A sucessão do Papa Francisco, que completou 88 anos em dezembro de 2024 e enfrenta desafios de saúde, é um tema que ganha força no Vaticano. Com 133 cardeais aptos a votar no próximo conclave, a escolha do novo líder da Igreja Católica pode refletir não apenas a continuidade das reformas de Francisco, mas também a capacidade de enfrentar questões controversas que dividem a instituição. Dez cardeais, apontados por especialistas como os mais cotados para assumir o papado, têm suas posições analisadas em temas como bênção a casais homossexuais, celibato opcional, aborto, ordenação de mulheres, comunhão para divorciados, restrição às missas em latim e acolhimento de imigrantes. Este texto mergulha nas visões desses líderes, revelando como suas posturas podem moldar o futuro da Igreja.
O perfil predominante entre os papáveis é de um homem europeu, com cerca de 71 anos, nomeado cardeal por Francisco e com uma abordagem discreta em temas polêmicos. Apesar disso, a diversidade do colégio cardinalício, com maior representação de África, Ásia, América Latina e Oceania, alimenta especulações sobre a possibilidade de um papa não europeu. No entanto, especialistas como o historiador Gian Luca Potestà, da Universidade Católica de Sacro Cuore, em Milão, alertam que a nacionalidade não é o fator decisivo. A escolha tende a priorizar características como espiritualidade, transparência e abertura a riscos, em vez de divisões ideológicas entre progressistas e conservadores.
A análise das posições dos cardeais foi construída com base em pronunciamentos públicos, entrevistas e reportagens especializadas. Em casos onde não há registros claros, suas posturas são classificadas como indefinidas. O que emerges é um cenário de equilíbrio entre continuidade e resistência às mudanças promovidas por Francisco, com nuances que refletem tanto a tradição quanto a necessidade de adaptação da Igreja a um mundo em transformação.
- Jean-Marc Aveline (França): Contrário à bênção de casais homossexuais, defende bênçãos apenas a indivíduos gays. Comparou aborto a crimes graves, como tráfico de drogas.
- Peter Erdő (Hungria): Rejeita comunhão para divorciados recasados com vida sexual ativa e critica bênção a casais gays, enfatizando a tradição cristã.
- Mario Grech (Malta): Favorável à bênção de casais homossexuais e à ordenação de mulheres, vê essas mudanças como parte do dinamismo da Igreja.
O contexto do conclave e os desafios da Igreja
O próximo conclave, que reunirá os 133 cardeais eleitores, será marcado por um colégio mais diverso do que aquele que escolheu Francisco em 2013. A nomeação de cardeais de regiões periféricas por Francisco ampliou a representação de continentes como África e Ásia, mas a Europa ainda mantém influência significativa, com nomes como Pietro Parolin e Matteo Zuppi entre os favoritos. A escolha do novo papa não será apenas uma questão de alinhamento ideológico, mas de capacidade de liderança em um momento de polarização interna e desafios externos, como a queda no número de fiéis em países tradicionalmente católicos e a pressão por maior inclusão.
A Igreja enfrenta dilemas que vão além da sucessão. Questões como a secularização, o avanço de movimentos conservadores e as demandas por maior abertura a minorias desafiam a instituição a encontrar um equilíbrio entre tradição e modernidade. Francisco, ao longo de seu papado, promoveu mudanças como a permissão de comunhão para divorciados em casos específicos e a autorização de bênçãos a casais homossexuais, mas essas decisões geraram resistências. Os papáveis, portanto, precisam navegar entre a continuidade dessas reformas e a necessidade de unir uma Igreja dividida.
A análise das posições dos cardeais revela um espectro de abordagens. Enquanto alguns, como Mario Grech e Joseph Tobin, defendem avanços progressistas, outros, como Jean-Marc Aveline e Peter Erdő, adotam posturas mais conservadoras. A escolha do novo papa dependerá, em grande parte, do momento do conclave, onde os cardeais têm a chance de se conhecer e articular suas visões. Esse processo, segundo especialistas, é menos sobre ideologia e mais sobre a capacidade de inspirar confiança e promover unidade.
Posicionamentos dos papáveis em temas polêmicos
Os dez cardeais cotados para o papado têm visões distintas sobre os temas que dominam o debate na Igreja. Abaixo, uma análise detalhada de suas posturas, com base em declarações públicas e análises do Vaticano:
- Comunhão para divorciados: Juan José Omella e Matteo Zuppi apoiam a decisão de Francisco de acolher divorciados recasados, enquanto Peter Erdő impõe restrições, como a abstinência sexual. Pietro Parolin teve papel ativo na implementação dessa medida em dioceses latino-americanas.
- Aborto: Jean-Marc Aveline e Luis Antonio Tagle comparam o aborto a crimes graves, enquanto Peter Erdő defende acolhida a mulheres arrependidas. Não há registros claros de outros cardeais sobre o tema.
- Celibato opcional: Peter Turkson vê o celibato opcional como solução para a escassez de padres, mas a maioria dos papáveis não se pronunciou publicamente.
- Ordenação de mulheres: Mario Grech e Joseph Tobin defendem maior participação feminina, enquanto Luis Antonio Tagle participou de estudos que rejeitaram equivalência entre ministérios masculino e feminino.
- Bênção a casais homossexuais: Mario Grech, Joseph Tobin e Matteo Zuppi são favoráveis, enquanto Jean-Marc Aveline e Peter Erdő se opõem. Pietro Parolin e Juan José Omella adotam posturas neutras.
- Restrição às missas em latim: Não há registros claros de posicionamentos, exceto a percepção de que cardeais progressistas, como Grech, tendem a apoiar as restrições de Francisco.
- Acolhimento de imigrantes: Joseph Tobin e Matteo Zuppi são defensores ativos dos direitos dos imigrantes, enquanto Pierbattista Pizzaballa promove diálogo inter-religioso em contextos de conflito.
Jean-Marc Aveline: conservadorismo com nuances
Jean-Marc Aveline, cardeal francês de 66 anos, é conhecido por sua postura firme em questões morais. Em 2023, ele liderou um comunicado da conferência episcopal francesa contra a bênção a casais homossexuais, argumentando que apenas indivíduos gays deveriam receber bênçãos. Essa posição reflete uma visão conservadora, alinhada com setores da Igreja que resistem às reformas de Francisco. Em 2024, durante uma homilia, Aveline comparou o aborto a crimes como tráfico de drogas, uma declaração que gerou debate por sua dureza.
Apesar de sua linha conservadora, Aveline é visto como um líder espiritual com forte apelo entre os fiéis franceses. Sua experiência como arcebispo de Marselha, uma cidade multicultural, o colocou em contato com questões de imigração e diálogo inter-religioso, embora ele não tenha se destacado publicamente nesses temas. Sua postura discreta e sua relutância em abordar temas polêmicos diretamente podem ser um trunfo em um conclave que valoriza a prudência.
Peter Erdő: a voz da tradição
Peter Erdő, cardeal húngaro de 72 anos, é uma figura de peso no colégio cardinalício. Ex-presidente da Conferência dos Bispos da Europa, ele é conhecido por sua defesa da doutrina tradicional. Em 2023, Erdő criticou a decisão de permitir comunhão a divorciados recasados, afirmando que a prática só seria aceitável em casos de abstinência sexual. Sua visão sobre a bênção a casais homossexuais também é crítica, com declarações que reforçam a imutabilidade dos ensinamentos cristãos frente às “modas” contemporâneas.
No entanto, Erdő não é um conservador intransigente. Sobre o aborto, ele defende uma abordagem pastoral, acolhendo mulheres que se arrependem, o que demonstra certa flexibilidade. Sua experiência em liderar a Igreja em um país com forte influência secular o torna um candidato preparado para lidar com os desafios da evangelização em contextos adversos.
Mario Grech: o progressista de Malta
Mario Grech, cardeal maltês de 68 anos, é uma das vozes mais progressistas entre os papáveis. Secretário-geral do Sínodo dos Bispos, ele foi um defensor claro da bênção a casais homossexuais, classificando as críticas à decisão como exageradas. Grech também se destaca por sua abertura à ordenação de mulheres, vendo o diaconato feminino como um “aprofundamento natural” da missão da Igreja.
Sua trajetória reflete uma visão de Igreja mais inclusiva, em linha com as reformas de Francisco. Como líder do Sínodo, Grech tem promovido o diálogo e a escuta, o que o torna um candidato atraente para cardeais que buscam um papa capaz de unir diferentes correntes. No entanto, sua postura progressista pode encontrar resistência em setores mais conservadores do colégio cardinalício.
Juan José Omella: equilíbrio e pastoral
Juan José Omella, cardeal espanhol de 79 anos, é uma figura que busca o meio-termo em debates polêmicos. Arcebispo de Barcelona, ele apoiou a decisão de Francisco de acolher divorciados recasados, enfatizando a necessidade de uma Igreja que acompanhe os fiéis em suas realidades específicas. Sobre a bênção a casais homossexuais, Omella adotou uma postura neutra, reconhecendo as diferenças culturais na recepção da medida entre Europa e América Latina.
Omella é respeitado por sua abordagem pastoral e sua capacidade de diálogo com diferentes setores da sociedade. Sua idade avançada, no entanto, pode ser um obstáculo em um conclave que busca um líder para um mandato mais longo. Ainda assim, sua experiência e moderação o colocam como um candidato viável.
Pietro Parolin: o diplomata do Vaticano
Pietro Parolin, cardeal italiano de 70 anos, é frequentemente descrito como o “vice-papa” devido a seu papel como Secretário de Estado do Vaticano. Sua postura diplomática o torna um dos favoritos, com uma habilidade única para evitar polêmicas. Sobre a bênção a casais homossexuais, Parolin fez comentários vagos, pedindo “investigação mais aprofundada” sem se posicionar claramente. Na questão da comunhão para divorciados, ele desempenhou um papel ativo na implementação da medida em dioceses da América Latina.
Parolin combina espiritualidade com uma visão administrativa sólida, o que o torna atraente para cardeais que buscam um líder pragmático. Sua experiência em negociações internacionais, como os acordos com a China, reforça sua imagem de mediador. No entanto, sua relutância em tomar posições firmes pode ser vista como falta de ousadia por alguns eleitores.
Luis Antonio Tagle: o carisma asiático
Luis Antonio Tagle, cardeal filipino de 67 anos, é uma figura carismática e uma das esperanças de um papa não europeu. Conhecido por sua proximidade com os fiéis, Tagle é cuidadoso em temas morais. Ele apoia o público LGBTQIAPN+, criticando comentários hostis de católicos, mas não se manifestou sobre a bênção a casais homossexuais. Sobre o aborto, ele já o comparou a um homicídio, alinhando-se a uma visão conservadora.
Tagle participou de estudos no Vaticano que rejeitaram a equivalência entre ministérios masculino e feminino, o que sugere resistência à ordenação de mulheres. Sua popularidade nas Filipinas e sua habilidade de comunicação o tornam um candidato forte, mas sua relativa inexperiência em questões administrativas pode ser um obstáculo.
Joseph Tobin: o progressista americano
Joseph Tobin, cardeal americano de 72 anos, é uma voz progressista no colégio cardinalício. Arcebispo de Newark, ele é um defensor ferrenho dos direitos dos imigrantes, tendo acompanhado um imigrante sem documentos em uma audiência de deportação em 2017. Tobin também apoia a bênção a casais homossexuais, embora ressalte que isso não altera a doutrina sobre o casamento. Na questão da comunhão para divorciados, ele pede “discernimento” caso a caso, evitando críticas diretas.
Sua defesa da ordenação de mulheres e sua atuação em um país polarizado como os Estados Unidos o tornam um candidato com apelo global, mas sua postura progressista pode enfrentar resistência de cardeais conservadores. Tobin é visto como um líder pastoral, com forte conexão com os fiéis.
Peter Turkson: a perspectiva africana
Peter Turkson, cardeal ganês de 76 anos, é uma figura de destaque na África, com forte atuação humanitária. Ele apoia o celibato opcional como solução para a escassez de padres, uma posição rara entre os papáveis. Sobre a bênção a casais homossexuais, Turkson já endossou declarações contrárias do Vaticano, mas não se pronunciou após a decisão de Francisco. Ele também defendeu que limitar as ordens sagradas aos homens não é discriminação.
Turkson combina uma visão social engajada com uma abordagem tradicional em questões doutrinárias. Sua experiência como presidente do Conselho Nacional de Paz de Gana o credencia como um líder capaz de enfrentar conflitos, mas sua idade pode ser um fator limitante no conclave.
Matteo Zuppi: o mediador italiano
Matteo Zuppi, cardeal italiano de 69 anos, é conhecido por sua moderação e defesa de causas sociais. Arcebispo de Bolonha, ele entrou em conflito com o político italiano Matteo Salvini por sua defesa dos direitos dos imigrantes. Zuppi apoia a bênção a casais homossexuais, descrevendo-a como um “olhar amoroso” da Igreja. Ele também defende a comunhão para divorciados recasados, rejeitando a exigência de castidade imposta por setores conservadores.
Zuppi é visto como um candidato de consenso, capaz de unir progressistas e moderados. Sua atuação na Comunidade de Sant’Egidio, focada em diálogo inter-religioso e ajuda humanitária, reforça sua imagem de líder espiritual e pragmático.
Pierbattista Pizzaballa: o cardeal de Jerusalém
Pierbattista Pizzaballa, cardeal italiano de 59 anos, é o mais jovem entre os papáveis. Patriarca Latino de Jerusalém, ele tem uma trajetória marcada pelo diálogo inter-religioso em uma região de conflitos. Desde 2006, Pizzaballa prioriza a interação com o mundo judaico, exigindo que religiosos em formação aprendam línguas locais, como árabe ou hebraico, para se integrar ao contexto da Terra Santa.
Embora não haja registros claros de suas posições sobre temas como bênção a casais homossexuais ou comunhão para divorciados, sua atuação como mediador em uma região complexa o torna um candidato com apelo único. Sua juventude e experiência em diálogo podem atrair cardeais que buscam um papa com vigor para um mandato longo.
O peso do conclave e a escolha do novo papa
O conclave que escolherá o sucessor de Francisco será um momento de intensa negociação e reflexão. Diferentemente de eleições políticas, o processo é marcado pela espiritualidade e pela busca por um líder que represente a vontade divina. Os cardeais, muitos dos quais não se conhecem, terão no conclave a oportunidade de apresentar suas visões e avaliar os candidatos. Esse momento é crucial, pois, como destaca Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião, os grupos extremistas — tanto progressistas radicais quanto conservadores intransigentes — são minoritários e têm pouca chance de impor suas agendas.
A escolha tende a recair sobre um candidato que combine espiritualidade, transparência e capacidade de liderança. Embora a nacionalidade não seja o fator principal, a diversidade do colégio cardinalício levanta a possibilidade de um papa de fora da Europa, como Luis Antonio Tagle ou Peter Turkson. No entanto, nomes europeus como Pietro Parolin e Matteo Zuppi permanecem fortes devido à sua experiência e proximidade com o Vaticano.
A análise das posturas dos papáveis revela um equilíbrio delicado. Enquanto alguns defendem as reformas de Francisco, outros buscam preservar a tradição. A decisão final dependerá de como os cardeais interpretam os desafios atuais da Igreja, desde a secularização até a necessidade de maior inclusão.
Temas polêmicos e o futuro da Igreja
Os temas abordados pelos papáveis refletem os desafios centrais da Igreja no século XXI. Abaixo, uma síntese dos principais pontos de debate:
- Bênção a casais homossexuais: A decisão de Francisco, anunciada em 2023, marcou um avanço na inclusão do público LGBTQIAPN+, mas enfrenta resistência de cardeais como Aveline e Erdő.
- Comunhão para divorciados: A permissão para que divorciados recasados recebam a comunhão, implementada em 2023, é apoiada por Omella e Zuppi, mas criticada por Erdő.
- Celibato opcional: Turkson é um dos poucos a defender abertamente essa mudança, que poderia atrair mais vocações em regiões com escassez de padres.
- Ordenação de mulheres: Grech e Tobin são favoráveis a maior participação feminina, mas a Igreja ainda resiste a mudanças significativas nesse campo.
- Acolhimento de imigrantes: Tobin e Zuppi destacam-se por sua defesa ativa dos direitos dos imigrantes, um tema sensível em contextos políticos polarizados.
A diversidade do colégio cardinalício
A composição do colégio cardinalício mudou significativamente sob Francisco. Em 2013, a Europa dominava o conclave, mas hoje há uma presença mais equilibrada de cardeais de outros continentes. Dos 133 eleitores, cerca de 40% são europeus, enquanto África, Ásia e América Latina ganharam espaço. Essa diversidade reflete a visão de Francisco de uma Igreja mais global, mas também torna o conclave menos previsível.
A ausência de cardeais de países como Áustria e Irlanda, notada por especialistas, contrasta com a emergência de nomes de regiões como Gana e Filipinas. Essa pluralidade pode influenciar a escolha, mas, como observa Gian Luca Potestà, o critério nacional é secundário. O que importa é a capacidade do candidato de inspirar confiança e liderar uma instituição que enfrenta desafios globais.


O legado de Francisco e a continuidade
Francisco, eleito em 2013, surpreendeu o mundo com sua simplicidade e abertura a reformas. Suas decisões, como a bênção a casais homossexuais e a comunhão para divorciados, marcaram seu papado, mas também geraram tensões. O próximo papa herdará um legado complexo, com a tarefa de manter a unidade da Igreja enquanto responde às demandas de um mundo em mudança.
Os papáveis refletem essa dualidade. Cardeais como Grech e Tobin estão alinhados com a visão progressista de Francisco, enquanto Aveline e Erdő representam a resistência a mudanças rápidas. Parolin e Zuppi, por sua vez, buscam um caminho intermediário, o que os torna candidatos de consenso. A escolha dependerá de como os cardeais avaliam a necessidade de continuidade versus a preservação da tradição.
O papel do conclave na definição do futuro
O conclave é mais do que uma eleição; é um momento de reflexão espiritual e estratégica. Os cardeais, reunidos em segredo, buscam um líder que possa guiar a Igreja em tempos de crise. A escolha de Francisco, um outsider em 2013, mostrou que o processo pode surpreender. Hoje, com um colégio mais diverso e polarizado, o resultado é ainda menos previsível.
A análise dos papáveis sugere que o próximo papa será um líder que combine espiritualidade, prudência e capacidade de diálogo. Nomes como Parolin, Zuppi e Tagle despontam como favoritos, mas a história da Igreja mostra que surpresas são possíveis. O que está em jogo é o futuro de uma instituição milenar, que busca se manter relevante em um mundo cada vez mais complexo.

A sucessão do Papa Francisco, que completou 88 anos em dezembro de 2024 e enfrenta desafios de saúde, é um tema que ganha força no Vaticano. Com 133 cardeais aptos a votar no próximo conclave, a escolha do novo líder da Igreja Católica pode refletir não apenas a continuidade das reformas de Francisco, mas também a capacidade de enfrentar questões controversas que dividem a instituição. Dez cardeais, apontados por especialistas como os mais cotados para assumir o papado, têm suas posições analisadas em temas como bênção a casais homossexuais, celibato opcional, aborto, ordenação de mulheres, comunhão para divorciados, restrição às missas em latim e acolhimento de imigrantes. Este texto mergulha nas visões desses líderes, revelando como suas posturas podem moldar o futuro da Igreja.
O perfil predominante entre os papáveis é de um homem europeu, com cerca de 71 anos, nomeado cardeal por Francisco e com uma abordagem discreta em temas polêmicos. Apesar disso, a diversidade do colégio cardinalício, com maior representação de África, Ásia, América Latina e Oceania, alimenta especulações sobre a possibilidade de um papa não europeu. No entanto, especialistas como o historiador Gian Luca Potestà, da Universidade Católica de Sacro Cuore, em Milão, alertam que a nacionalidade não é o fator decisivo. A escolha tende a priorizar características como espiritualidade, transparência e abertura a riscos, em vez de divisões ideológicas entre progressistas e conservadores.
A análise das posições dos cardeais foi construída com base em pronunciamentos públicos, entrevistas e reportagens especializadas. Em casos onde não há registros claros, suas posturas são classificadas como indefinidas. O que emerges é um cenário de equilíbrio entre continuidade e resistência às mudanças promovidas por Francisco, com nuances que refletem tanto a tradição quanto a necessidade de adaptação da Igreja a um mundo em transformação.
- Jean-Marc Aveline (França): Contrário à bênção de casais homossexuais, defende bênçãos apenas a indivíduos gays. Comparou aborto a crimes graves, como tráfico de drogas.
- Peter Erdő (Hungria): Rejeita comunhão para divorciados recasados com vida sexual ativa e critica bênção a casais gays, enfatizando a tradição cristã.
- Mario Grech (Malta): Favorável à bênção de casais homossexuais e à ordenação de mulheres, vê essas mudanças como parte do dinamismo da Igreja.
O contexto do conclave e os desafios da Igreja
O próximo conclave, que reunirá os 133 cardeais eleitores, será marcado por um colégio mais diverso do que aquele que escolheu Francisco em 2013. A nomeação de cardeais de regiões periféricas por Francisco ampliou a representação de continentes como África e Ásia, mas a Europa ainda mantém influência significativa, com nomes como Pietro Parolin e Matteo Zuppi entre os favoritos. A escolha do novo papa não será apenas uma questão de alinhamento ideológico, mas de capacidade de liderança em um momento de polarização interna e desafios externos, como a queda no número de fiéis em países tradicionalmente católicos e a pressão por maior inclusão.
A Igreja enfrenta dilemas que vão além da sucessão. Questões como a secularização, o avanço de movimentos conservadores e as demandas por maior abertura a minorias desafiam a instituição a encontrar um equilíbrio entre tradição e modernidade. Francisco, ao longo de seu papado, promoveu mudanças como a permissão de comunhão para divorciados em casos específicos e a autorização de bênçãos a casais homossexuais, mas essas decisões geraram resistências. Os papáveis, portanto, precisam navegar entre a continuidade dessas reformas e a necessidade de unir uma Igreja dividida.
A análise das posições dos cardeais revela um espectro de abordagens. Enquanto alguns, como Mario Grech e Joseph Tobin, defendem avanços progressistas, outros, como Jean-Marc Aveline e Peter Erdő, adotam posturas mais conservadoras. A escolha do novo papa dependerá, em grande parte, do momento do conclave, onde os cardeais têm a chance de se conhecer e articular suas visões. Esse processo, segundo especialistas, é menos sobre ideologia e mais sobre a capacidade de inspirar confiança e promover unidade.
Posicionamentos dos papáveis em temas polêmicos
Os dez cardeais cotados para o papado têm visões distintas sobre os temas que dominam o debate na Igreja. Abaixo, uma análise detalhada de suas posturas, com base em declarações públicas e análises do Vaticano:
- Comunhão para divorciados: Juan José Omella e Matteo Zuppi apoiam a decisão de Francisco de acolher divorciados recasados, enquanto Peter Erdő impõe restrições, como a abstinência sexual. Pietro Parolin teve papel ativo na implementação dessa medida em dioceses latino-americanas.
- Aborto: Jean-Marc Aveline e Luis Antonio Tagle comparam o aborto a crimes graves, enquanto Peter Erdő defende acolhida a mulheres arrependidas. Não há registros claros de outros cardeais sobre o tema.
- Celibato opcional: Peter Turkson vê o celibato opcional como solução para a escassez de padres, mas a maioria dos papáveis não se pronunciou publicamente.
- Ordenação de mulheres: Mario Grech e Joseph Tobin defendem maior participação feminina, enquanto Luis Antonio Tagle participou de estudos que rejeitaram equivalência entre ministérios masculino e feminino.
- Bênção a casais homossexuais: Mario Grech, Joseph Tobin e Matteo Zuppi são favoráveis, enquanto Jean-Marc Aveline e Peter Erdő se opõem. Pietro Parolin e Juan José Omella adotam posturas neutras.
- Restrição às missas em latim: Não há registros claros de posicionamentos, exceto a percepção de que cardeais progressistas, como Grech, tendem a apoiar as restrições de Francisco.
- Acolhimento de imigrantes: Joseph Tobin e Matteo Zuppi são defensores ativos dos direitos dos imigrantes, enquanto Pierbattista Pizzaballa promove diálogo inter-religioso em contextos de conflito.
Jean-Marc Aveline: conservadorismo com nuances
Jean-Marc Aveline, cardeal francês de 66 anos, é conhecido por sua postura firme em questões morais. Em 2023, ele liderou um comunicado da conferência episcopal francesa contra a bênção a casais homossexuais, argumentando que apenas indivíduos gays deveriam receber bênçãos. Essa posição reflete uma visão conservadora, alinhada com setores da Igreja que resistem às reformas de Francisco. Em 2024, durante uma homilia, Aveline comparou o aborto a crimes como tráfico de drogas, uma declaração que gerou debate por sua dureza.
Apesar de sua linha conservadora, Aveline é visto como um líder espiritual com forte apelo entre os fiéis franceses. Sua experiência como arcebispo de Marselha, uma cidade multicultural, o colocou em contato com questões de imigração e diálogo inter-religioso, embora ele não tenha se destacado publicamente nesses temas. Sua postura discreta e sua relutância em abordar temas polêmicos diretamente podem ser um trunfo em um conclave que valoriza a prudência.
Peter Erdő: a voz da tradição
Peter Erdő, cardeal húngaro de 72 anos, é uma figura de peso no colégio cardinalício. Ex-presidente da Conferência dos Bispos da Europa, ele é conhecido por sua defesa da doutrina tradicional. Em 2023, Erdő criticou a decisão de permitir comunhão a divorciados recasados, afirmando que a prática só seria aceitável em casos de abstinência sexual. Sua visão sobre a bênção a casais homossexuais também é crítica, com declarações que reforçam a imutabilidade dos ensinamentos cristãos frente às “modas” contemporâneas.
No entanto, Erdő não é um conservador intransigente. Sobre o aborto, ele defende uma abordagem pastoral, acolhendo mulheres que se arrependem, o que demonstra certa flexibilidade. Sua experiência em liderar a Igreja em um país com forte influência secular o torna um candidato preparado para lidar com os desafios da evangelização em contextos adversos.
Mario Grech: o progressista de Malta
Mario Grech, cardeal maltês de 68 anos, é uma das vozes mais progressistas entre os papáveis. Secretário-geral do Sínodo dos Bispos, ele foi um defensor claro da bênção a casais homossexuais, classificando as críticas à decisão como exageradas. Grech também se destaca por sua abertura à ordenação de mulheres, vendo o diaconato feminino como um “aprofundamento natural” da missão da Igreja.
Sua trajetória reflete uma visão de Igreja mais inclusiva, em linha com as reformas de Francisco. Como líder do Sínodo, Grech tem promovido o diálogo e a escuta, o que o torna um candidato atraente para cardeais que buscam um papa capaz de unir diferentes correntes. No entanto, sua postura progressista pode encontrar resistência em setores mais conservadores do colégio cardinalício.
Juan José Omella: equilíbrio e pastoral
Juan José Omella, cardeal espanhol de 79 anos, é uma figura que busca o meio-termo em debates polêmicos. Arcebispo de Barcelona, ele apoiou a decisão de Francisco de acolher divorciados recasados, enfatizando a necessidade de uma Igreja que acompanhe os fiéis em suas realidades específicas. Sobre a bênção a casais homossexuais, Omella adotou uma postura neutra, reconhecendo as diferenças culturais na recepção da medida entre Europa e América Latina.
Omella é respeitado por sua abordagem pastoral e sua capacidade de diálogo com diferentes setores da sociedade. Sua idade avançada, no entanto, pode ser um obstáculo em um conclave que busca um líder para um mandato mais longo. Ainda assim, sua experiência e moderação o colocam como um candidato viável.
Pietro Parolin: o diplomata do Vaticano
Pietro Parolin, cardeal italiano de 70 anos, é frequentemente descrito como o “vice-papa” devido a seu papel como Secretário de Estado do Vaticano. Sua postura diplomática o torna um dos favoritos, com uma habilidade única para evitar polêmicas. Sobre a bênção a casais homossexuais, Parolin fez comentários vagos, pedindo “investigação mais aprofundada” sem se posicionar claramente. Na questão da comunhão para divorciados, ele desempenhou um papel ativo na implementação da medida em dioceses da América Latina.
Parolin combina espiritualidade com uma visão administrativa sólida, o que o torna atraente para cardeais que buscam um líder pragmático. Sua experiência em negociações internacionais, como os acordos com a China, reforça sua imagem de mediador. No entanto, sua relutância em tomar posições firmes pode ser vista como falta de ousadia por alguns eleitores.
Luis Antonio Tagle: o carisma asiático
Luis Antonio Tagle, cardeal filipino de 67 anos, é uma figura carismática e uma das esperanças de um papa não europeu. Conhecido por sua proximidade com os fiéis, Tagle é cuidadoso em temas morais. Ele apoia o público LGBTQIAPN+, criticando comentários hostis de católicos, mas não se manifestou sobre a bênção a casais homossexuais. Sobre o aborto, ele já o comparou a um homicídio, alinhando-se a uma visão conservadora.
Tagle participou de estudos no Vaticano que rejeitaram a equivalência entre ministérios masculino e feminino, o que sugere resistência à ordenação de mulheres. Sua popularidade nas Filipinas e sua habilidade de comunicação o tornam um candidato forte, mas sua relativa inexperiência em questões administrativas pode ser um obstáculo.
Joseph Tobin: o progressista americano
Joseph Tobin, cardeal americano de 72 anos, é uma voz progressista no colégio cardinalício. Arcebispo de Newark, ele é um defensor ferrenho dos direitos dos imigrantes, tendo acompanhado um imigrante sem documentos em uma audiência de deportação em 2017. Tobin também apoia a bênção a casais homossexuais, embora ressalte que isso não altera a doutrina sobre o casamento. Na questão da comunhão para divorciados, ele pede “discernimento” caso a caso, evitando críticas diretas.
Sua defesa da ordenação de mulheres e sua atuação em um país polarizado como os Estados Unidos o tornam um candidato com apelo global, mas sua postura progressista pode enfrentar resistência de cardeais conservadores. Tobin é visto como um líder pastoral, com forte conexão com os fiéis.
Peter Turkson: a perspectiva africana
Peter Turkson, cardeal ganês de 76 anos, é uma figura de destaque na África, com forte atuação humanitária. Ele apoia o celibato opcional como solução para a escassez de padres, uma posição rara entre os papáveis. Sobre a bênção a casais homossexuais, Turkson já endossou declarações contrárias do Vaticano, mas não se pronunciou após a decisão de Francisco. Ele também defendeu que limitar as ordens sagradas aos homens não é discriminação.
Turkson combina uma visão social engajada com uma abordagem tradicional em questões doutrinárias. Sua experiência como presidente do Conselho Nacional de Paz de Gana o credencia como um líder capaz de enfrentar conflitos, mas sua idade pode ser um fator limitante no conclave.
Matteo Zuppi: o mediador italiano
Matteo Zuppi, cardeal italiano de 69 anos, é conhecido por sua moderação e defesa de causas sociais. Arcebispo de Bolonha, ele entrou em conflito com o político italiano Matteo Salvini por sua defesa dos direitos dos imigrantes. Zuppi apoia a bênção a casais homossexuais, descrevendo-a como um “olhar amoroso” da Igreja. Ele também defende a comunhão para divorciados recasados, rejeitando a exigência de castidade imposta por setores conservadores.
Zuppi é visto como um candidato de consenso, capaz de unir progressistas e moderados. Sua atuação na Comunidade de Sant’Egidio, focada em diálogo inter-religioso e ajuda humanitária, reforça sua imagem de líder espiritual e pragmático.
Pierbattista Pizzaballa: o cardeal de Jerusalém
Pierbattista Pizzaballa, cardeal italiano de 59 anos, é o mais jovem entre os papáveis. Patriarca Latino de Jerusalém, ele tem uma trajetória marcada pelo diálogo inter-religioso em uma região de conflitos. Desde 2006, Pizzaballa prioriza a interação com o mundo judaico, exigindo que religiosos em formação aprendam línguas locais, como árabe ou hebraico, para se integrar ao contexto da Terra Santa.
Embora não haja registros claros de suas posições sobre temas como bênção a casais homossexuais ou comunhão para divorciados, sua atuação como mediador em uma região complexa o torna um candidato com apelo único. Sua juventude e experiência em diálogo podem atrair cardeais que buscam um papa com vigor para um mandato longo.
O peso do conclave e a escolha do novo papa
O conclave que escolherá o sucessor de Francisco será um momento de intensa negociação e reflexão. Diferentemente de eleições políticas, o processo é marcado pela espiritualidade e pela busca por um líder que represente a vontade divina. Os cardeais, muitos dos quais não se conhecem, terão no conclave a oportunidade de apresentar suas visões e avaliar os candidatos. Esse momento é crucial, pois, como destaca Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião, os grupos extremistas — tanto progressistas radicais quanto conservadores intransigentes — são minoritários e têm pouca chance de impor suas agendas.
A escolha tende a recair sobre um candidato que combine espiritualidade, transparência e capacidade de liderança. Embora a nacionalidade não seja o fator principal, a diversidade do colégio cardinalício levanta a possibilidade de um papa de fora da Europa, como Luis Antonio Tagle ou Peter Turkson. No entanto, nomes europeus como Pietro Parolin e Matteo Zuppi permanecem fortes devido à sua experiência e proximidade com o Vaticano.
A análise das posturas dos papáveis revela um equilíbrio delicado. Enquanto alguns defendem as reformas de Francisco, outros buscam preservar a tradição. A decisão final dependerá de como os cardeais interpretam os desafios atuais da Igreja, desde a secularização até a necessidade de maior inclusão.
Temas polêmicos e o futuro da Igreja
Os temas abordados pelos papáveis refletem os desafios centrais da Igreja no século XXI. Abaixo, uma síntese dos principais pontos de debate:
- Bênção a casais homossexuais: A decisão de Francisco, anunciada em 2023, marcou um avanço na inclusão do público LGBTQIAPN+, mas enfrenta resistência de cardeais como Aveline e Erdő.
- Comunhão para divorciados: A permissão para que divorciados recasados recebam a comunhão, implementada em 2023, é apoiada por Omella e Zuppi, mas criticada por Erdő.
- Celibato opcional: Turkson é um dos poucos a defender abertamente essa mudança, que poderia atrair mais vocações em regiões com escassez de padres.
- Ordenação de mulheres: Grech e Tobin são favoráveis a maior participação feminina, mas a Igreja ainda resiste a mudanças significativas nesse campo.
- Acolhimento de imigrantes: Tobin e Zuppi destacam-se por sua defesa ativa dos direitos dos imigrantes, um tema sensível em contextos políticos polarizados.
A diversidade do colégio cardinalício
A composição do colégio cardinalício mudou significativamente sob Francisco. Em 2013, a Europa dominava o conclave, mas hoje há uma presença mais equilibrada de cardeais de outros continentes. Dos 133 eleitores, cerca de 40% são europeus, enquanto África, Ásia e América Latina ganharam espaço. Essa diversidade reflete a visão de Francisco de uma Igreja mais global, mas também torna o conclave menos previsível.
A ausência de cardeais de países como Áustria e Irlanda, notada por especialistas, contrasta com a emergência de nomes de regiões como Gana e Filipinas. Essa pluralidade pode influenciar a escolha, mas, como observa Gian Luca Potestà, o critério nacional é secundário. O que importa é a capacidade do candidato de inspirar confiança e liderar uma instituição que enfrenta desafios globais.


O legado de Francisco e a continuidade
Francisco, eleito em 2013, surpreendeu o mundo com sua simplicidade e abertura a reformas. Suas decisões, como a bênção a casais homossexuais e a comunhão para divorciados, marcaram seu papado, mas também geraram tensões. O próximo papa herdará um legado complexo, com a tarefa de manter a unidade da Igreja enquanto responde às demandas de um mundo em mudança.
Os papáveis refletem essa dualidade. Cardeais como Grech e Tobin estão alinhados com a visão progressista de Francisco, enquanto Aveline e Erdő representam a resistência a mudanças rápidas. Parolin e Zuppi, por sua vez, buscam um caminho intermediário, o que os torna candidatos de consenso. A escolha dependerá de como os cardeais avaliam a necessidade de continuidade versus a preservação da tradição.
O papel do conclave na definição do futuro
O conclave é mais do que uma eleição; é um momento de reflexão espiritual e estratégica. Os cardeais, reunidos em segredo, buscam um líder que possa guiar a Igreja em tempos de crise. A escolha de Francisco, um outsider em 2013, mostrou que o processo pode surpreender. Hoje, com um colégio mais diverso e polarizado, o resultado é ainda menos previsível.
A análise dos papáveis sugere que o próximo papa será um líder que combine espiritualidade, prudência e capacidade de diálogo. Nomes como Parolin, Zuppi e Tagle despontam como favoritos, mas a história da Igreja mostra que surpresas são possíveis. O que está em jogo é o futuro de uma instituição milenar, que busca se manter relevante em um mundo cada vez mais complexo.
