu por parte da imprensa e até por alguns colegas de profissão quando se separou. Como foi lidar com esses comentários maldosos sobre a sua vida mesmo antes de existir redes sociais?
Isso foi bem difícil mesmo. Vou te falar a verdade. Nunca dei motivo para falarem nada da minha vida. Sempre fui moral, ética. Nunca fui flagrada bêbada, nunca me viram usando drogas, dando escândalo, saindo com homem casado. Sempre fui uma mulher muito correta, meu pai era muito rígido e me ensinou esse caminho do trabalho, da honestidade, da retidão. Mas aí meu primeiro casamento não deu certo. Eu queria transar, não queria casar. Mas, naquela época, não se fazia amor antes de casar. Daí casei, meu primeiro casamento não deu certo, descobri muita coisa errada. Enfim, nos separamos e fiquei com o nosso filho de 6 anos. De repente, virei a desquitada. Até algumas colegas da TV passaram a me evitar, como se eu fosse roubar o marido delas.
Nos programas sensacionalistas, era como se eu fosse a culpada de tudo. Mas eu precisava continuar trabalhando, cuidando do meu filho. Era nova, precisava me divertir também. Aí era a Susana isso, a Susana aquilo… É que tem gente que gosta de falar, né?
Susana Vieira usa anel Sara Joias
Igor Melo
Você acha que isso pode ter influenciado a algumas pessoas terem uma imagem errada de você?
Acho que muitas pessoas não me conhecem e só me conhecem a parte exterior, a parte do Instagram, a parte das entrevistas que a gente dá, às vezes um certo mau humor, porque as perguntas são muito impertinentes. Mas acho que, por exemplo, essa peça que eu tô fazendo atualmente fala muito de mim, de mim como criança, de mim jovem, de eu ter sido criada fora do Brasil e ter voltado já mocinha para o Rio de Janeiro, para São Paulo. A minha formação no balé clássico. Perdi minha mãe, várias coisas mais delicadas e tristes, e outras que o público não sabe, como a minha experiência em trabalhar na televisão do México.
E o que a Susana que as pessoas não conhecem sente quando vê a família morando nos Estados Unidos há tanto tempo?
Sinto um buraco no peito. Sei que é uma frase feita, mas a gente cria os filhos para o mundo. E, no fim das contas, é isso mesmo. Mas a distância é muito triste. A gente nunca espera ficar longe. Nunca tive um Dia das Mães com o meu filho, infelizmente. Sei que é uma data boba, capitalista, mas recebia mensagens das pessoas e ele não estava perto, aí me sentia mal, me culpava muito porque ficavam buracos. Minha mãe morreu cedo, ajudei a cuidar dos meus irmãos, eles me chamavam de mãe. Mas eu estava sempre trabalhando, sempre tinha muitas novelas para fazer, muitas coisas. E ia ocupando esses espaços com trabalho.
Dei o melhor estudo para o meu filho. Paguei o colégio dele sozinha. Meu salário da Globo ia todo para os estudos dele. Não me sobrava quase nada e era só eu pra sustentar a casa. Não tinha o mesmo salário do meu ex. Então, pra criar ele bem, precisei trabalhar muito e abri mão de muitos momentos com ele. Ia visitar ele só uma vez por ano, porque sempre emendava um trabalho no outro. Acabava sendo engolida com o tanto de trabalho. Mas não me arrependo, porque sempre fui uma mulher forte. Fiz o que tinha que ser feito. E ele virou vice-presidente da Sony, é DJ agora. Fez tudo por mérito dele, conseguiu o emprego porque falava o inglês fluente graças ao colégio que paguei. Mas não é fácil essa distância… fica um buraco enorme, uma falta. Mas sempre tive uma relação muito boa com o meu filho, amo a minha família.
Susana Vieira usa vestido e corset Penha Maia, anel e brincos Jack Vartanian e anel Pandora
Igor Melo
Na nossa conversa, você falou do machismo que sofreu quando se divorciou e agora estávamos falando de família e vivências. Como é viver numa sociedade tão etarista?
É muito difícil como a pessoa vai envelhecendo e vai sendo deixada de lado. É como se a gente virasse um sapato velho, que é jogado fora. Mas a gente é ser humano. Tem coisa para falar, história para viver, cabeça boa para fazer as coisas. Você não pode simplesmente descartar quem é mais velho. Eu tenho sorte de ainda ser muito ativa. De ir e fazer as coisas. Chego na Globo e apresento projetos, faço as minhas peças de teatro. E não faço qualquer coisa, meu amor. Faço monólogo de Shakespeare. Texto dificílimo, mais de uma hora e meia. E fico lá, interagindo com a plateia e fazendo todo mundo rir e se emocionar. Isso com quase 83 anos. Mas por que pra muita gente é como se eu fosse apenas um sapato velho? Você não precisa se desfazer de uma pessoa mais velha. Todo mundo tem pais, avós. Todo mundo, se Deus quiser, vai envelhecer.
Você também viveu relacionamentos conturbados no passado… pode falar disso?
Amor, teve um relacionamento que sempre saía em todos os programas da tarde, em todos os portais, revistas. Eu não sabia que ele me enganava debaixo do meu nariz, acreditava nele. [Susana se refere ao casamento com o ex-policial Marcelo Silva, que morreu em 2008]. Você acredita que eu descobri a traição pelos seus colegas? Menina, fiquei sabendo pela imprensa que estava sendo traída. Nenhum amigo me contou, todo mundo sabia e ninguém me falou nada. Bom, aí a história terminou daquele jeito que você sabe [com a morte dele]. No dia seguinte, peguei meus amigos gays e fomos para o show da Ludmilla. Eu amo funk, na época eu dançava até o chão. Tinha uma jornalista lá e me viu dançando no dia seguinte da morte dele. Claro que dei uma daquelas minhas respostonas, que todo mundo já conhece e a imprensa ainda ficou contra mim.
E você acha que isso aí foi mais um episódio de machismo contra você?
Claro que sim. Ele era muito mais jovem que eu. Toda a imprensa ficou contra mim nesse episódio. Fui exposta, perseguida, só porque ele era mais jovem. Mas sempre fui muito acostumada com esse tipo de gente falando essas coisas de mim.
Na peça, você fala que não sabe morrer em cena… A Fernanda Montenegro diz que a morte é uma constante, diária, a cada segundo. Não é se conformar, é tentar aceitar, porque ela vem. Como você lida com a ideia da morte?
Enquanto você tem uma vida racional, você raciocina, você tem força para fazer as coisas se locomover, é sempre bom viver. Agora em outras circunstâncias deve ser mais difícil. Como ainda tenho condições de decorar, tomar avião, fazer uma peça de teatro, trabalhar na televisão, ainda me sinto bem. Mas tenho medo da morte em qualquer circunstância.
Susana Vieira usa casaco e estola Minha Avó Tinha, casquete Martiliana e anel Sara Joias
Igor Melo
E qual o seu maior medo?
Sem dúvida, doença. Tenho medo de ficar doente.
Tenho um buraco permanente no meu coração que nunca consegui fechar
Qual a sua maior saudade?
Tenho um buraco permanente no meu coração que nunca consegui fechar. Esse buraco é a perda da minha mãe. Eu era muito jovem e ela também. E, então, não consigo conviver com essa realidade. É uma coisa que me dói, é cruel, me incomoda. Faço de tudo para não pensar nisso, mas, em qualquer momento que me sinto frágil ou indefesa, só penso que, se eu tivesse ela, não estaria passando por esse momento.
E a vida amorosa, como está no momento?
No momento, estou solteira, estou tranquila, mais voltada para a minha família. Mas, ao longo da vida, fiz escolhas. Ou você escolhe alguém para te bancar ou a juventude. Aí sempre preferi os mais pobres, porque entre a grana e a idade, acabei ficando com os mais novos (gargalhadas).
À noite, antes de dormir, o que você pede quando reza?
À noite, quando rezo, agradeço o dia que tive e peço, sim, paz para minha casa, para os meus cachorros, saúde para mim, para os meus funcionários, que tudo corra bem no dia seguinte. Agradeço muito tudo que passei no dia de hoje, mesmo que tenha sido coisa ruim, porque eu tô deitada na cama, no escurinho, em paz, deitada. Só posso agradecer.
Susana Vieira usa vestido Roberto Cavalli no The Rentalist, casquete e luvas Minha Avó Tinha e Brincos Lázara Design
Igor Melo
Créditos:
Texto: Juliana Moraes (@julianapink)
Fotografia: Igor Melo (@igoormelo)
Direção criativa: Amauri Neto (@amaurineto_)
Styling: Caio Sobral (@caiosobral)
Beleza: Leo Almeida (@leoalmeidamk)
Set design: Felipe Vieira (@felipsouzas)
Vídeos: Rafael LeForte (@rafaleforte)
Assistência de fotografia: Renato Gonçalves Toso (@_renatogon)
Assistência de styling: Deivid Moraes (@deividmoraeess)
Assistência de beleza: Edgar Cardoso (@edgar_cardoso)
Retoque: Henrique A. Retouch (@henriquebmx2)
Direção geral e produção executiva: Mateus Phyno (@phynocomph_)
Edição: Camila Borowsky (@camila_borowsky)
Design de capa: Manuela Pellegrini (@manupellegrini__)
Assessoria de imprensa: Dany Tavares Comunicação (@danytavarescomunicacao)
Agradecimentos: Teatro Vivo (@teatrovivosp)
Susana Vieira é a capa de abril da Quem
Susana Vieira usa chapéu Minha Avó Tinha, brincos Jack Vartanian e casaco acervo do stylist
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