A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram uma operação que revelou um esquema de fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com prejuízos estimados em R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024. A investigação, batizada de Operação Sem Desconto, expôs um sistema sofisticado de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas, envolvendo associações de fachada, servidores públicos e até um agente da PF flagrado com US$ 200 mil em dinheiro vivo. O esquema, que lesou milhões de beneficiários, utilizava assinaturas falsificadas para autorizar mensalidades associativas descontadas diretamente na folha de pagamento, muitas vezes sem o conhecimento das vítimas. A operação resultou na demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, no afastamento de outros cinco servidores e na prisão de seis suspeitos ligados a entidades em Sergipe. O caso ganhou destaque após a descoberta de movimentações financeiras atípicas e a identificação de figuras centrais, como o lobista conhecido como “Careca do INSS”.
As investigações começaram em 2023, quando a CGU identificou um aumento expressivo nas reclamações de aposentados sobre descontos não autorizados. Auditorias revelaram que 97,6% de 1.273 beneficiários entrevistados entre abril e julho de 2024 não haviam consentido com as cobranças. As entidades, que prometiam serviços como assistência jurídica, descontos em academias e planos de saúde, muitas vezes não tinham estrutura operacional para cumprir as promessas. A operação, realizada em 13 estados e no Distrito Federal, cumpriu 211 mandados de busca e apreensão, sequestrou bens avaliados em mais de R$ 1 bilhão e bloqueou cerca de R$ 2 bilhões em recursos de associações e pessoas envolvidas. O governo federal anunciou a suspensão de todos os acordos de cooperação técnica (ACTs) com entidades associativas e prometeu ressarcir os valores cobrados indevidamente, com a primeira parcela prevista para a folha de pagamento de junho.
A gravidade do esquema ficou ainda mais evidente com a identificação de servidores públicos e agentes da PF no centro das irregularidades. Philipe Roters Coutinho, agente da PF lotado no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, foi flagrado com US$ 200 mil em dinheiro vivo, além de ter conduzido ilegalmente o procurador do INSS, Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira, e o empresário Danilo Bernt Trento por áreas restritas do aeroporto. A operação também apontou Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, como o principal articulador do esquema, movimentando R$ 53,5 milhões por meio de empresas ligadas às associações. O caso expôs falhas graves na fiscalização do INSS e levantou questionamentos sobre a vulnerabilidade de aposentados, especialmente idosos, a fraudes financeiras.
- Principais pontos da Operação Sem Desconto:
- Prejuízo estimado de R$ 6,3 bilhões em descontos indevidos entre 2019 e 2024.
- Envolvimento de 11 entidades associativas alvos de medidas judiciais.
- Afastamento de seis servidores públicos, incluindo o presidente do INSS.
- Prisão de seis suspeitos ligados a entidades em Sergipe.
- Bloqueio de R$ 2 bilhões em recursos e apreensão de bens de alto valor, como carros de luxo e obras de arte.
Como funcionava o esquema de fraudes no INSS
O esquema de fraudes no INSS operava por meio de associações que firmavam Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o instituto, permitindo descontos automáticos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas. Essas entidades prometiam benefícios como auxílio jurídico, descontos em serviços de saúde e academias, mas, na prática, muitas não tinham estrutura para entregar o que ofereciam. A CGU constatou que 70% das 29 entidades analisadas não apresentaram documentação completa para operar os descontos, e a validação de assinaturas eletrônicas era superficial, muitas vezes baseada na “boa fé” das associações, conforme relatório obtido pela GloboNews.
As mensalidades, que variavam entre R$ 20 e R$ 81,57 por beneficiário, pareciam valores modestos, mas se tornavam extremamente lucrativas devido ao volume de descontos. Em alguns casos, uma única associação chegou a filiar até 1.569 aposentados por hora, considerando um expediente de oito horas diárias por 20 dias úteis. A falta de rigor na fiscalização do INSS, aliada à ausência de validação biométrica robusta, facilitava a falsificação de assinaturas e a inclusão de beneficiários sem consentimento. A operação revelou que, em muitos casos, idosos não sabiam que estavam associados a essas entidades, descobrindo os descontos apenas ao consultar seus contracheques.
A investigação também identificou o uso de “laranjas” e associações de fachada, muitas presididas por pessoas de baixa renda ou idosos, para encobrir os verdadeiros beneficiários do esquema. O lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, apelidado de “Careca do INSS”, foi apontado como um dos principais operadores, articulando repasses financeiros e utilizando empresas para lavar o dinheiro desviado. Sua movimentação financeira, que alcançou R$ 53,5 milhões em poucos meses, chamou a atenção dos investigadores. Além disso, a operação revelou que servidores do INSS recebiam propinas para facilitar a liberação de descontos em massa, comprometendo ainda mais a integridade do sistema previdenciário.
Envolvimento de servidores e agente da PF
A participação de servidores públicos e de um agente da Polícia Federal no esquema chocou as autoridades e a opinião pública. Philipe Roters Coutinho, agente da PF, foi flagrado com US$ 200 mil em dinheiro vivo durante as buscas, levantando suspeitas sobre sua ligação com os desvios. Ele também foi filmado conduzindo Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira, procurador do INSS, e o empresário Danilo Bernt Trento por áreas restritas do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, utilizando uma viatura da PF reservada exclusivamente para uso oficial. As imagens, divulgadas no relatório da PF, mostram os investigados em atitudes que sugerem tentativa de burlar controles de segurança, o que está sob investigação.
Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira, um dos cinco servidores do INSS afastados, teria recebido benefícios financeiros por meio de sua esposa, incluindo um Porsche Taycan avaliado em mais de R$ 500 mil. A PF apurou que empresas ligadas a ele e à esposa movimentaram mais de R$ 11 milhões provenientes de intermediárias do esquema. Outros servidores afastados incluem Giovani Batista Fassarella Spiecker, coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente, Vanderlei Barbosa dos Santos, diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, e Jacimar Fonseca da Silva, coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios. Alessandro Stefanutto, então presidente do INSS, foi demitido após a operação, que revelou sua atuação na liberação de descontos em favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), uma das entidades investigadas.
A operação também expôs a participação de Danilo Bernt Trento, empresário indiciado em 2021 pela CPI da Pandemia por envolvimento em fraudes em licitações. Sua presença no esquema do INSS reforça a suspeita de que o sistema previdenciário foi alvo de uma rede estruturada, com ramificações em diferentes esferas. A PF investiga se as movimentações de Coutinho, incluindo viagens “bate/volta” a Brasília com passagens compradas de última hora, indicam tentativas de coordenar ações ilícitas ou encobrir rastros do esquema.
- Servidores afastados na Operação Sem Desconto:
- Alessandro Stefanutto, ex-presidente do INSS.
- Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, procurador-geral do INSS.
- Giovani Batista Fassarella Spiecker, coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente.
- Vanderlei Barbosa dos Santos, diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão.
- Jacimar Fonseca da Silva, coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios.
- Philipe Roters Coutinho, agente da Polícia Federal.

Cronologia das investigações e ações do governo
As irregularidades no INSS começaram a ser investigadas em 2023, quando a CGU identificou um aumento significativo nos valores descontados para mensalidades associativas, que saltaram de R$ 413 milhões em 2016 para R$ 2,8 bilhões em 2024. A auditoria inicial, finalizada em setembro de 2024, revelou que 97,6% dos aposentados entrevistados não autorizaram os descontos, e a falta de documentação completa por parte das entidades levantou suspeitas de fraude. Em 2024, a PF foi acionada após a CGU encontrar indícios de crimes, resultando na abertura de 12 inquéritos para apurar as irregularidades.
A Operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril de 2025, marcou um ponto de virada no combate ao esquema. Além das prisões e afastamentos, a PF apreendeu carros de luxo, como Ferrari e Rolls Royce avaliados em mais de R$ 15 milhões, joias, obras de arte e dinheiro em espécie. O governo federal reagiu rapidamente, suspendendo todos os ACTs com associações e anunciando a criação de uma força-tarefa para ressarcir os beneficiários lesados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em pronunciamento no dia 30 de abril, determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) processe as entidades responsáveis e garanta a devolução dos valores.
Gilberto Waller Júnior, procurador federal e ex-corregedor da Procuradoria-Geral Federal, foi nomeado como novo presidente do INSS, com a missão de reestruturar o sistema de descontos e fortalecer os mecanismos de fiscalização. A CGU recomendou a adoção de biometria e assinatura eletrônica para validar autorizações, além de auditorias periódicas para evitar novas fraudes. A primeira etapa do ressarcimento, referente aos descontos de maio, está prevista para a folha de pagamento de junho, mas a devolução integral dos valores desviados desde 2019 ainda depende de análises detalhadas.
- Cronologia das principais ações:
- 2023: CGU inicia investigações após aumento nas reclamações de descontos indevidos.
- Setembro de 2024: Auditoria da CGU aponta irregularidades em 97,6% dos casos analisados.
- 23 de abril de 2025: PF e CGU deflagram a Operação Sem Desconto, com prisões e apreensões.
- 30 de abril de 2025: Lula determina ressarcimento e nomeia Gilberto Waller Júnior como presidente do INSS.
- Junho de 2025: Previsão para início do ressarcimento dos descontos de maio.
Impacto nos aposentados e medidas de proteção
Os aposentados e pensionistas do INSS, principais vítimas do esquema, enfrentaram prejuízos financeiros que comprometeram sua qualidade de vida. Com 6 milhões de beneficiários sujeitos a descontos associativos, o número de lesados pode ser significativo, embora o governo ainda não tenha precisado quantos foram efetivamente fraudados. A CGU estima que 15% dos 40 milhões de aposentadorias e pensões em vigor no país tinham algum tipo de desconto, muitas vezes sem o consentimento dos beneficiários. Em alguns municípios, até 60% dos aposentados sofreram cobranças irregulares, segundo a auditoria.
Para proteger os beneficiários, o governo suspendeu todos os descontos associativos e orientou que os aposentados consultem seus extratos no aplicativo Meu INSS ou pela Central 135. A plataforma permite verificar a existência de mensalidades associativas e solicitar a exclusão ou bloqueio de descontos. A CGU também recomendou que os beneficiários registrem reclamações no Portal Consumidor.gov.br ou na Ouvidoria do INSS, por meio da Plataforma Fala BR, para garantir o ressarcimento. As entidades envolvidas, como a Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (CAAP), que realizou 214 descontos irregulares, estão sob escrutínio judicial.
A operação revelou a vulnerabilidade de idosos a fraudes financeiras, especialmente em um contexto de digitalização dos serviços previdenciários. A ausência de validação rigorosa de assinaturas eletrônicas e a falta de campanhas educativas contribuíram para a proliferação do esquema. O governo anunciou a criação de um grupo especial, coordenado pela AGU, para responsabilizar as entidades e recuperar os recursos desviados, além de planejar a reestruturação do sistema de descontos para evitar novos casos.
Entidades investigadas e suas práticas
As 11 entidades alvos de medidas judiciais na Operação Sem Desconto foram responsáveis por grande parte dos descontos indevidos. Entre elas, destacam-se a Universo Associação de Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social (AAPPS Universo), a União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub), a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) e a Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (Adpap Prev, antiga Acolher). A Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (CAAP) liderou o número de descontos irregulares, com 214 casos confirmados pela CGU.
Algumas entidades, como a Unabrasil (antiga Unsbras), admitiram irregularidades, mas alegaram serem vítimas de empresas privadas que captavam associados de forma fraudulenta. Em nota, a Unabrasil afirmou que determinou o ressarcimento em dobro de valores indevidos e suspendeu novas afiliações desde abril de 2024. Outras, como a Associação Brasileira dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Asbrapi/Prevabrap) e a Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap), não responderam às acusações de descontos sem autorização. O Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), ligado à família do presidente Lula por meio de José Ferreira da Silva, conhecido como “Frei Chico”, negou envolvimento em investigações da PF, mas está entre as entidades sob suspeita.
As práticas das entidades incluíam a filiação em massa de aposentados, muitas vezes com documentos falsificados, e a cobrança de mensalidades que variavam de R$ 20 a R$ 81,57. A CGU identificou casos em que um mesmo beneficiário teve descontos autorizados para múltiplas entidades no mesmo dia, evidenciando a falta de controle. A operação também revelou que algumas associações operavam em estados diferentes do domicílio dos associados, dificultando a fiscalização e o acesso a eventuais serviços prometidos.
- Entidades com maior número de descontos irregulares:
- Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (CAAP): 214 descontos.
- Unabrasil (antiga Unsbras): 72 descontos, todos considerados irregulares.
- Asbrapi/Prevabrap: 18 descontos suspeitos.
- Cobap: 17 descontos sem autorização.
- Sindiapi/UGT: 16 descontos irregulares.
Falhas estruturais e desafios para o INSS
A Operação Sem Desconto expôs falhas estruturais no sistema de gestão do INSS, que facilitaram a proliferação do esquema. A ausência de validação rigorosa de assinaturas eletrônicas foi um dos principais pontos de vulnerabilidade. Em uma reunião em junho de 2024, representantes do INSS e da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) admitiram não ter capacidade técnica para verificar a validade das assinaturas digitais, confiando na “fé pública” das associações. Essa fragilidade permitiu a falsificação em larga escala e a inclusão de beneficiários sem consentimento.
Outro problema identificado foi a falta de fiscalização periódica dos Acordos de Cooperação Técnica. Embora uma Medida Provisória de 2019 tenha tentado regulamentar os descontos associativos, o Congresso derrubou as normas em 2022, após pressão do setor, o que ampliou a janela para fraudes. A CGU constatou que o número de entidades com ACTs cresceu significativamente a partir de 2022, assim como os valores descontados, que triplicaram em dois anos. A operação também revelou a omissão de autoridades em agir rapidamente, já que o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, foi alertado sobre as irregularidades em 2023, mas levou quase um ano para tomar providências.
A reestruturação do INSS enfrenta desafios complexos, incluindo a modernização dos sistemas de validação, a capacitação de servidores e a implementação de auditorias regulares. A nomeação de Gilberto Waller Júnior como presidente do instituto é vista como um passo para fortalecer a governança, mas especialistas apontam que a recuperação da confiança dos beneficiários exigirá transparência e agilidade no ressarcimento. O governo planeja investir em campanhas educativas para orientar aposentados sobre como verificar descontos e denunciar irregularidades, além de reforçar a segurança digital do Meu INSS.
Repercussão e medidas futuras
A revelação do esquema de fraudes no INSS gerou indignação entre aposentados e pensionistas, que se sentiram traídos por um sistema que deveria protegê-los. A operação também provocou um mal-estar político, com pressão para que o ministro Carlos Lupi deixasse o cargo devido à demora em agir contra as irregularidades. O envolvimento de figuras próximas ao governo, como José Ferreira da Silva, irmão do presidente Lula, intensificou o escrutínio sobre a gestão do INSS. Apesar de o Sindnapi negar envolvimento em investigações, a presença de “Frei Chico” na direção da entidade levantou debates sobre possíveis conflitos de interesse.
O governo federal anunciou a criação de uma força-tarefa envolvendo a CGU, a AGU e o INSS para garantir o ressarcimento dos valores desviados e responsabilizar as entidades envolvidas. A Advocacia-Geral da União está preparando ações judiciais contra as associações, buscando não apenas a devolução dos recursos, mas também a aplicação de multas e sanções. A PF, por sua vez, continua analisando celulares e computadores apreendidos, com o objetivo de mapear a extensão do esquema e identificar outros envolvidos. A operação também motivou discussões no Congresso sobre a necessidade de uma legislação mais rígida para regular os descontos associativos.
A longo prazo, o governo planeja implementar um sistema de validação biométrica para autorizações de descontos, além de criar um canal direto para denúncias de fraudes. A CGU recomendou auditorias anuais nos ACTs e a revisão dos contratos existentes, para garantir que apenas entidades idôneas operem com o INSS. Enquanto as investigações avançam, os aposentados aguardam a devolução dos valores, com a expectativa de que o caso marque um ponto de inflexão na proteção dos direitos previdenciários.
- Medidas anunciadas pelo governo:
- Suspensão de todos os Acordos de Cooperação Técnica com associações.
- Criação de uma força-tarefa para ressarcimento dos beneficiários.
- Nomeação de Gilberto Waller Júnior como presidente do INSS.
- Implementação de biometria e assinatura eletrônica para validação de descontos.
- Ações judiciais contra entidades fraudulentas coordenadas pela AGU.

A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram uma operação que revelou um esquema de fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com prejuízos estimados em R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024. A investigação, batizada de Operação Sem Desconto, expôs um sistema sofisticado de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas, envolvendo associações de fachada, servidores públicos e até um agente da PF flagrado com US$ 200 mil em dinheiro vivo. O esquema, que lesou milhões de beneficiários, utilizava assinaturas falsificadas para autorizar mensalidades associativas descontadas diretamente na folha de pagamento, muitas vezes sem o conhecimento das vítimas. A operação resultou na demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, no afastamento de outros cinco servidores e na prisão de seis suspeitos ligados a entidades em Sergipe. O caso ganhou destaque após a descoberta de movimentações financeiras atípicas e a identificação de figuras centrais, como o lobista conhecido como “Careca do INSS”.
As investigações começaram em 2023, quando a CGU identificou um aumento expressivo nas reclamações de aposentados sobre descontos não autorizados. Auditorias revelaram que 97,6% de 1.273 beneficiários entrevistados entre abril e julho de 2024 não haviam consentido com as cobranças. As entidades, que prometiam serviços como assistência jurídica, descontos em academias e planos de saúde, muitas vezes não tinham estrutura operacional para cumprir as promessas. A operação, realizada em 13 estados e no Distrito Federal, cumpriu 211 mandados de busca e apreensão, sequestrou bens avaliados em mais de R$ 1 bilhão e bloqueou cerca de R$ 2 bilhões em recursos de associações e pessoas envolvidas. O governo federal anunciou a suspensão de todos os acordos de cooperação técnica (ACTs) com entidades associativas e prometeu ressarcir os valores cobrados indevidamente, com a primeira parcela prevista para a folha de pagamento de junho.
A gravidade do esquema ficou ainda mais evidente com a identificação de servidores públicos e agentes da PF no centro das irregularidades. Philipe Roters Coutinho, agente da PF lotado no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, foi flagrado com US$ 200 mil em dinheiro vivo, além de ter conduzido ilegalmente o procurador do INSS, Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira, e o empresário Danilo Bernt Trento por áreas restritas do aeroporto. A operação também apontou Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, como o principal articulador do esquema, movimentando R$ 53,5 milhões por meio de empresas ligadas às associações. O caso expôs falhas graves na fiscalização do INSS e levantou questionamentos sobre a vulnerabilidade de aposentados, especialmente idosos, a fraudes financeiras.
- Principais pontos da Operação Sem Desconto:
- Prejuízo estimado de R$ 6,3 bilhões em descontos indevidos entre 2019 e 2024.
- Envolvimento de 11 entidades associativas alvos de medidas judiciais.
- Afastamento de seis servidores públicos, incluindo o presidente do INSS.
- Prisão de seis suspeitos ligados a entidades em Sergipe.
- Bloqueio de R$ 2 bilhões em recursos e apreensão de bens de alto valor, como carros de luxo e obras de arte.
Como funcionava o esquema de fraudes no INSS
O esquema de fraudes no INSS operava por meio de associações que firmavam Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o instituto, permitindo descontos automáticos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas. Essas entidades prometiam benefícios como auxílio jurídico, descontos em serviços de saúde e academias, mas, na prática, muitas não tinham estrutura para entregar o que ofereciam. A CGU constatou que 70% das 29 entidades analisadas não apresentaram documentação completa para operar os descontos, e a validação de assinaturas eletrônicas era superficial, muitas vezes baseada na “boa fé” das associações, conforme relatório obtido pela GloboNews.
As mensalidades, que variavam entre R$ 20 e R$ 81,57 por beneficiário, pareciam valores modestos, mas se tornavam extremamente lucrativas devido ao volume de descontos. Em alguns casos, uma única associação chegou a filiar até 1.569 aposentados por hora, considerando um expediente de oito horas diárias por 20 dias úteis. A falta de rigor na fiscalização do INSS, aliada à ausência de validação biométrica robusta, facilitava a falsificação de assinaturas e a inclusão de beneficiários sem consentimento. A operação revelou que, em muitos casos, idosos não sabiam que estavam associados a essas entidades, descobrindo os descontos apenas ao consultar seus contracheques.
A investigação também identificou o uso de “laranjas” e associações de fachada, muitas presididas por pessoas de baixa renda ou idosos, para encobrir os verdadeiros beneficiários do esquema. O lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, apelidado de “Careca do INSS”, foi apontado como um dos principais operadores, articulando repasses financeiros e utilizando empresas para lavar o dinheiro desviado. Sua movimentação financeira, que alcançou R$ 53,5 milhões em poucos meses, chamou a atenção dos investigadores. Além disso, a operação revelou que servidores do INSS recebiam propinas para facilitar a liberação de descontos em massa, comprometendo ainda mais a integridade do sistema previdenciário.
Envolvimento de servidores e agente da PF
A participação de servidores públicos e de um agente da Polícia Federal no esquema chocou as autoridades e a opinião pública. Philipe Roters Coutinho, agente da PF, foi flagrado com US$ 200 mil em dinheiro vivo durante as buscas, levantando suspeitas sobre sua ligação com os desvios. Ele também foi filmado conduzindo Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira, procurador do INSS, e o empresário Danilo Bernt Trento por áreas restritas do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, utilizando uma viatura da PF reservada exclusivamente para uso oficial. As imagens, divulgadas no relatório da PF, mostram os investigados em atitudes que sugerem tentativa de burlar controles de segurança, o que está sob investigação.
Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira, um dos cinco servidores do INSS afastados, teria recebido benefícios financeiros por meio de sua esposa, incluindo um Porsche Taycan avaliado em mais de R$ 500 mil. A PF apurou que empresas ligadas a ele e à esposa movimentaram mais de R$ 11 milhões provenientes de intermediárias do esquema. Outros servidores afastados incluem Giovani Batista Fassarella Spiecker, coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente, Vanderlei Barbosa dos Santos, diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, e Jacimar Fonseca da Silva, coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios. Alessandro Stefanutto, então presidente do INSS, foi demitido após a operação, que revelou sua atuação na liberação de descontos em favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), uma das entidades investigadas.
A operação também expôs a participação de Danilo Bernt Trento, empresário indiciado em 2021 pela CPI da Pandemia por envolvimento em fraudes em licitações. Sua presença no esquema do INSS reforça a suspeita de que o sistema previdenciário foi alvo de uma rede estruturada, com ramificações em diferentes esferas. A PF investiga se as movimentações de Coutinho, incluindo viagens “bate/volta” a Brasília com passagens compradas de última hora, indicam tentativas de coordenar ações ilícitas ou encobrir rastros do esquema.
- Servidores afastados na Operação Sem Desconto:
- Alessandro Stefanutto, ex-presidente do INSS.
- Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, procurador-geral do INSS.
- Giovani Batista Fassarella Spiecker, coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente.
- Vanderlei Barbosa dos Santos, diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão.
- Jacimar Fonseca da Silva, coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios.
- Philipe Roters Coutinho, agente da Polícia Federal.

Cronologia das investigações e ações do governo
As irregularidades no INSS começaram a ser investigadas em 2023, quando a CGU identificou um aumento significativo nos valores descontados para mensalidades associativas, que saltaram de R$ 413 milhões em 2016 para R$ 2,8 bilhões em 2024. A auditoria inicial, finalizada em setembro de 2024, revelou que 97,6% dos aposentados entrevistados não autorizaram os descontos, e a falta de documentação completa por parte das entidades levantou suspeitas de fraude. Em 2024, a PF foi acionada após a CGU encontrar indícios de crimes, resultando na abertura de 12 inquéritos para apurar as irregularidades.
A Operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril de 2025, marcou um ponto de virada no combate ao esquema. Além das prisões e afastamentos, a PF apreendeu carros de luxo, como Ferrari e Rolls Royce avaliados em mais de R$ 15 milhões, joias, obras de arte e dinheiro em espécie. O governo federal reagiu rapidamente, suspendendo todos os ACTs com associações e anunciando a criação de uma força-tarefa para ressarcir os beneficiários lesados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em pronunciamento no dia 30 de abril, determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) processe as entidades responsáveis e garanta a devolução dos valores.
Gilberto Waller Júnior, procurador federal e ex-corregedor da Procuradoria-Geral Federal, foi nomeado como novo presidente do INSS, com a missão de reestruturar o sistema de descontos e fortalecer os mecanismos de fiscalização. A CGU recomendou a adoção de biometria e assinatura eletrônica para validar autorizações, além de auditorias periódicas para evitar novas fraudes. A primeira etapa do ressarcimento, referente aos descontos de maio, está prevista para a folha de pagamento de junho, mas a devolução integral dos valores desviados desde 2019 ainda depende de análises detalhadas.
- Cronologia das principais ações:
- 2023: CGU inicia investigações após aumento nas reclamações de descontos indevidos.
- Setembro de 2024: Auditoria da CGU aponta irregularidades em 97,6% dos casos analisados.
- 23 de abril de 2025: PF e CGU deflagram a Operação Sem Desconto, com prisões e apreensões.
- 30 de abril de 2025: Lula determina ressarcimento e nomeia Gilberto Waller Júnior como presidente do INSS.
- Junho de 2025: Previsão para início do ressarcimento dos descontos de maio.
Impacto nos aposentados e medidas de proteção
Os aposentados e pensionistas do INSS, principais vítimas do esquema, enfrentaram prejuízos financeiros que comprometeram sua qualidade de vida. Com 6 milhões de beneficiários sujeitos a descontos associativos, o número de lesados pode ser significativo, embora o governo ainda não tenha precisado quantos foram efetivamente fraudados. A CGU estima que 15% dos 40 milhões de aposentadorias e pensões em vigor no país tinham algum tipo de desconto, muitas vezes sem o consentimento dos beneficiários. Em alguns municípios, até 60% dos aposentados sofreram cobranças irregulares, segundo a auditoria.
Para proteger os beneficiários, o governo suspendeu todos os descontos associativos e orientou que os aposentados consultem seus extratos no aplicativo Meu INSS ou pela Central 135. A plataforma permite verificar a existência de mensalidades associativas e solicitar a exclusão ou bloqueio de descontos. A CGU também recomendou que os beneficiários registrem reclamações no Portal Consumidor.gov.br ou na Ouvidoria do INSS, por meio da Plataforma Fala BR, para garantir o ressarcimento. As entidades envolvidas, como a Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (CAAP), que realizou 214 descontos irregulares, estão sob escrutínio judicial.
A operação revelou a vulnerabilidade de idosos a fraudes financeiras, especialmente em um contexto de digitalização dos serviços previdenciários. A ausência de validação rigorosa de assinaturas eletrônicas e a falta de campanhas educativas contribuíram para a proliferação do esquema. O governo anunciou a criação de um grupo especial, coordenado pela AGU, para responsabilizar as entidades e recuperar os recursos desviados, além de planejar a reestruturação do sistema de descontos para evitar novos casos.
Entidades investigadas e suas práticas
As 11 entidades alvos de medidas judiciais na Operação Sem Desconto foram responsáveis por grande parte dos descontos indevidos. Entre elas, destacam-se a Universo Associação de Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social (AAPPS Universo), a União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub), a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) e a Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (Adpap Prev, antiga Acolher). A Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (CAAP) liderou o número de descontos irregulares, com 214 casos confirmados pela CGU.
Algumas entidades, como a Unabrasil (antiga Unsbras), admitiram irregularidades, mas alegaram serem vítimas de empresas privadas que captavam associados de forma fraudulenta. Em nota, a Unabrasil afirmou que determinou o ressarcimento em dobro de valores indevidos e suspendeu novas afiliações desde abril de 2024. Outras, como a Associação Brasileira dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Asbrapi/Prevabrap) e a Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap), não responderam às acusações de descontos sem autorização. O Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), ligado à família do presidente Lula por meio de José Ferreira da Silva, conhecido como “Frei Chico”, negou envolvimento em investigações da PF, mas está entre as entidades sob suspeita.
As práticas das entidades incluíam a filiação em massa de aposentados, muitas vezes com documentos falsificados, e a cobrança de mensalidades que variavam de R$ 20 a R$ 81,57. A CGU identificou casos em que um mesmo beneficiário teve descontos autorizados para múltiplas entidades no mesmo dia, evidenciando a falta de controle. A operação também revelou que algumas associações operavam em estados diferentes do domicílio dos associados, dificultando a fiscalização e o acesso a eventuais serviços prometidos.
- Entidades com maior número de descontos irregulares:
- Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (CAAP): 214 descontos.
- Unabrasil (antiga Unsbras): 72 descontos, todos considerados irregulares.
- Asbrapi/Prevabrap: 18 descontos suspeitos.
- Cobap: 17 descontos sem autorização.
- Sindiapi/UGT: 16 descontos irregulares.
Falhas estruturais e desafios para o INSS
A Operação Sem Desconto expôs falhas estruturais no sistema de gestão do INSS, que facilitaram a proliferação do esquema. A ausência de validação rigorosa de assinaturas eletrônicas foi um dos principais pontos de vulnerabilidade. Em uma reunião em junho de 2024, representantes do INSS e da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) admitiram não ter capacidade técnica para verificar a validade das assinaturas digitais, confiando na “fé pública” das associações. Essa fragilidade permitiu a falsificação em larga escala e a inclusão de beneficiários sem consentimento.
Outro problema identificado foi a falta de fiscalização periódica dos Acordos de Cooperação Técnica. Embora uma Medida Provisória de 2019 tenha tentado regulamentar os descontos associativos, o Congresso derrubou as normas em 2022, após pressão do setor, o que ampliou a janela para fraudes. A CGU constatou que o número de entidades com ACTs cresceu significativamente a partir de 2022, assim como os valores descontados, que triplicaram em dois anos. A operação também revelou a omissão de autoridades em agir rapidamente, já que o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, foi alertado sobre as irregularidades em 2023, mas levou quase um ano para tomar providências.
A reestruturação do INSS enfrenta desafios complexos, incluindo a modernização dos sistemas de validação, a capacitação de servidores e a implementação de auditorias regulares. A nomeação de Gilberto Waller Júnior como presidente do instituto é vista como um passo para fortalecer a governança, mas especialistas apontam que a recuperação da confiança dos beneficiários exigirá transparência e agilidade no ressarcimento. O governo planeja investir em campanhas educativas para orientar aposentados sobre como verificar descontos e denunciar irregularidades, além de reforçar a segurança digital do Meu INSS.
Repercussão e medidas futuras
A revelação do esquema de fraudes no INSS gerou indignação entre aposentados e pensionistas, que se sentiram traídos por um sistema que deveria protegê-los. A operação também provocou um mal-estar político, com pressão para que o ministro Carlos Lupi deixasse o cargo devido à demora em agir contra as irregularidades. O envolvimento de figuras próximas ao governo, como José Ferreira da Silva, irmão do presidente Lula, intensificou o escrutínio sobre a gestão do INSS. Apesar de o Sindnapi negar envolvimento em investigações, a presença de “Frei Chico” na direção da entidade levantou debates sobre possíveis conflitos de interesse.
O governo federal anunciou a criação de uma força-tarefa envolvendo a CGU, a AGU e o INSS para garantir o ressarcimento dos valores desviados e responsabilizar as entidades envolvidas. A Advocacia-Geral da União está preparando ações judiciais contra as associações, buscando não apenas a devolução dos recursos, mas também a aplicação de multas e sanções. A PF, por sua vez, continua analisando celulares e computadores apreendidos, com o objetivo de mapear a extensão do esquema e identificar outros envolvidos. A operação também motivou discussões no Congresso sobre a necessidade de uma legislação mais rígida para regular os descontos associativos.
A longo prazo, o governo planeja implementar um sistema de validação biométrica para autorizações de descontos, além de criar um canal direto para denúncias de fraudes. A CGU recomendou auditorias anuais nos ACTs e a revisão dos contratos existentes, para garantir que apenas entidades idôneas operem com o INSS. Enquanto as investigações avançam, os aposentados aguardam a devolução dos valores, com a expectativa de que o caso marque um ponto de inflexão na proteção dos direitos previdenciários.
- Medidas anunciadas pelo governo:
- Suspensão de todos os Acordos de Cooperação Técnica com associações.
- Criação de uma força-tarefa para ressarcimento dos beneficiários.
- Nomeação de Gilberto Waller Júnior como presidente do INSS.
- Implementação de biometria e assinatura eletrônica para validação de descontos.
- Ações judiciais contra entidades fraudulentas coordenadas pela AGU.
