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7 May 2025, Wed


As estradas têm um efeito devastador para os ecossistemas na amazônia, servindo como porta de entrada para desmatamento, incêndios e muitos outros tipos de degradação. Portanto, para garantir a preservação das matas, é importante conter a expansão dessas rotas floresta adentro.

O alerta é de um dos principais nomes da ecologia e dos estudos de conservação no planeta: William F. Laurance, mais conhecido como Bill Laurance, 67, professor da Universidade James Cook, na Austrália, e autor de mais de 800 artigos, entre publicações acadêmicas e obras de divulgação científica.

Um dos pioneiros nos estudos sobre os impactos do desmatamento e da degradação da floresta amazônica, Laurance, que fala português e já viveu por alguns anos em Manaus, retorna agora ao país para participar da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciência, que acontece até esta quinta (8) no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

Em conversa com a Folha antes do evento, o pesquisador, que também tem uma longa trajetória na divulgação científica e nas ações em defesa da conservação da floresta, defendeu o combate a “projetos de infraestrutura mal planejados” na amazônia, incluindo “usinas hidrelétricas, grandes minas e todos os tipos de projetos de combustíveis fósseis”.

O senhor estará no Brasil para uma aula magna sobre a amazônia. Quais são os principais problemas a serem abordados?

Eu vou falar sobre como o uso da terra pelos humanos e as mudanças climáticas, juntos, estão afetando as florestas de muitas formas. Em termos de estrutura, de biodiversidade e do que chamamos de serviços ecossistêmicos, como o armazenamento de carbono, os benefícios climáticos e a estabilização da erosão do solo.

O foco geral será mostrar como essas ameaças estão se manifestando na amazônia, onde a floresta recebe múltiplas “pancadas” ambientais ao mesmo tempo: fragmentação da cobertura florestal, incêndios, caça, perda de biodiversidade, entre muitas outras coisas.

O senhor tem uma série de trabalhos mostrando os efeitos nocivos das estradas na amazônia. Que danos elas provocam?

Quando se constrói uma estrada, geralmente surgem muitas outras estradas secundárias. Então, temos destruição florestal, muitos incêndios, extração legal e ilegal de madeira, mineração ilegal, caça ilegal em muitas áreas, entre outras coisas.

As estradas abrem a floresta, é exploração por todos os lados, e nós já publicamos alguns trabalhos mostrando isso. Mas há um dado estatístico que me deixou completamente chocado. Analisamos três grandes áreas de floresta tropical no mundo, e vimos que é na amazônia brasileira que as estradas têm mais impactos.

E por que isso acontece?

Quando uma primeira estrada é construída, seja pelo governo, por uma madeireira ou mineradora, o que frequentemente acontece é que logo depois começam a surgir estradas secundárias, muitas delas ilegais, informais, sem regulamentação ou controle ambiental.

Estudamos um conjunto de rodovias no mundo todo, incluindo no Brasil, e descobrimos que as estradas secundárias causam muito mais destruição florestal do que aquela primeira estrada.

Vimos que o problema da proliferação de estradas secundárias e da destruição associada é muito pior na amazônia do que em qualquer outro lugar. E aqui vai um dado: se olharmos quanta destruição florestal é causada pela primeira estrada que entra numa área —digamos que seja uma estrada legal— e compararmos com a quantidade de desmatamento associada às estradas secundárias, o resultado é chocante.

Na bacia amazônica, há em média 305 vezes mais destruição florestal. É um número impressionante.

Não temos certeza absoluta do motivo. Pode ter a ver com a topografia plana, ou talvez com a vastidão da fronteira amazônica e o grau de ilegalidade. Explicar exatamente por que isso acontece é difícil, mas o que está claro é que, se você constrói estradas na amazônia, o impacto é absolutamente devastador.

Atualmente quais são as ameaças mais significativas às florestas tropicais?

Acho que são as mudanças no uso da terra. Ainda que a questão das mudanças climáticas com certeza vá se agravar no futuro, neste momento, o que estamos vendo são os impactos destrutivos das mudanças no uso da terra.

Aqui estamos falando de tudo, desde a fragmentação de habitats até a extração de madeira e todos os tipos de usos da terra que podem realmente impactar a floresta de muitas maneiras diferentes.

Em segundo lugar, há a questão de espécies exóticas e de doenças. Por exemplo, neste momento, já perdemos mais de 200 espécies de anfíbios apenas por causa de um fungo horrível que está se espalhando pelo mundo todo. Depois, eu colocaria a mudança climática, mas com a ressalva de que a situação está ficando cada vez pior.

Se você tem uma área de floresta, a melhor coisa que você pode fazer por ela, para torná-la resiliente e capaz de sobreviver a um futuro com muitas adversidades, é minimizar as ameaças relacionadas ao uso da terra, como a fragmentação e o desmatamento.

E quais seriam estratégias promissoras para a preservação?

Combater as estradas e combater projetos de infraestrutura mal planejados. Com isso queremos dizer coisas como usinas hidrelétricas, grandes minas e todos os tipos de projetos de combustíveis fósseis.

A estrada é o ponto crítico. Se conseguirmos manter as estradas fora, temos uma chance real de tentar salvar essas florestas. Se não for esse o caso, deveria haver um monitoramento e controle absolutamente rigorosos, mas isso é completamente irrealista. O Ibama não tem, nem de longe, o número de funcionários em campo que precisaria. Sem contar que o governo Bolsonaro mandou embora algumas pessoas realmente muito boas, além de ter causado muitos danos.

Mas o Brasil já teve muito bons resultados com o aumento da fiscalização. Os maiores fatores foram programas governamentais. Os sistemas de monitoramento por satélite Prodes e Deter, por exemplo. E quando realmente começaram a aplicar multas de verdade e impor algumas penas de prisão, como não se fazia, o desmatamento ilegal começou a cair.

O Brasil ainda discute mais projetos de infraestrutura e de exploração de óleo e gás na bacia Foz do Amazonas. Que riscos isso poderia trazer?

Isso tudo vai ter impactos massivos. Nós publicamos um artigo na revista Science, faz bastante tempo, em 2001, analisando o que seria da amazônia brasileira se todos os projetos do governo daquela época fossem adiante.

Havia então um grande programa nacional chamado Avança Brasil. Eram cerca de US$ 40 bilhões (cerca de R$ 229 bilhões), o que naquela época era muito dinheiro, em projetos de infraestrutura planejados.

Basicamente, analisamos o que aconteceria se tudo aquilo fosse implementado. O resultado foi um mapa com um aspecto realmente horrível, que viralizou no mundo antes mesmo de “viralizar” ser uma palavra.

O que mostramos foi que a amazônia é extremamente propensa à fragmentação e perturbação em larga escala. E acho que isso chocou muita gente. Elas pensavam que a amazônia ia ser corroída aos poucos pelas bordas —e de fato está sendo— mas esses projetos que penetram no interior, bem no coração da bacia, são o que está fragmentando a região.

Sabemos que esses fragmentos de floresta são muito mais vulneráveis à extração predatória de madeira, à caça ilegal, à mineração ilegal, aos incêndios causados pelas mudanças climáticas. Então, queremos manter a floresta intacta. Esse é o objetivo.


RAIO-X

William F. Laurance, 67

Diretor do Centro de Ciência Ambiental Tropical e Sustentabilidade na Universidade James, na Austrália, nasceu nos EUA e cresceu no estado do Oregon. É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Suas pesquisas abordam temas como impactos das mudanças no uso da terra, fragmentação das florestas e o desmatamento, além de questões ligadas à biodiversidade e conservação.

As estradas têm um efeito devastador para os ecossistemas na amazônia, servindo como porta de entrada para desmatamento, incêndios e muitos outros tipos de degradação. Portanto, para garantir a preservação das matas, é importante conter a expansão dessas rotas floresta adentro.

O alerta é de um dos principais nomes da ecologia e dos estudos de conservação no planeta: William F. Laurance, mais conhecido como Bill Laurance, 67, professor da Universidade James Cook, na Austrália, e autor de mais de 800 artigos, entre publicações acadêmicas e obras de divulgação científica.

Um dos pioneiros nos estudos sobre os impactos do desmatamento e da degradação da floresta amazônica, Laurance, que fala português e já viveu por alguns anos em Manaus, retorna agora ao país para participar da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciência, que acontece até esta quinta (8) no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

Em conversa com a Folha antes do evento, o pesquisador, que também tem uma longa trajetória na divulgação científica e nas ações em defesa da conservação da floresta, defendeu o combate a “projetos de infraestrutura mal planejados” na amazônia, incluindo “usinas hidrelétricas, grandes minas e todos os tipos de projetos de combustíveis fósseis”.

O senhor estará no Brasil para uma aula magna sobre a amazônia. Quais são os principais problemas a serem abordados?

Eu vou falar sobre como o uso da terra pelos humanos e as mudanças climáticas, juntos, estão afetando as florestas de muitas formas. Em termos de estrutura, de biodiversidade e do que chamamos de serviços ecossistêmicos, como o armazenamento de carbono, os benefícios climáticos e a estabilização da erosão do solo.

O foco geral será mostrar como essas ameaças estão se manifestando na amazônia, onde a floresta recebe múltiplas “pancadas” ambientais ao mesmo tempo: fragmentação da cobertura florestal, incêndios, caça, perda de biodiversidade, entre muitas outras coisas.

O senhor tem uma série de trabalhos mostrando os efeitos nocivos das estradas na amazônia. Que danos elas provocam?

Quando se constrói uma estrada, geralmente surgem muitas outras estradas secundárias. Então, temos destruição florestal, muitos incêndios, extração legal e ilegal de madeira, mineração ilegal, caça ilegal em muitas áreas, entre outras coisas.

As estradas abrem a floresta, é exploração por todos os lados, e nós já publicamos alguns trabalhos mostrando isso. Mas há um dado estatístico que me deixou completamente chocado. Analisamos três grandes áreas de floresta tropical no mundo, e vimos que é na amazônia brasileira que as estradas têm mais impactos.

E por que isso acontece?

Quando uma primeira estrada é construída, seja pelo governo, por uma madeireira ou mineradora, o que frequentemente acontece é que logo depois começam a surgir estradas secundárias, muitas delas ilegais, informais, sem regulamentação ou controle ambiental.

Estudamos um conjunto de rodovias no mundo todo, incluindo no Brasil, e descobrimos que as estradas secundárias causam muito mais destruição florestal do que aquela primeira estrada.

Vimos que o problema da proliferação de estradas secundárias e da destruição associada é muito pior na amazônia do que em qualquer outro lugar. E aqui vai um dado: se olharmos quanta destruição florestal é causada pela primeira estrada que entra numa área —digamos que seja uma estrada legal— e compararmos com a quantidade de desmatamento associada às estradas secundárias, o resultado é chocante.

Na bacia amazônica, há em média 305 vezes mais destruição florestal. É um número impressionante.

Não temos certeza absoluta do motivo. Pode ter a ver com a topografia plana, ou talvez com a vastidão da fronteira amazônica e o grau de ilegalidade. Explicar exatamente por que isso acontece é difícil, mas o que está claro é que, se você constrói estradas na amazônia, o impacto é absolutamente devastador.

Atualmente quais são as ameaças mais significativas às florestas tropicais?

Acho que são as mudanças no uso da terra. Ainda que a questão das mudanças climáticas com certeza vá se agravar no futuro, neste momento, o que estamos vendo são os impactos destrutivos das mudanças no uso da terra.

Aqui estamos falando de tudo, desde a fragmentação de habitats até a extração de madeira e todos os tipos de usos da terra que podem realmente impactar a floresta de muitas maneiras diferentes.

Em segundo lugar, há a questão de espécies exóticas e de doenças. Por exemplo, neste momento, já perdemos mais de 200 espécies de anfíbios apenas por causa de um fungo horrível que está se espalhando pelo mundo todo. Depois, eu colocaria a mudança climática, mas com a ressalva de que a situação está ficando cada vez pior.

Se você tem uma área de floresta, a melhor coisa que você pode fazer por ela, para torná-la resiliente e capaz de sobreviver a um futuro com muitas adversidades, é minimizar as ameaças relacionadas ao uso da terra, como a fragmentação e o desmatamento.

E quais seriam estratégias promissoras para a preservação?

Combater as estradas e combater projetos de infraestrutura mal planejados. Com isso queremos dizer coisas como usinas hidrelétricas, grandes minas e todos os tipos de projetos de combustíveis fósseis.

A estrada é o ponto crítico. Se conseguirmos manter as estradas fora, temos uma chance real de tentar salvar essas florestas. Se não for esse o caso, deveria haver um monitoramento e controle absolutamente rigorosos, mas isso é completamente irrealista. O Ibama não tem, nem de longe, o número de funcionários em campo que precisaria. Sem contar que o governo Bolsonaro mandou embora algumas pessoas realmente muito boas, além de ter causado muitos danos.

Mas o Brasil já teve muito bons resultados com o aumento da fiscalização. Os maiores fatores foram programas governamentais. Os sistemas de monitoramento por satélite Prodes e Deter, por exemplo. E quando realmente começaram a aplicar multas de verdade e impor algumas penas de prisão, como não se fazia, o desmatamento ilegal começou a cair.

O Brasil ainda discute mais projetos de infraestrutura e de exploração de óleo e gás na bacia Foz do Amazonas. Que riscos isso poderia trazer?

Isso tudo vai ter impactos massivos. Nós publicamos um artigo na revista Science, faz bastante tempo, em 2001, analisando o que seria da amazônia brasileira se todos os projetos do governo daquela época fossem adiante.

Havia então um grande programa nacional chamado Avança Brasil. Eram cerca de US$ 40 bilhões (cerca de R$ 229 bilhões), o que naquela época era muito dinheiro, em projetos de infraestrutura planejados.

Basicamente, analisamos o que aconteceria se tudo aquilo fosse implementado. O resultado foi um mapa com um aspecto realmente horrível, que viralizou no mundo antes mesmo de “viralizar” ser uma palavra.

O que mostramos foi que a amazônia é extremamente propensa à fragmentação e perturbação em larga escala. E acho que isso chocou muita gente. Elas pensavam que a amazônia ia ser corroída aos poucos pelas bordas —e de fato está sendo— mas esses projetos que penetram no interior, bem no coração da bacia, são o que está fragmentando a região.

Sabemos que esses fragmentos de floresta são muito mais vulneráveis à extração predatória de madeira, à caça ilegal, à mineração ilegal, aos incêndios causados pelas mudanças climáticas. Então, queremos manter a floresta intacta. Esse é o objetivo.


RAIO-X

William F. Laurance, 67

Diretor do Centro de Ciência Ambiental Tropical e Sustentabilidade na Universidade James, na Austrália, nasceu nos EUA e cresceu no estado do Oregon. É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Suas pesquisas abordam temas como impactos das mudanças no uso da terra, fragmentação das florestas e o desmatamento, além de questões ligadas à biodiversidade e conservação.



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